Em nova casa
Neste mês, Rogério Schietti deixa o Ministério Público para integrar a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Escolhido pela presidente Dilma em junho, será o primeiro ministro da corte com a trajetória profissional totalmente construída na capital
Schietti aguardava havia 100 dias por um veredicto do Palácio do Planalto. No páreo pelo gabinete aberto com a aposentadoria do ex-presidente do STJ César Asfor Rocha, dois outros candidatos com potencial: o procurador Mauro Henrique Renner, do Rio Grande do Sul, e o subprocurador-geral da República Francisco Xavier Pinheiro Filho. Era uma disputa difícil. Um ano antes, ele havia tentado uma vaga. Mas não entrou, por um voto, na lista tríplice eleita pelo pleno do STJ. Assim, não chegara à reta final da definição, quando a presidente da República seleciona um nome entre três escolhidos pelo STJ.
Dessa vez, a chance era de ouro. O nome dele chegou à Presidência como o primeiro colocado, com 24 dos 29 votos possíveis. Por isso, a expectativa era grande. Schietti esperou o dia todo. Para aplacar a ansiedade, o procurador foi para a cozinha. Bebericando um vinho com a mulher, a promotora de Justiça Danielle Martins Silva, preparou um risoto especial: lichia, maracujá e gorgonzola. A gastronomia é uma de suas especialidades, especialmente para relaxar.
Naquela terça-feira de junho, véspera do dia dos namorados, Schietti e Danielle aproveitavam o momento a sós. O bebê do casal, Lorenzo, de 1 ano, já dormia quando o telefone tocou. José Eduardo Cardozo comunicava que Schietti seria ministro do STJ. Prevaleceu o perfil técnico, sem máculas e respeitado pelo conhecimento em direito processual penal. O novo juiz estourou um champanhe. “Foi uma emoção enorme.”
Aos 51 anos, ele vai ajudar a formar a jurisprudência penal do país, na 6ª Turma do STJ, dedicada a ações penais. A posse está marcada para 29 de agosto. Herdará 10 mil processos relacionados a recursos contra decisões penais ou habeas corpus.
“Rogério Schietti é preparado e tem qualidades importantes para um juiz. É equilibrado, ponderado e tem uma cultura jurídica na área penal muito forte”, elogia o advogado Luiz Carlos Sigmaringa Seixas. “Ficou como primeiro colocado na lista do STJ porque tem o respeito dos ministros em razãode sua formação penal”, diz.
Além da admiração de Sigmaringa, Schietti desfruta também de um padrinho importante, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Sepúlveda Pertence, que, como ele, tem sólida formação em processo penal e virou juiz depois de passar pelo Ministério Público. Pertence foi um aliado de Schietti também em 2004, quando ele se tornou procurador-geral de Justiça do DF, nomeado pelo então presidente Lula. Derrotava, assim, um adversário interno, o promotor de Justiça Leonardo Bandarra, que, dois anos depois, o sucedeu e, mais tarde, virou alvo da Operação Caixa de Pandora.
Na gestão de Schietti, as denúncias da Pandora começaram a ser desvendadas, com a criação de uma comissão que investigou o esquema liderado pelo delegado Durval Barbosa, que, mais tarde, tornou-se delator. Na área de saúde, outra comissão de promotores investigou irregularidades com pagamentos a hospitais particulares, que hoje resultam em condenações.
“Como promotor, Rogério sempre foi uma referência e tem qualidades fundamentais que farão dele um grande juiz: independência, coragem e respeito com a coisa pública. Além disso, ele é desassombrado com o poder”, avalia o promotor Sérgio Bruno Cabral Fernandes, coordenador do Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (Ncoc), um dos responsáveis pela Operação Caixa de Pandora.
Entre os melhores amigos, está o procurador José Firmo, mentor da guinada profissional de Schietti. “Um dia, ele entrou na minha sala e disse: ‘Por que você não concorre a uma vaga no STJ?’. Eu disse que não tinha a menor chance. Mas, aos poucos, Firmo foi me convencendo”, conta Schietti. Uma das aliadas foi a atual procuradora-geral de Justiça do DF, Eunice Carvalhido, que chegou a ser cotada para um assento no Supremo Tribunal Federal (STF) e tem bom trânsito nos tribunais superiores.
Apaixonado por velocidade, tinha em casa, até pouco tempo, uma Honda Shadow. A admiração por motos começou ainda na adolescência. O sonho de todo motociclista foi realizado em 2008, quando Schietti, numa Harley Davidson, e um grupo de 35 aficionados percorreram oito estados de Chicago a Los Angeles durante 15 dias, debaixo de chuva e calor escaldante na lendária Rota 66. “Na moto, Rogério pode viver um lado dele que é muito forte, o amor pela liberdade”, conta a mulher Danielle.
Há nove anos, ela se tornou promotora de Justiça. Obstinada, Danielle estudava para ser juíza. O professor Rogério Schietti foi a inspiração para o concurso no Ministério Público do DF. “Admirava o jeito humano do Rogério de aplicar o direito penal”, diz Danielle.
Hoje, acredita que tudo na vida dele o levou indiretamente a se tornar magistrado. “Estou vivendo o melhor momento da minha vida, com serenidade. Sei do desafio que terei no STJ, mas todas as noites deito minha cabeça no travesseiro e durmo em paz”, afirma.