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Cidade I Plano Piloto »

Iguais, mas diferentes

Asa Sul e Asa Norte têm a mesma configuração e tamanho. Guardam, no entanto, algumas peculiaridades: de um lado, mais tradição; do outro, mais juventude

Matheus Teixeira - Redação Publicação:08/08/2013 14:22Atualização:08/08/2013 17:22

O casal Vanessa Cortines e Felipe Murrieta moram em lados opostos; cada um puxa para o seu lado (Bruno Pimentel/Encontro/DA Press
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O casal Vanessa Cortines e Felipe Murrieta moram em lados opostos; cada um puxa para o seu lado
 

Elas são gêmeas univitelinas. Gestadas no mesmo ventre – as mãos de Lucio Costa –, foram desenhadas para serem idênticas. As asas que dão equilíbrio para Brasília voar e se desenvolver têm o mesmo projeto, com medidas simétricas. São 16 quadras residenciais para cada lado, todas com um centro comercial vizinho e com exatos 500 m de comprimento. A configuração física é, de fato, muito parecida. No entanto, ambas cresceram, receberam diferentes influências e, apesar das similaridades, criaram personalidades próprias.


Que as asas Sul e Norte são diferentes, ninguém nega. Mas, como bairros com o mesmo projeto ficaram com características tão distintas? Quando o assunto é o Plano Piloto, o brasiliense, conhecido por morar numa cidade cosmopolita, que une diversas culturas, torna-se bairrista. Cada um puxa a sardinha para o seu lado. O casal Felipe Murrieta, bancário, e Vanessa Cortines, jornalista, ele, morador da Asa Sul, ela, da Asa Norte, encarnam bem essa disputa e enumeram as diferenças. “A Sul é mais antiga, por isso é mais desenvolvida. Tem mais bares, mais opções de lazer”, acredita Felipe. Ela ressalta: “A Asa Norte tem mais gente jovem, é mais agitada”.

Claudia Porto está há oito anos na Colina, na Asa Norte: 'O ambiente aqui é familiar. Parece uma pequena vila' (Fotos: Raimundo Sampaio/Encontro/D.A Press)
Claudia Porto está há oito anos na Colina, na Asa Norte: "O ambiente aqui é familiar. Parece uma pequena vila"

Quando o casal decide sair para jantar, é difícil chegar a um consenso. “Só conheço os restaurantes da Sul. Aí, sempre proponho alguma opção mais próxima da minha casa”, diz Felipe. Mas, às vezes, a namorada o convence a atravessar o buraco do tatu, a famosa divisão entre as duas asas, bem na rodoviária. “Convido-o para vir até a Norte, pois também tem ótimos restaurantes, e ele acaba cedendo”, conta. Mas e quando decidirem dar um passo à frente do namoro e morarem juntos? “Ela quer ficar na Norte; eu, na Sul. Acho que, para um casal jovem iniciando a vida, é mais fácil começar por um local mais barato, como Guará ou Cruzeiro”, brinca Felipe.


Affonso Heliodoro, presidente do Instituto Histórico e Geográfico do DF, tem 96 anos e veio para Brasília na época da construção. Segundo ele, muitas das diferenças entre os bairros se devem à forma como foram ocupados. “A Asa Sul foi feita para que Brasília pudesse comportar servidores públicos e políticos, que vinham morar na nova capital. Já a Asa Norte foi sendo construída à medida que Brasília crescia, foi se desenvolvendo ao longo do tempo. Apesar de ter quadras como a 312, que existe desde 1960, a Asa Norte é, como um todo, mais jovem”, constata. Para ele, a Norte acabou sendo beneficiada. “Fizeram a Asa Sul às pressas, pois a cidade tinha data para ser inaugurada”, rememora.

As amigas Ivone (esq.) e Geralda, pioneiras da 308 Sul: na quadra modelo, não precisam sair para nada (Fotos: Raimundo Sampaio/Encontro/D.A Press)
As amigas Ivone (esq.) e Geralda, pioneiras da 308 Sul: na quadra modelo, não precisam sair para nada

A forma como foram ocupadas, garante Heliodoro, reflete-se, hoje, no perfil da população. “Os primeiros moradores de Brasília estão na Asa Sul. Então, lá o pessoal é mais velho, tem mais aposentados”, diz. Por outro lado, o bairro oposto foi influenciado pela juventude da Universidade de Brasília (UnB). “Os apartamentos são menores e mais baratos, mais acessíveis para quem está começando a vida”, destaca.


Leandro Mariani, diretor de urbanismo e projeto da Administração de Brasília, explica por que os apartamentos da Asa Norte são, de fato, menores. “Foi construída à luz da especulação imobiliária, a demanda era muito grande. Enquanto os blocos da Sul têm, em média, de seis a oito apartamentos por andar, com medidas de 110 a 130 metros quadrados cada um, na Norte, eles têm de oito a 12 apartamentos por andar, com média de tamanho de 80 a 120 metros quadrados”, diz. O presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Paulo Muniz, confirma: “Tem apartamentos menores, mais em conta, e acabam atingindo outro público. Na Asa Sul, o metro quadrado custa R$ 16 mil. No bairro vizinho, sai por R$ 14 mil, mais ou menos”.


Quando Lucio Costa pensou Brasília, definiu que o Plano Piloto seria dividido por superquadras que teriam o conceito de unidade vizinhança. Os moradores não precisariam sair dali para nada. Teria comércio, igreja, posto de saúde, biblioteca, colégio e um espaço de cultura e lazer para a integração dos moradores. A 308 Sul foi escolhida para ser a quadra modelo e seguiu à risca o conceito do urbanista. Contudo, somente ali foi seguido o plano original.


As amigas Geralda Lima, de 90 anos, e Ivone Pinheiro, de 84, moram na SQS 308 desde 1962. Elas elogiam o conceito de Lucio Costa e afirmam que ele funciona. “Nunca precisei sair da quadra. Meus filhos estudaram aqui. Quando queríamos nos divertir, íamos ao Clube Vizinhança e, aos domingos, não faltávamos à missa”, conta Ivone.

 

Geralda destaca a liberdade que o horizonte livre sonhado por Lucio Costa proporciona. “Várias crianças se reuniam debaixo dos blocos e brincavam livremente até anoitecer. É bom que elas podiam correr, fazer o que quiser. Não tem grade, nem nada para atrapalhar a visão. Ficávamos de longe cuidando deles”, conta.


Edinho Magalhães, de 40 anos, sobrinho de Ivone, é prefeito da 308 Sul e lembra como foi a infância no Plano Piloto. “Na minha adolescência, ir para Asa Norte era uma viagem. E, quando chegávamos lá só tinha poeira e construções para todos os lados”, relata. Não à toa, durante algum tempo, brincavam com os apelidos Asa Morte e Asa Susto.


Como prefeito da quadra modelo, Edinho fala da responsabilidade e das dificuldades de manter a originalidade do que fora pensado por Lucio Costa. “Tentamos manter tudo intacto, pois a quadra faz parte até da rota turística da cidade. Mas nem sempre conseguimos. Quando fazemos uma reforma estrutural em algum bloco, não encontramos mais os mesmos materiais, aí procuramos algo parecido”, diz.

Na autobiografia Registros de uma vivência, de Lucio Costa, há um texto da filha dele, Maria Elisa Costa, que explica bem o conceito da livre circulação. “Estruturalmente, uma superquadra é um conjunto de edifícios residenciais sobre pilotis, ligados entre si pelo fato de terem um acesso comum e de ocuparem uma área delimitada. O chão é público – os moradores pertencem à quadra, mas a quadra não lhes pertence.” A abundância do verde também foi defendida pelo urbanista e posta em prática na cidade.


Na Asa Norte, as primeiras quadras a serem construídas foram a 306 e a 312. Nelas, as amizades passam de geração para geração. As donas de casa Mariângela Junior e Janice Monteiro são amigas de infância. Brincavam juntas nas décadas de 1960 e 1970 e lembram como o bairro era praticamente despovoado. “Como é tudo plano e não tinha nenhum prédio, daqui conseguíamos ver a 306. Na 311, havia um córrego onde passávamos a tarde tomando banho. Pena que o destruíram para levantar edifícios muitos anos atrás”, lamenta Janice.


Janice (esq.) e  Angela, e os filhos delas, Eduardo (esq.) e Lucas: amizade há décadas passadas de pais para filhos na 312 Norte (Fotos: Raimundo Sampaio/Encontro/D.A Press)
Janice (esq.) e Angela, e
os filhos delas, Eduardo (esq.)
e Lucas: amizade há
décadas passadas de pais
para filhos na 312 Norte
Ambas engravidaram na mesma época. Desciam com as crianças para brincar debaixo do bloco, e assim os filhos também ficaram amigos. Eduardo Monteiro, filho de Janice, nem lembra quando conheceu Lucas Costa, filho de Maria Ângela. “Somos amigos desde muito pequenos”, comenta Eduardo. Eles contam que a turma de amigos que cresceram na 312 é grande e unida até hoje. “A maioria se conhece há muito tempo.

 

Uns porque os pais eram amigos, outros porque vieram morar aqui e acabaram se integrando”, diz Lucas. E eles têm orgulho de morar em uma das primeiras quadras do Plano Piloto. “Não importa o que vamos fazer, temos somente uma certeza: tudo começa e acaba na 312”, finaliza Eduardo.


A Colina, conjunto residencial de professores da UnB, é exclusividade da Asa Norte. Um minibairro longe das superquadras. A universidade é proprietária de todos os apartamentos e os aluga para funcionários. Cenário de filmes nacionais, era um dos locais que Renato Russo e companhia se reuniam para tocar e cantar. Claudia Porto, professora de arquitetura da UnB, já morou na Asa Sul e está há oito anos na Colina. “Prefiro a Asa Norte. Principalmente a Colina. O ambiente aqui é familiar. Parece uma pequena vila”, diz.

 

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