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A vingança dos nerds

Antes tímidos e vítimas de bullying, os jovens aficionados por ficção científica, tecnologia, quadrinhos e séries de TV cresceram e apareceram. Em Brasília, eles movimentam o comércio, com bares e lojas temáticos

Cecília Garcia - Redação Publicação:30/09/2013 15:11Atualização:30/09/2013 15:20

Link, personagem principal do jogo The Legend of Zelda: bonecos de filmes e games são atrativos em lojas do segmento (Fotos: Minervino Júnior/Encontro/DA Press)
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The Legend of Zelda: bonecos de filmes
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segmento
Junte uns óculos fundo de garrafa, uma camisa bem passada e uma calça saint-tropez. Acrescente uma pitada de espinhas e falta de sociabilidade a gosto. Espere por, no mínimo, 15 anos e você terá um nerd da maior qualidade. Se essa era a receita clássica dessa genuína tribo, hoje o estereótipo está ultrapassado. Assim como a velocidade com que chegam as informações tecnológicas, que nutrem de conhecimentos esses jovens, suas características mudaram rapidamente nos últimos anos. Hoje, os nerds têm amigos, vida social e não têm mais uma vestimenta própria que os diferencie e exclua do restante da sociedade.


É o caso do oficial de chancelaria Welton Rocha. Se procurar por algum desses estereótipos nele, não vai encontrar. Mas os interesses do rapaz são de um nerd típico. Tanto que, em março de 2013, com outros dois amigos, criou e alimenta desde então o portal brasiliense Omninerdia  (www.omninerdia.com.br), voltado para assuntos que interessam a esse público. A ideia é mobilizar pessoas da cidade que têm os mesmos interesses, promovendo eventos e fornecendo muita informação relacionada a esse mundo. Uma dessas atividades aconteceu em 25 de maio. Data emblemática que celebra no mundo inteiro o Dia da Toalha, em homenagem a Douglas Adams, autor da série O Guia do Mochileiro das Galáxias. Nesse dia, o site fez um evento em parceria com alguns estabelecimentos para não deixar a data passar em branco.


Como especialista no assunto, Welton explica que o nerd é, de modo geral, alguém que se dedica com paixão a algum conteúdo. A vertente mais comum é aquele que ama ficção científica e literatura fantástica, exemplificadas com a série Jornada nas Estrelas e a trilogia O Senhor dos Anéis. Outros subtipos são os amantes de Role-Playing Game (RPG), tecnologia (geeks), cultura japonesa (otakus), séries de TV e filmes. E, para Welton, o seriado americano The Big Bang Theory ajudou muito os nerdsa assumirem sua paixão por esses assuntos. Até mesmo por seu slogan: “Nerd is the new sexy”.

Proprietária da loja Naboo Espaço Geek,Cláudia Baccile: inspiração veio 
da série Star Wars (Fotos: Minervino Júnior/Encontro/DA Press)
Proprietária da loja Naboo Espaço Geek,Cláudia Baccile: inspiração veio da série Star Wars

A cidade, além de abrigar vários jovens parecidos com Welton, comporta possibilidades de lazer e compras para eles. Geralmente, essas opções são tocadas por jovens com idades entre 20 e 30 anos, que também são, ao menos um pouco, nerds. Um exemplo disso é a loja Kingdom Comics. No mercado há 18 anos, abasteceu e ainda mune gerações de nerds com seus itens temáticos. A especialidade do comércio é “nerdwear” e, ao entrar no local, bonecos de filmes famosos, camisetas com estampas variadas e uma infinidade de quadrinhos recebem clientes novos e antigos com muitas opções para compras.


A história do local começou com a venda de camisetas de bandas como Legião Urbana e Pink Floyd, e de quadrinhos de super-heróis, como Flash e Super Homem. A venda das roupas era impulsionada pelo comércio de HQs, que não só contemplavam os personagens invencíveis, mas traziam à cidade títulos como Calvin e Haroldo e Mafalda. “O cara que é fã de verdade não se contenta com o produto original. Ele gosta de comprar acessórios relacionados àquilo que curte”, conta um dos donos, Gabriel Gonçalves Sousa.


A princípio, os itens que abasteciam a loja eram trazidos de São Paulo. Com o tempo, foram substituídos por outros, de fornecedores de outros países, como o Japão. Hoje, a loja tem fabricação própria de camisetas, bottons, canecas e mousepads. “Conhecemos o nosso cliente, sabemos os gostos e nos adequamos a isso.” A produção é modificada também com o fluxo de vendas provocadas por shows ou estreias de determinados filmes.

O publicitário Pedro César Bezerra Alves, um nerd assumido: 'Geek não é mais um cara sozinho. Só é meio reservado' (Raimundo Sampaio/Encontro/D.A Press)
O publicitário Pedro César Bezerra Alves, um nerd assumido: "Geek não é mais um cara sozinho. Só é meio reservado"

O próprio Gabriel pode ser chamado de nerd. A camiseta estampada com Ryu, personagem do jogo de videogame Street Fighter, já denuncia o fato. Ele sempre foi colecionador de quadrinhos, começando, como muitos, com a Turma da Mônica. Depois vieram outros títulos, outras áreas. Conheceu os cardgames, o Role-playing game (RPG). “Os geeks e nerds consomem de tudo. É uma grande quantidade de informação, conseguida com grande velocidade. Temos de acompanhar para não ficarmos para trás.”


Acompanhar as mudanças e novos vícios dos nerds é essencial para que um comércio desse gênero sobreviva, principalmente com a alternativa de compras pela internet. A Naboo Espaço Geek, localizada na Asa Norte, também segue à risca a ideia de conhecer melhor o consumidor. Garrafinhas, chaveiros e canecas que completam as prateleiras são todos produzidos pela dona do local, Cláudia Baccile, com a ajuda de sua mãe.


O nome da loja já é uma grande referência nerd. Naboo é o planeta da personagem do filme Star Wars Padmé Amidala, que é a mãe de Luke Skywalker. E essa alcunha ajuda a montar o mostruá
rio de produtos oferecidos. Até a linha de produtos para o Dia dos Pais foi baseada na franquia, usando o vilão Darth Vader, que é pai do mocinho, como tema. Aliás, nas datas comemorativas, ocorre a maior parte das vendas. “O Dia dos Namorados, por exemplo, me surpreendeu. A semana foi movimentada, mas no dia 12, mesmo, teve muita compra de última hora”, comenta Cláudia.


A dona da loja de paredes coloridas trabalhava numa livraria, na sessão de HQs. Com isso, ela foi se apaixonando pelos quadrinhos e se aproximando das outras áreas culturais. Depois, foi a São Paulo fazer um curso, conheceu lojas no mesmo estilo e resolveu trazer a ideia para Brasília. Aberta desde setembro do ano passado, o posto de carro-chefe fica dividido entre camisetas e canecas e a temática mais procurada é a referente a Star Wars. “A pessoa nem precisa ser nerd, mas sabe que aquele cara de preto é o Darth Vader.” Além desses, produtos de programas de TV e filmes têm boa saída, como as do seriado Doctor Who.

Carlos Moretti é gerente do pub Carcassone, voltado para o público nerd: jogos de tabuleiro, alguns bem antigos, são uma paixão (Raimundo Sampaio/Encontro/D.A Press)
Carlos Moretti é gerente do pub Carcassone, voltado para o público nerd: jogos de tabuleiro, alguns bem antigos, são uma paixão

Cláudia conta que os nerds que chegam à sua loja não são mais os “no lifes” (sem vida social). “Eles conversam, dão sugestões, fazem piadas. Não são mais aqueles que sofrem bullying. Ainda existem, é claro, aqueles mais tímidos. Mas a maioria, hoje, é mais comunicativa”, arremata.


Prova viva desse pensamento é o publicitário Pedro César Bezerra Alves. Geek com convicção e sem vergonha de assumir esse lado, o jovem adora videogame e computador, tecnologia de modo geral. Curte muito, também, jogos online, que acredita ser a grande tendência dos games. Starcraft e Diablo estão entre os títulos de que mais gosta, principalmente pela interatividade proporcionada por eles. “Geek não é mais um cara sozinho. Só é meio reservado. Mas, quando alguém puxa conversa e fala dos assuntos de que ele gosta, aí não para mais.” Para ele, existem nerds em todas as áreas. Até os tipos esportistas. “O cara que sabe tudo sobre academia, sobre suplementos, dieta, aparelhos, etc. Ele é um nerd, só que dos esportes.”


Um ponto muito importante para o geek ou o nerd em geral: buscar informação é essencial. E isso está no início da vida nerd de Pedro. Quando tinha por volta dos 11 anos, ganhou seu primeiro computador, um IBM-PC XT, que, na época, não tinha Windows, nem nada do gênero. Para usá-lo, era preciso fazer linhas de programação. “Para colocar joguinhos, era necessário buscar tutoriais, que só existiam em inglês. Essa é a veia do geek: buscar sempre informação.” Outra característica é ter um poder aquisitivo mais alto, pois ele precisa do dinheiro para poder comprar o melhor que a tecnologia pode oferecer.


Mas nem só de compras vive um nerd. Eles também se divertem e participam de eventos com muita empolgação e dedicação. Quem está bem inteirado dessa rotina de diversões são os integrantes da banda Nord Ex. O grupo toca um estilo musical chamado japanese-rock. Conhecido simplesmente como J-rock, é divulgado por aqui como a trilha sonora de animes, desenhos animados desse país do Oriente.

Banda Nord Ex, que segue o estilo japanese-rock: Thales (vocal), Kalliu (bateria), José (teclado), Gabriel (guitarra) e Estevam (baixo) adoram rock e anime (Minervino Júnior/Encontro/DA Press)
Banda Nord Ex, que segue o estilo japanese-rock: Thales (vocal), Kalliu (bateria), José (teclado), Gabriel (guitarra) e Estevam (baixo) adoram rock e anime

Os amigos Estevam Prudêncio, no baixo; Gabriel Lira, na guitarra; José de Abreu, no teclado; Thales Rodrigues, no vocal, e Kalliu Brasil, na bateria, formam a banda, que começou em 2012. O vocalista foi quem teve a ideia. Os integrantes já gostavam de anime e rock, até que Thales viu uma apresentação de uma banda desse estilo e resolveu tentar. Foi assim que os jovens montaram o grupo e passaram a fazer apresentações. Ensaiam duas vezes por semana, entre meia noite e duas da manhã, conciliando os horários com os da faculdade. Hoje, chegam a ser três shows por mês, todos remunerados.


Apesar de não se acharem viciados o suficiente em animes e mangás para serem chamados de otakus, a audiência da banda é, sim, formada por esses amantes da cultura japonesa. Para Kalliu, público que curte mesmo essas músicas em língua pouco conhecida está cada vez mais perdendo a vergonha de assumir que gosta, e muito, desse mundo animado.


Para quem não liga para estereótipos, existe um pub em Brasília que abriga todos os tipos, nerds ou não. O Carcassonne Pub, localizado na Asa Norte, é uma boa opção de lazer para as noites de quarta a domingo. Ao entrar no local, ambientado como se fosse uma taverna medieval, o cliente recebe dois cardápios. O primeiro, com opções de bebidas, como cervejas especiais e refeições completas, com entrada, prato principal, sobremesa e petiscos. A novidade está no segundo menu. Dividido em seções, é possível escolher jogos para brincar enquanto come, bebe e conversa com os amigos.

 

Desde os convencionais Jogo da Vida e Monopoly aos clássicos pega-varetas e pula-pirata. Nessa carta, tem espaço até para jogos importados, como o Carcassonne, que dá nome ao bar.
Quem acha que o álcool pode atrapalhar um pouco a compreensão das regras não precisa se preocupar. Os garçons conhecem todos os jogos e dedicam uma noite na semana para aprendê-los. A casa foi aberta em maio e o público que frequenta o local é basicamente composto por nerds. O gerente do estabelecimento, Carlos Henrique Moraes Moretti, conta que alguns clientes já chegaram ao local fantasiados. “Todo mundo que trabalha aqui gosta dos jogos. Somos todos meio nerds também”, brinca. “Não vestimos a camisa da empresa, vestimos o personagem.”

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