O palco que é a cara da cidade
Levantado (literalmente) por candangos que queriam provar que a capital federal tinha produção artística pulsante, o Teatro Garagem está atualmente a todo vapor, aos 34 anos
Um teatro construído pelas mãos de dramaturgos, diretores, atores e voluntários. A partir do suor de artistas, com financiamento público e sob o olhar atento de censores e militares. O Teatro Garagem, 34 anos, foi levantado por candangos determinados a provar que a nova capital federal tinha produção artística pulsante, identidade cultural crescente e público cativo.
Em três décadas e meia, com algumas ameaças de fim, fechamentos reais e muito teatro, música, exposições de artes plásticas e fotografia, o espaço marcou a vida dos moradores e visitantes de Brasília que viviam da arte e também daqueles que a acompanhavam por opção. Adolescentes foram às festas e ouviram a música, crianças riram com os palhaços, adultos pensaram uma nova sociedade.
Frente a toda essa história, uma das personagens emblemáticas da viabilização e construção do teatro, Maria de Souza Duarte, decidiu registrar a memória do lugar em livro. Carioca, a assistente social e mestre em educação chegou à capital em 1974. Veio por conta da transferência do marido, servidor público, e manteve o trabalho que tinha no Rio de Janeiro: servidora do Serviço Social do Comércio (Sesc). Nos anos 1970 e inícios dos 80, ela coordenou o Sesc de Brasília, sede do Diretório Nacional da época, função que inclui a promoção cultural e de projetos educativos para a comunidade.
Junto com outros servidores e à comunidade artística da nova capital, conquistou o espaço do teatro. Lançada este ano pela Editora UnB e pelo Sesc, a obra, intitulada A Educação pela Arte – O Caso Garagem, trata do nascimento e amadurecimento desse que foi por vezes o único espaço da cidade aberto a qualquer expressão artística.
Soma-se ao esforço de Maria Duarte o livro Teatro Sesc Garagem, Celeiro Cultural de Brasília, um compilado de imagens da história, que inclui fotos históricas e cartazes de produções. Organizado por Hugo Rocha e lançado em parceria com o de Duarte, o livro traz em imagens as histórias do local.
Mais do que uma vivência cultural ou artística de um grupo fechado, o Teatro Garagem tornou-se a representação do que era o espírito inovador e corajoso da capital federal no início de sua história. “O compromisso que assumimos com o Garagem não foi apenas com o espaço em si, mas com toda a cidade. Foi uma experiência muito rica viver a Brasília dos anos 1970”, definiu Maria Duarte. Reaberto de forma ininterrupta desde 2002, após três anos de uma grande reforma, o teatro continua a ser o palco de produções independentes e festivais que privilegiam a cultura regional brasileira. Todas as terças-feiras são dedicadas à promoção de artistas locais. No resto dos dias, o local é ofertado a custo menor que a média para produções diversas.
Atual diretor do teatro, o brasiliense Ivaldo Gadelha conta que a possibilidade de construção de diversos layouts para a sala, que conta com palco e arquibancadas móveis, é uma das características mais elogiadas do espaço. Eventos educativos também são realizados por lá. São frequentes os cursos de capacitação em artes e outros temas. “O teatro nunca está fechado”, destaca Gadelha. Para explicar a ligação afetiva que tem com o espaço, ele revela que, quando adolescente, ajudou a construí-lo e a produzir A Capital da Esperança. Lembra ainda que assistiu à peça durante a inauguração escondido embaixo da arquibancada. Por conta da idade, menor que a mínima permitida, sua presença era proibida. “Esse lugar fez parte da história da minha geração. Mas a história não é estanque. Hoje há outro contexto, outros espaços e formas de difusão. Ainda assim, aqui está o Teatro Garagem para criar momentos de reflexão e pensamento”, conclui.