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A sala de aula do futuro

Por que o modelo tradicional do professor à frente de um quadro negro, repassando seu conhecimento de forma linear, está com os dias contados?

Fred Bottrel - Colunista Publicação:13/09/2013 16:16Atualização:13/09/2013 16:43

 (Ilustração: Anderson Araújo)
 

A sala de aula como conhecemos hoje é coisa do passado. O novo espaço educacional deve dialogar com as crianças e jovens tentados a descobrir (e produzir) o mundo na internet, se não quiser perder a guerra para as distrações tecnológicas e parecer tão empolgante quanto um monastério medieval.


Nesta página você vê a ilustração produzida a partir da provocação que Encontro Brasília fez a especialistas no assunto: na sala de aula do futuro, a produção do conhecimento é colaborativa; o professor tem a função de mediar o processo. “O modelo em que todos os alunos estão voltados para o professor dá a entender que essa figura concentra todo o conhecimento e todas as outras deverão absorver apenas”, indica Steven Cramer, do Departamento de Melhorias no Ensino da Universidade de Wisconsin (EUA).


Coordenadora de Mídias Educacionais da Secretaria de Educação do Distrito Federal, Eliane Carneiro está otimista: nos planos para 2014, cada aluno do ensino médio da rede estadual vai ter um tablet, com o conteúdo educacional interativo (Minervino Junior/ Encontro/ DA Press)
Coordenadora de Mídias Educacionais da
Secretaria de Educação do Distrito Federal,
Eliane Carneiro está otimista: nos planos
para 2014, cada aluno do ensino médio da rede
estadual vai ter um tablet, com o conteúdo
educacional interativo
Quando a equipe pedagógica com a qual Cramer trabalha se viu diante do ostracismo da biblioteca, radicalizou na proposta: telas por toda a sala, conectadas via wifi com tablets, celulares e notebooks de alunos e professores. O pesquisador é enfático no exemplo: “O que conhecemos hoje por sala de aula é bem parecido com uma igreja da Idade Média. Mas os tempos mudaram dramaticamente e a sala de aula também tinha de mudar”. Se no meio da exposição teórica do professor o aluno quiser mostrar uma música ou uma notícia que agregue valor à discussão, é só acessá-la pelo telefone e projetar nas telas.


As novas tecnologias aparecem, nesse contexto, como causa e consequência de mudança comportamental que já é visível no abismo tecnológico entre gerações. Para Eliane Carneiro, coordenadora de Mídias Educacionais da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF), a maior dúvida quanto ao futuro da sala de aula está nas diferenças de perfis entre discentes e docentes. “Grande parte dos professores está atrás dos alunos com relação à tecnologia. Às vezes, um professor vai dar uma informação que o aluno já sabe”, conta.


Até o fim do ano, a SEDF deve equipar todos os 5 mil professores do ensino médio com tablets que rodam o sistema Android, do Google, além de promover capacitações periódicas. No ano que vem, lousas inteligentes interativas devem chegar a 2 mil escolas da rede pública, e o projeto piloto de uma sala de aula do futuro deve ser implementado em uma das unidades. Todo o pacote tech custou R$ 7 milhões aos governos local e federal.


O professor John Booske, da Universidade de Wisconsin, inverteu o modelo de aprendizagem: aula em casa e 'dever de casa' na escola (Fred Bottrel / EM / DA Press)
O professor John Booske, da Universidade
de Wisconsin, inverteu o modelo de
aprendizagem: aula em casa e
"dever de casa" na escola
Mas o maior desafio é humano. “Temos pensado em trabalhar o professor como mediador, fomentador, e o aluno também passa a ser autor e pesquisador na busca por aquelas informações. Além de produtor, é claro – isso tem tudo a ver com o que eles já fazem nos sites colaborativos, nas mídias sociais”, pontua Eliane Carneiro. Para 2014, a ideia é que cada aluno do ensino médio que estuda na rede estadual do DF tenha seu próprio tablet, com o conteúdo educacional interativo. São cerca de 80 mil dispositivos que deverão ser adquiridos assim que a verba for aprovada no Fundo Nacional de Desenvolvimento para Educação.


O choque cultural é inevitável, na perspectiva de Maria Lucia Willemsens, diretora superintendente da Cultura Inglesa, que trocou os quadros negros (ou brancos) por lousas interativas. O equipamento, ligado ao computador, responde ao toque do professor na tela com uma caneta especial e permite tanto a escrita à mão convencional quanto o acesso à internet.


O futuro foi agora: na Cultura Inglesa há lousas interativas e os professores podem mostrar o trecho de um filme, por exemplo, dinamizando o processo de aprendizagem (Minervino Júnior / Encontro / DA Press)
O futuro foi agora: na Cultura Inglesa há lousas interativas e os professores podem mostrar o trecho de um filme, por exemplo, dinamizando o processo de aprendizagem
“O professor pode acessar o Youtube e mostrar o trecho de um filme, por exemplo, dinamizando o processo de aprendizagem e conquistando o interesse dos alunos a partir de elementos que já fazem parte do dia a dia deles”, diz. Neste semestre, a rede introduz o uso de tablets para os alunos, conectados ao conteúdo da lousa interativa.


A sala de aula conectada demanda investimentos em rede que ainda não são exemplares no Brasil. O percentual de alunos da rede pública que acessam a internet no país saltou de 24% em 2005 para 70% em 2011, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nas escolas privadas, o número vai de 82% para 96,2%.

 

Enquanto isso, dados do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação mostram que 93% das escolas brasileiras têm internet, mas na rede pública a velocidade e o número insuficiente de computadores ainda são problemas.


Em contrapartida, mesmo com a precariedade do 3G, cerca de 44% dos jovens da rede pública e 54% dos alunos de colégios particulares usam celular com internet móvel. A massacrante maioria deles passa grande parte do tempo usando as mídias sociais. “É um movimento que merece tanta atenção quanto o surgimento da internet e o advento da globalização. As mídias sociais, a sociedade em rede e os conteúdos colaborativos mudam tudo radicalmente”, explica Antonio Flavio Testa, sociólogo e antropólogo da UnB e pesquisador da Faculdade de Educação.

Bill Gates, o fundador da Microsoft, acredita que as aulas em universidades com centenas de alunos em sala de aula estão com os dias contados (Divulgação)
Bill Gates, o fundador da Microsoft, acredita que as aulas em universidades com centenas de alunos em sala de aula estão com os dias contados

Ele defende que a escola tradicional está fadada ao desaparecimento por conta da tecnologia e por causa do alto custo de manutenção do patrimônio. Projetos bem cuidados de monitoria e educação a distância podem mesmo excluir a figura física do mentor. “O contato com o professor real ainda tem esse lado humano, por enquanto é fundamental, segundo muitos pedagogos e psicólogos. No entanto, quantas pessoas são autodidatas?”


O descarte do professor de carne e osso – ao menos em etapas mais avançadas da educação, como no ensino superior – é uma das bandeiras de Bill Gates, o fundador da Microsoft, que hoje se dedica a defender causas sociais e educacionais. Em recente entrevista à CNN, ele vaticinou: “Estar lá fisicamente não acrescenta muito valor”. Na visão de Gates, as aulas em universidades com centenas de alunos em sala de aula estão com os dias contados.

'Os tempos mudaram dramaticamente e a sala de aula também tinha de mudar', diz Steven Cramer, do Departamento de Melhorias no Ensino da Universidade de Wisconsin (EUA) (Fred Bottrel / EM / DA Press)
"Os tempos mudaram dramaticamente e a sala de aula também tinha de mudar", diz Steven Cramer, do Departamento de Melhorias no Ensino da Universidade de Wisconsin (EUA)

A experiência do professor John Booske, também da Universidade de Wisconsin, mostra que as ferramentas de e-learning podem potencializar o contato. Booske inverteu o modelo de aprendizagem, trocando os lugares da sala de aula e do dever de casa: “A exposição teórica é gravada em lições de 50 minutos, às quais os alunos assistem em casa, antes de ir para aula. Na universidade, comigo ao lado, eles resolvem os exercícios, podendo tirar as dúvidas e aproveitando ao máximo nosso tempo juntos”, conclui.

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