Móvel de família
Mobílias e objetos herdados agregam identidade e charme à casa. Muitos podem ser preservados em seu formato e função originais; outros podem ganhar novos usos e cores
A casa da artista e empresária Stella Lopes traduz perfeitamente essa noção. Móveis antigos de família, objetos de todas as épocas e arte moderna. “Tudo o que tenho tem história. Venho de Petrópolis, a Cidade Imperial, onde nada é qualquer coisa. Mas nem tudo que herdamos tem a minha cara, então fui trocando as funções, as cores. Sendo feliz com o que herdei e também trocando com meus amigos herdeiros de alguma coroa”, brinca a artista. Em seu apartamento, a mesa de jantar é ornamentada por cadeiras dos anos 1960 herdadas pelo marido. Entre elas, figuram dois exemplares da moderna cadeira Louis Ghost, do famoso designer Philippe Starck. Sobre um bufê retrô (herdado junto com as cadeiras anos 1960), baixelas e jarros de murano, que pertenceram à avó e a uma tia-avó de Stella, colorem o ambiente.
O padrão da sala de jantar se repete por todo o apartamento. Uma mesa de jantar de madeira maciça, da família do marido, redonda, pesada e pequena, virou mesa de apoio da sala de estar.
Na sala de televisão, uma chaise amarela dos anos 1970 ao lado de uma mesinha de madeira, que já viveram em casas de outros familiares da família Lopes. Tudo ali, misturado, funciona de forma perfeitamente harmônica. O segredo? “Penso num mundo melhor, sem lixo, sem moda, sem medos de errar. O que temos é o bom da hora! Sendo assim, não há por que dar errado, não precisa combinar, beleza e belo se completam fugindo do lugar-comum. Se herdar com gratidão e pintar o jacarandá da Bahia de vermelho ou pink, com certeza seus antepassados ficarão felizes também.
Perigoso é ganhar alguma coisa e ficar reclamando: ‘Onde meto essa coisa horrível!?’. Dê de presente para quem gosta, venda”, ensina.
Entre os velhos queridinhos está um armário para mantimentos que, em sua casa, virou uma cristaleira, onde guarda taças, porcelanas e cristais. E uma mesa antiga que virou o rack do home, sob a televisão. O profissional ensina que é preciso olho técnico para avaliar o que merece reaproveitamento. Enquanto alguns objetos podem ser uma cilada e outros caírem bem na sua casa, alguns também podem ser verdadeiramente valiosos. Na dúvida, vale dar um pulo em um antiquário ou em uma loja de restauração e descobrir se a peça tem mesmo valor. “Se você não estiver pessoalmente preocupado em valor financeiro, deixe fluir seu desejo, seus sentimentos, e faça desta peça parte da sua história de vida”, aconselha.
que ganhou da sogra: "As peças de
família dão um toque pessoal e
um contraste interessante"
Na casa da curadora Karla Osório, são pelo menos 10 peças cheias de história espalhadas com elegância pela área íntima e social da casa. Algumas doadas por familiares e outras herdadas de parentes que faleceram. De uma mesa de apoio que foi de sua avó à cama que pertenceu à mãe de sua sogra. "Creio que o móvel de família agrega muito valor à decoração, pois permite o contraste entre o clássico e o moderno, dando ao ambiente um toque pessoal, de lembranças e tradição que é muito agradável no dia a dia de cada um", opina.
Entre seus queridinhos, estão as cadeiras antigas que eram da sogra desde o casamento dela, nos anos 1950, e as arcas mineiras, antigos "baús de tesouros", onde Karla guardava preciosidades da infância e da adolescência, como bonecas, roupinhas e brinquedos. "Era o cofre com tudo que tinha de mais importante na época, com chave e tudo", lembra.
Para Karla, a brincadeira de misturar o novo com o antigo está longe de ser trabalhosa. Sempre interessada por arquitetura e design, e envolvida no universo da arte contemporânea, compôs as misturas sem a ajuda de profissionais. "Acho muito fácil e agradável misturar móveis de diferentes estilos na decoração, sobretudo de uma casa. Dá um toque pessoal e um contraste interessante, que enriquece o ambiente, dando uma 'alma' ao local. Acaba transmitindo um pouco a personalidade de quem reside no espaço e isso é muito importante para evitar ambientes frios, como se vê em vitrines mais comuns."
Misture do jeito certo
- A mistura de estilos na casa pede mais ousadia e menos preocupação. A ideia só é perigosa em casas muito padronizadas, ou seja, com móveis todos iguais. Ainda assim, é um bom começo para quebrar a rotina.
- Pense em novas funções para o objeto. Um banco pode se tornar uma mesa de centro. Um bufê pode virar um rack com novos pés, um bule pode ser usado como um vaso de flores e um aparador pode se transformar em uma mesinha prática de estudos.
- Reformar o objeto também garante um ar de modernidade. Um móvel escuro e pesado ganha humor e sofisticação se pintado de cores fortes.
- Casas com móveis de diferentes materiais e cores costumam receber melhor peças antigas.
- Belas peças merecem destaque na decoração. Prateleiras ou em contraste com paredes coloridas são boas ideias para que a "herança" chame atenção do olhar.
- Nem todas as peças de família estão prontas para o uso. Verifique se a peça não pede uma reforma ou, em caso de móveis de madeira, tratamento contra cupins.
Uma viagem no tempo e nas cores
Quadros que foram pintados pela mãe dela, uma cadeira thonet clássica, peças de prata que pertenceram aos avós. Tudo sobre uma cômoda de madeira de demolição.
No alto da porta da varanda, porcelanas antigas de família e, no canto da sala, um pé de máquina de costura que ganhou um tampo de vidro amarelo e virou aparador. A grande sacada da decoração da casa de Isabel é justamente essa. Unir elementos tão diferentes e, com a cor, torná-los, de alguma forma, complementares.
Entre as peças mais impressionantes estão toalhas tecidas e bordadas por antepassados do século XIX, as baixelas de prata e uma mala de couro e madeira, no pé da cama, usada quando ela e seu pai deixaram Portugal de navio, rumo ao Brasil.
“Acho que a casa fica mais interessante quando ela tem um pouco de história em seus objetos. As toalhas da minha bisavó, por exemplo, são incríveis. Acho fantástico alguém ter fiado, tecido e bordado um pano para transformá-lo em toalha. E hoje isso estar nas minhas mãos. E espero, um dia, na dos meus filhos e netos”, diz.
A coleção de minilouças, um serviço de chá de porcelana Vista Alegre, herdado da infância da mãe, também está entre as peças mais queridas da casa.