À margem da lei
Legislação ineficiente faz com que candidatos fiquem reféns de erros e abusos cometidos por órgãos e bancas organizadoras de concursos. Saiba como evitar que o mesmo aconteça com você
Graduado em direito, Tiago, de 30 anos, sonha em se tornar defensor público, mas sua meta de vida já foi interrompida duas vezes. Em 2011, resolveu tentar uma vaga na Defensoria Pública do Amazonas (DPE/AM). Estudou por um ano e gastou, ao todo, R$ 7 mil, incluindo inscrição, curso preparatório, passagens aéreas e hospedagem. Tudo foi por água abaixo quando a seleção foi cancelada por suspeita de fraude. “Eles trocaram a banca e falaram para todos os candidatos que devolveriam a taxa de inscrição”, diz. Entretanto, até hoje ele não recebeu o dinheiro – nem os outros cinco mil inscritos na seleção. Quando retomou o certame, o órgão cobrou uma nova taxa de participação, o que desmotivou Tiago a continuar. Em 2012, ele resolveu tentar de novo, desta vez na Defensoria Pública de Goiás (DPE/GO). Resultado? O concurso está suspenso até hoje por suspeita de irregularidades, segundo o candidato. “Eu chego a ficar desmotivado. Oferecem um determinado número de vagas. Mas daí às vezes eu penso: ‘a quantas vagas eu realmente concorro? Não sabemos quantas são as cartas marcadas’”.
“Cerca de um mês após o vencimento do concurso, o banco pediu autorização para lançamento de um novo edital, agora com 400 vagas para técnicos. Fiquei indignada, já que eles falavam que tentariam nomear todos, pois o quadro de pessoal estava muito aquém de um mínimo aceitável”, conta. “Além do descaso com os candidatos, está também o descaso com o dinheiro público. Gastaram para realizar esse curso de formação e ainda pagaram cerca de R$ 1 mil em ajuda de custo para cada candidato”, complementa. Alessandra conta que chegou a procurar um advogado para reivindicar seus direitos, mas decidiu não entrar com uma ação para evitar desgastes.
Assim que a Companhia Energética de Brasília (CEB) lançou o edital do concurso para formação de cadastro de reserva, o jornalista Rafael Amorim, de 34 anos, resolveu participar. Mas a expectativa de se tornar um servidor público tem se tornado um pesadelo desde novembro, quando a seleção foi suspensa pelo Tribunal de Contas do DF por problemas na licitação. Nem a banca nem o órgão dão informações aos candidatos; Rafael ficou sabendo da paralisação do concurso pela mídia. “Eu me sinto totalmente desrespeitado. Cadê a lei distrital de concursos públicos? Acho que a banca deveria devolver meu dinheiro e ser mais educada”, diz. O concurseiro conta ainda que espera um posicionamento o mais rápido possível: “Eles podem até devolver a minha taxa de inscrição, mas não podem devolver o tempo que gastei estudando”, indigna-se.
O jurista alega que as decisões do Judiciário se tornaram aliadas dos candidatos. “Elas são a salvaguarda quando há afronta às regras do edital, aos limites da razoabilidade, da legalidade e, muita das vezes, da própria constitucionalidade”. Kolbe conta que já chegou a atender até 90 concurseiros por mês, todos em busca de consultoria jurídica. Para ele, quem se sentir lesado deve correr atrás do prejuízo. “Os candidatos devem ficar atentos para não perder o prazo decadencial de 120 dias para a impetração do mandado de segurança, nos termos do art. 23 da Lei 12.016/09. Outra dica importante é procurar o Ministério Público ou as associações de amparo ao concursando, como a Anpac”.
Fundador e membro da Anpac, Ernani Pimentel diz que a associação atualmente trabalha junto ao Congresso Nacional para aprovação de uma lei que seja modelo. “O país só tende a ganhar com uma lei nacional. Há necessidade de se aprimorar o treinamento dos funcionários e isso se faz começando por um concurso bem organizado”, finaliza.
Desamparados pela lei
Hoje não existe nenhuma legislação federal que assegure os direitos dos candidatos no país, tampouco a lisura e idoneidade das seleções públicas realizadas em âmbito nacional. O que existe é um decreto (6.444) assinado pelo ex-presidente Lula, em 2009, que estabelece de maneira vaga normas para a realização de processos seletivos no âmbito da administração federal direta, autárquica e fundacional.
Recentemente, o Distrito Federal também avançou neste assunto. O governador Agnelo Queiroz sancionou, em outubro do ano passado, o que hoje é conhecido como Lei Geral dos Concursos (4.949/2012). O documento trata de temas importantes, como as informações que devem constar obrigatoriamente do edital, o prazo estabelecido entre a divulgação do concurso e a data da prova e a proibição de certames exclusivamente para cadastro de reserva. Mas os casos ilustram que, mesmo assim, os direitos dos candidatos não estão, de todo, preservados.
Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos
(Anpac), é a favor de uma nova
lei em defesa de concurseiros
Seus direitos, de acordo com a Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac)
Passei dentro do número de vagas, o concurso venceu
e eu não fui chamado. O que devo fazer?
Impetrar mandado de segurança ou ação de conhecimento, pois neste caso o candidato possuiu, segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), direito público subjetivo, líquido e certo à nomeação.
O concurso para o qual me inscrevi foi cancelado e não
recebi meu dinheiro de volta. Tenho direito de ser reembolsado?
Neste caso, sim. Se o concurso tiver sido apenas adiado ou suspenso, não.
Concursos para cadastro de reserva são legais? Tenho direito a ser nomeado caso seja aprovado?
São legais. Quanto à nomeação, tudo dependerá de uma série de fatores, por exemplo, se existem vagas a serem preenchidas ou se essas vagas estão sendo ocupadas por terceirizados.
Fui a outro estado para fazer prova de concurso. No dia da aplicação, houve cancelamento. Gastei com passagens, hospedagens, transporte. Posso requerer reembolso?
Esse é um dos tópicos ainda não pacificados. Neste contexto, entendo particularmente que sim, mas isso depende da causa que deu origem ao cancelamento. Todavia, alguns tribunais têm entendido que não. De toda sorte, se não há posicionamento pacífico, recomendo a propositura da ação indenizatória.
Estou terminando minha graduação e passei em um concurso para nível superior. Existe a possibilidade de adiar minha nomeação?
É possível conseguir, administrativamente, o adiamento da nomeação requerendo que seu nome seja incluído no final da fila dos aprovados.
A limitação de idade em concursos para militares é legal?
Sim, desde que haja previsão expressa na lei.
Passei em um concurso e perdi a posse, pois as nomeações foram publicadas apenas no Diário Oficial, ao qual eu não tenho acesso. Os órgãos não devem convocar os candidatos por correspondência?
Eles são obrigados desde que haja previsão expressa no edital – o que é de praxe, diga-se de passagem. Todavia, para o STJ, a publicação da convocação de candidato somente no Diário Oficial, após o transcurso de considerável lapso temporal entre uma fase e outra, contraria o princípio da publicidade dos atos administrativos, mesmo que o edital preveja a convocação por meio do Diário Oficial. Então não é razoável impor aos candidatos a exigência de leitura diária do Diário Oficial, por tempo indeterminado, para tomarem conhecimento de sua convocação.