O rei das bicicletas
Camillo Linhares começou vendendo bicicletas recicladas a partir de peças recolhida no lixão. Hoje, a JC Bike é referência em modelos sofisticados no país. Apesar de ter sete filiais espalhadas pelo Distrito Federal e em outros estados, a matriz da empresa continua em Ceilândia
Para o universo dos ciclistas brasilienses, sobretudo os profissionais, não vale a lógica predominante por aqui de sair da periferia para comprar as novidades no centro da capital ou em endereços de luxo. Os apaixonados pelo ciclismo saem de todos os cantos da cidade com destino a Ceilândia para descobrir quais são as tendências do mundo das bikes e fazer o melhor negócio. A responsabilidade por essa inversão recai sobre as costas de Camillo Linhares, que há 21 anos decidiu realizar um sonho: largar o trabalho na feira, onde vendia peças de bicicletas recicladas do lixão, para abrir a JC Bike. Naquela época, abriu um espaço de 9 m². Hoje, é a loja que mais vende bicicleta cara – os preços chegam a R$ 45 mil – no Brasil. Por essa razão, ganhou, no ano passado, o prêmio S Works, que condecora o maior vendedor brasileiro.
Como Camillo não sai de lá, coleciona histórias de pessoas que andam até 2 mil km para fechar negócio com ele. “Na semana passada, três amigos vieram de Tocantins para comprar bicicleta comigo”, orgulha-se. E ele diz que o sucesso não tem segredo. “Todos sabem que eu sou honesto. Nunca vendi uma peça estragada, nunca tentei passar ninguém para trás. Alguns lojistas de fora vêm passar uma semana conosco para entender como vendemos tanto. Mas eu digo para eles: não tem segredo, tem de ser dedicado e honesto”, resume.
Em 1977, quando tinha 6 anos, Camillo veio do Ceará para Brasília com o pai, que era ajudante de pedreiro, a mãe e cinco irmãos. Aos 8 anos, começou a trabalhar na feira de Ceilândia. Foi engraxate, vendeu frutas, roupas e até jornal. Aos 15 anos, matriculou-se no Senai para fazer um curso técnico de torneiro mecânico. Começou a trabalhar na área, em uma empresa em Sobradinho. “Acordava às 5h manhã e pegava quatro ônibus para ir trabalhar todos os dias. Trabalhava de segunda a sábado e, aos domingos, seguia vendendo na feira, pois era o dia mais movimentado. Tinha de ganhar dinheiro, não tinha outra opção, senão morria de fome”, diz.
Seis anos depois, em 1998, Camillo conheceu o mountain bike, se apaixonou e diz que aquilo foi um divisor de águas. “Fui assistir a uma competição de mountain no Plano Piloto e decidi trazer a modalidade para Ceilândia. Eu sabia do potencial da cidade. É a maior do DF e aqui a moeda corre: o povo trabalha em Ceilândia e gasta o dinheiro aqui mesmo”, previu. Então, ele decidiu montar uma equipe para disputar um campeonato e divulgar a marca no meio do ciclismo. “Peguei uns amigos que estavam passando fome, dei uma bicicleta e uma ajuda de custo e os coloquei para treinar. Daí para frente, seguimos trabalhando de domingo a domingo, dia e noite, e a loja foi crescendo sem parar”, relata.
O filho do proprietário, Danillo Linhares, de 21 anos, também foi profissional de mountain bike. Porém, não se adequou ao ritmo intenso de treinamento e preferiu tomar conta de uma das lojas do pai. “Sou o gerente da JC Bike de Vicente Pires. Estou me formando em direito, mas só para ter no currículo. Quero vender bicicleta para o resto da vida”, espera. Ele diz que se inspira no pai para ser um bom vendedor: “Aprendi tudo com ele. Lembro-me dos tempos em que passávamos dificuldades, e ele nunca desistiu. É um exemplo de homem”, elogia. E o pai, orgulhoso, retribui: “É a minha maior riqueza. Um garoto que nunca deu trabalho. Dei a loja de Vicente Pires para ele há dois anos e, nesse meio-tempo, devo ter vindo aqui umas três vezes. Está fazendo tudo certo, a loja está bombando”, afirma.
Johnny Vasconcelos estava desempregado. Ele sempre pedalou e frequentava a JC Bike. “Aqui não é só uma loja onde as pessoas vêm comprar. Virou o point dos apaixonados pelo pedal, está sempre cheio”, diz. Ele conta que frequentava a loja para conversar com os amigos e um dia perguntou, quase em tom de brincadeira, se não tinha uma vaga de emprego para ele. “Falei sem pretensão nenhuma. Mas o Camillo disse: vem segunda-feira, às 8h da manhã. Você vai começar a vender”, lembra. O funcionário rasga elogios para o chefe: “É um paizão para todos nós. Dá conselhos, brinca, mas, quando tem de brigar, não pensa duas vezes”.