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Brasília nipônica

Os 2,5 mil imigrantes e descendentes ajudam a capital a receber a seleção japonesa de futebol no jogo de estreia da Copa das Confederações

Anderson Costolli - Editor Publicação:17/06/2013 15:37Atualização:17/06/2013 16:14

Todas as terças, um grupo de 22 senhoras se reúne na Associação Cultural Nipo-Brasileira, para dançar e confraternizar: raízes preservadas (Fotos: Raimundo Sampaio/Encontro/DA Press)
Todas as terças, um grupo de 22 senhoras se reúne na Associação Cultural Nipo-Brasileira, para dançar e confraternizar: raízes preservadas
 

Atualmente, cerca de 2,5 mil japoneses moram em terras candangas. Uma população que, neste mês de junho, ganha reforço. Brasília nunca esteve tão nipônica, com japoneses vindos de todos os cantos do Brasil e, é claro, da terra do sol nascente para assistir à abertura da Copa das Confederações, no dia 15, no novo Mané Garrincha. E basta conhecer um pouco da rotina dos japoneses que moram em Brasília, declaradamente apaixonados pela cidade, para perceber que a presença deles na capital vai muito além do esporte. Religião, educação e arte japonesa têm lugares cativos. E quem chega do Japão logo percebe.


Kohei Yoshizuka, de 21 anos, é um estudante japonês que escolheu o Brasil para fazer intercâmbio. Mais precisamente, a Universidade de Brasília (UnB) para cursar letras. Nascido e criado em Tóquio, antes de desembarcar em terras candangas, estudou seis semestres do curso luso-português na Universidade Sofia, na capital nipônica. Ele chegou a Brasília em março e já faz declarações de amor à cidade. Tinha opção de aprender o português de Portugal ou o brasileiro. Sem titubear, escolheu o Brasil, mais especificamente Brasília. “Gosto do espaço que a cidade tem, com muitas áreas verdes, poucos prédios altos. É diferente de Tóquio. Eu prefiro aqui a São Paulo, que é muito movimentada”, explica a opção.

Sobrevivente da bomba de Hiroshima, Toshie Shoji chegou ao Brasil há mais de 50 anos e diz que não sai mais daqui : 'Japão é para visitar' (Raimundo Sampaio/Encontro/DA Press)
Sobrevivente da bomba de Hiroshima, Toshie Shoji chegou ao Brasil há mais de 50 anos e diz que não sai mais daqui : "Japão é para visitar"

Bilíngue, o rapaz passou parte da infância em Antígua e Barbuda, no Caribe, por conta do trabalho do pai. Lá, aprendeu inglês. Quando resolveu entrar em uma universidade, Kohei não pensou duas vezes: “Quero aprender português”. A justificativa é plausível. “Eu ouvi dizer que a economia do Brasil tende a melhorar nos próximos anos. Então, comecei a estudar português com a intenção de conseguir uma boa chance de emprego aqui”, revelou. E se não conseguir? “No Japão, falar português é um plus. Terei mais chances no mercado de lá caso não fique aqui”, diz.


O jeito acolhedor do brasileiro encantou Yoshizuka. “Aqui, as pessoas se abraçam, sorriem, se tocam, enquanto conversam. Sinto-me muito bem-vindo.” Sobre a paixão nacional, ele garante que só se arrisca no futebol aos fins de semana com os amigos do dormitório, na UnB. Já o boom de restaurantes japoneses em cada esquina de Brasília não seduziu Kohei. Ele diz que já comeu duas ou três vezes os famosos sushis e sashimis, garante que os pratos não deixam a desejar se comparados aos de Tóquio, mas, como diz o ditado, “se está na chuva é para se molhar”. “Todo dia eu como mesmo é arroz com feijão. A primeira vez que comi feijão não gostei, achei muito salgado. Mas, depois, percebi que tudo aqui é muito saboroso. Doce demais, salgado demais, apimentado demais. Agora já me acostumei. Meu prato predileto, até agora, é churrasco.”


Mas não é apenas o jeito como Kohei Yoshizuka vê o Brasil que é positivo. O Ministério dos Negócios Estrangeiros do Japão realizou uma pesquisa de opinião pública sobre a imagem do Japão no Brasil, encomendada à SENSUS Pesquisa & Consultoria. O estudo, que entrevistou 600 brasileiros com mais de 16 anos, aponta que a imagem dos japoneses no Brasil também está em alta. Segundo os brasileiros entrevistados, 20% dos japoneses são dedicados e eficientes, 17% os apontaram como calculistas, 16% os acham educados e gentis. Na mesma pesquisa, 78% dos entrevistados responderam que as relações entre os dois países são amistosas e 84% acreditam que a importância do Japão para o Brasil continuará a aumentar futuramente.

Dirce Takahashi se autointitula professora do grupo que se reúne para dançar yosakoi: decide as músicas, as vestes, os adereços e anima o lugar (Raimundo Sampaio/Encontro/DA Press)
Dirce Takahashi se autointitula professora do grupo que se reúne para dançar yosakoi: decide as músicas, as vestes, os adereços e anima o lugar

“Minha única obrigação hoje é cuidar do meu marido.” Com o sotaque japonês inconfundível, Toshie Shoji, de 73 anos, conta com orgulho sobre o ofício que exerce diariamente: dona de casa. Uma das sobreviventes da bomba atômica lançada contra o Japão pelos Estados Unidos em 6 de agosto de 1945, ela não carrega um semblante pesado ou triste, como muitos poderiam esperar de uma vítima do terrível ataque que matou cerca de 150 mil pessoas em Hiroshima. Sorridente e impecavelmente maquiada, ela se reúne todas as terças-feiras com 22 amigas, também orientais, no salão da Associação Cultural Nipo-Brasileira, em Taguatinga Sul, para dançar, sorrir e confraternizar.


Toshie chegou ao Brasil aos 20 anos e hoje diz não sair daqui por nada. “Japão é para visitar. Para morar, nem São Paulo nem Minas Gerais nem nada. Gosto de Brasília, me encantei por aqui”, declara-se. O clima seco, acredite, é o que mais a fascina. Os parques da cidade são assiduamente frequentados por ela e por toda a família. Apesar de ser nascida e criada na Ásia, Toshie diz que só se envolveu com a dança oriental há sete anos. “É bom para espairecer a mente. Esquecer um pouco o que fica lá fora”, justifica. Antes de vir para a capital, ela morava com os pais em Ceres, cidade goiana a 227 km de Brasília


Quem também faz parte do grupo de dança — batizado de Fujinkai (senhoras, em japonês) — é Toshiko Yoshimoto, de 46 anos. Amigas de yosakoi, nome da dança típica do Japão, ambas fazem parte de uma geração que valoriza e preserva a cultura japonesa até hoje. Apesar de morarem aqui há décadas, vez ou outra as duas conversavam no idioma de origem, mas logo se explicavam. “Não sabemos falar muito bem em português”, desculpam-se. Aliás, desculpa é uma palavra corriqueira entre elas. No Japão, “obrigado”, “por favor” e “com licença” não são usadas apenas por educação. É cultura. “Eu tenho três filhos e essa é uma das coisas que ensino a eles. Respeito aos mais velhos, aos pais, ao ser humano. Sempre”, explica Toshie.


Durante a dança, o sorriso no rosto é fundamental. Leques e adereços japoneses, sempre muito coloridos, também. Todas as fujinkai usam um quimono, ou yukata, como vestimenta, o obi na cintura e o zori, um chinelo de dedo, com meias brancas, também não podem faltar nos pés. O uniforme e os cabelos arqueados, no mais clássico estilo japonês, marcam as terças-feiras na associação. No fim de cada reunião, um lanche comunitário com diversos pratos da culinária nipônica sela a felicidade das dançarinas.

Toshiko Yoshimoto também é uma exímia dançarina de yosakoi: conversas em japonês com as amigas (Raimundo Sampaio/Encontro/DA Press)
Toshiko Yoshimoto também é uma exímia dançarina de yosakoi: conversas em japonês com as amigas

Quem dá as coordenadas para as outras 21 mulheres, todas já na terceira idade, entre 70 e 90 anos, é Dirce Takahashi, de 83. Nissei, ela se autointitula professora — é quem decide as músicas, as vestes, os adereços, dá o play e anima o ambiente. Ela começou no yosakoi aos 18 anos. “Hoje, somos 250 famílias cadastradas aqui. Mas, na verdade, somos como uma família só. Todos amamos o Brasil, aqui tem muita gente honesta, não é como falam”, defende o país que escolheu para viver. Dirce já foi para o Japão muitas vezes, mas sequer pensa em morar lá. “Nunca. Muito diferente. Prefiro aqui e aqui eu vou ficar”, diz.


Liberdade, tranquilidade, paz de espírito. São palavras bem comuns ao vocabulário oriental. Para fugir da loucura do dia a dia e buscar um pouco dessa calmaria, muitos brasilienses costumam pegar a estrada e se refugiar em alguma cidade nas proximidades, onde possam conseguir silêncio e um bom lugar para meditar. Em Brasília, há, pelo menos, dois lugares, onde essa tranquilidade é certa. No Templo Budista Terra Pura, na 315/316 Sul, são realizadas reuniões, aulas de meditação, cursos, shiatsu. A filosofia budista prega exatamente isto: olhar primeiro para si, cuidar primeiro do seu jardim, antes de julgar o próximo. Comandado pelo monge Ademar Kyotoshi Sato, filho de japoneses, o templo tem os cultos, chamados ofícios, aos fins de semana, com a participação de cerca de 50 pessoas. Nos fins de semana de agosto, o Templo Budista Terra Pura realiza uma tradicional quermesse, que atrai milhares de pessoas. Sato explica que, geralmente, os principais frequentadores dos templos são budistas nisseis, nascidos no Japão, e que querem manter essa tradição. Mas não é uma regra. Quem se interessar pela religião pode passar a frequentar o lugar.

“Pregamos a não discriminação e a liberdade. A sensibilidade.” Segundo Sato, os ofícios duram, em média, uma hora e meia e são divididos em três etapas. Meditação cantada, na qual cada pessoa recebe um livro e recita, em japonês, algumas palavras de boas energias. No segundo momento, há uma meditação silenciosa — o nome já diz tudo. São cerca de 15 minutos em encontro consigo mesmo. E a meditação contemplativa em agradecimento. Cerca de 50 pessoas frequentam o templo na Asa Sul. “Juscelino (Kubitschek) queria uma capital ecumênica. Com todas as religiões aqui no centro da cidade, por isso o Terra Pura foi criado aqui”, explica.


O respeito é a palavra-chave para quem quer seguir o budismo. “Não existe um ‘você tem de fazer’. Ou um ‘você tem de rezar tantas vezes para alcançar a plenitude’.” Quem explica é o monge líder do Templo Nambei Higashi Honganji de Brasília, em Taguatinga Norte, Suguiura Massaharu, de 72 anos. Segundo ele, cada um tem sua peculiaridade e isso deve ser respeitado dentro da religião budista. Para o monge, o que importa, de fato, é não fazer mal ao próximo. “Se plantar o mal, colhe o mal. Se plantar o bem, colhe o bem”, detalha. A filosofia do carma, segundo eles, existe e deve ser levada muito a sério. Ao todo, segundo Suguira, cerca de 130 famílias frequentam o templo Nambei Higashi Honganji. “E todos são bem-vindos. Não só os japoneses ou descendentes. Pode vir quem quiser, quem se sentir à vontade”, convida.

 

Japoneses por opção

Os amigos Rafael Gatti (de pé), Raquel Straiotto (esq.), Alícia Echavarria e Caio Stein são apaixonados pela cultura japonesa: aulas de mangá (Raimundo Sampaio/Encontro/DA Press)
Os amigos Rafael Gatti (de pé), Raquel Straiotto (esq.), Alícia Echavarria e Caio Stein são apaixonados pela cultura japonesa: aulas de mangá

Nascidos e criados na capital, Rafael Gatti, de 26 anos, Raquel Straiotto, 17, Caio Stein, 24, e Alícia Echavarria, 17, são praticamente orientais. Desde criança, o quarteto é louco por tudo o que envolve arte japonesa. Desenhos, pinturas, animes… Mas, hoje, a brincadeira virou coisa séria e esses jovens trabalham dando cursos de mangá. Tudo começou com os Cavaleiros do Zodíaco, nos anos 1990. O interesse de Rafael por mangá começou aos 7 anos. Aos 14, já dava aula de desenho. “Toda a cultura japonesa é muito diferente. Isso nos encantou desde pequenos”, diz o rapaz.
Raquel está concluindo a 3º série do ensino médio, pretende cursar direito, mas nem pensa em largar a arte. Começou a estudar japonês e já consegue se comunicar no idioma. “Se eu for para lá, fome eu não passo”, brinca. A jovem tem uma revista publicada na internet. Alícia, também no último ano do ensino médio, quer fazer cinema na UnB. Porém, morar uma temporada no Japão também está nos planos dela. “Quero fazer minha pós-graduação em animação lá em Tóquio.” Caio já faz arquitetura e dá aulas na escola Onigiri. “A procura é grande, o interesse pela arte japonesa é alto aqui em Brasília”, explica.

 

Glossário

Yosakoi - Dança típica japonesa, na qual homens, mulheres e até crianças podem participar. Geralmente, exige-se um ensaio exaustivo antes de apresentações, que costumam ser impecáveis.
Yukata - Vestimenta originária do Japão, usada para a dança do yosakoi.
Obi - Pedaço de pano, formando um lenço, amarrado à cintura das dançarinas.
Zori - Chinelo de dedo, algumas vezes feito de madeira, usados rotineiramente no Japão.
Issei - Primeira geração de japoneses. Nascidos no Japão.
Nissei - Segunda geração. Filhos de japoneses, porém, nascidos no Brasil.
Sansei - Terceira geração. Netos de japoneses, filhos de nisseis.

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