Sempre no altar
Há 20 anos, Maria Virgínia realiza sonhos em Brasília. Mais do que um negócio, desenhar e costurar vestidos de noivas é uma paixão para a estilista
É preciso olhar com atenção para identificar a loja. As letras em rosa-claro são discretas e timidamente apresentam a dona da confecção, que leva seu nome. Ali, as estrelas são os vestidos, as rendas, os tecidos finos importados, os bordados à mão. Por isso, Maria Virgínia não se preocupa em chamar a atenção. Confia no protagonismo dos vestidos.
Maria Virgínia Leste Valadares, de 63 anos, é a responsável por vestir centenas de noivas de Brasília há 20 anos. Desenha cerca de 470 vestidos de casamento por ano. Fora as roupas de festa. Eles podem ser feitos por encomenda ou alugados, mas são usados, no máximo, duas vezes. Depois disso, os trajes seguem para o bazar. O que sobra é doado.
O primeiro vestido de noiva desenhado pela estilista foi o dela mesma. Aos 18 anos, Maria Virgínia criou a peça bordada em pérolas, com 800 flores feitas em linha de seda. Uma touca ornamentava a cabeça. Um modista chegou a desenhar a roupa, mas ela não gostou. “Minha mãe costurava muito bem. Em Minas, tem até uma saia com nome dela: a saia Lucia Leste”, lembra.
Ela veio de Minas Gerais quando o marido, o engenheiro Clinton Valadares, se mudou para a capital a trabalho. Apesar de se declarar apaixonada por Brasília, Maria Virgínia jamais abandonou a estética da terra natal. Em uma das coleções, o corte dos vestidos lembrava dobraduras de imagens de santas mineiras, drapeados remetiam ao ciclo do ouro e, em outra coleção, um corte especial de cristal Swarovski com lapidação mineira foi usado nas peças.
Em meio a itens de época, ela só não desenha aos domingos, quando faz companhia ao neto, Bernardo, de 1 ano. Desenvolveu peças para novelas e minisséries da Globo, como a JK, que homenageava o ex-presidente, para a qual elaborou 210 vestidos.
Em Brasília, Maria Virgínia iniciou negócios com a venda de peças para festas ou dia a dia. Tornou-se sucesso entre as brasilienses apreciadoras de moda criativa e artesanal. Nos primeiros anos de loja na capital brasileira, um vazamento de água destruiu a maior parte do acervo. Máquinas queimaram e vestidos mancharam. “Até a geladeira boiava. Tive de começar tudo de novo, daí veio a ideia de costurar malha. Acrescentamos botões especiais, forrados com couro pintado, e o negócio deu uma virada”, lembra.
Maria Virgínia detestava o material e o acabamento dos vestidos exibidos na noite pelas mulheres de Brasília. “Deixavam rastro de paetês por todos os lados.”
Nessa época, ela decidiu investir no segmento de festas, depois surgiram as noivas. “Queria fazer algo diferente. Capacitei funcionários e trouxe bordadeiras. Assim, abrimos a primeira loja de alta-costura para noivas aqui. As lojas usavam cetim de estofado. Nós investimos em seda pura e pedraria”, explica.
Além de figuras conhecidas da sociedade brasiliense, noivas de países como Rússia e Portugal procuram Maria Virgínia. “Elas chegam a mim por meio de pesquisas na internet ou de ouvir falar. É engraçado, mas enquanto muitas noivas brasilienses acham o máximo comprar vestido no exterior, estrangeiras vêm aqui para escolher o modelo perfeito”, diz. Virgínia critica o acabamento dos trajes oferecidos fora daqui: “Não estou falando de alta-costura, de nomes respeitados, mas dos vestidos chineses, com rendas sintéticas, que as brasilienses trazem de fora”.
Ela, entretanto, compra boa parte de seus tecidos e rendas no exterior. “O custo no Brasil não deixa outra opção. Além disso, as principais produções de renda brasileira fecharam as portas”, explica. A estilista é associada a fábricas que vendem tecidos feitos especialmente para marcas como Alexander McQueen. “Recebo o material e crio modelos que ninguém vai achar em outro lugar”, afirma. Certa vez, Virgínia negociou direto com os produtores o excedente de uma renda feita para o estilista Valentino. O exemplar costurado com esse material ficou no acervo da loja, como raridade. Um vestido de festa feito com tecido elaborado para Alexander McQueen pode ser comprado na Maria Virgínia por, em média, R$ 5 mil. A estilista não veste apenas noivas, mas também familiares, madrinhas e convidadas.
A história da loja se mistura à de famílias brasilienses. As três filhas de Fausta Rezende de Freitas optaram por modelos de Maria Virgínia para o casamento. Escolheram juntas cada vestido nas salas de prova. O primeiro contato com Maria Virgínia foi em 2003, quando a mais velha, Ana Carolina, comprou um longo da estilista para a formatura. “Desenvolvi uma relação emocional com Maria Virgínia. Muitas emoções acontecem nos quartinhos de prova. Na época da formatura, brinquei dizendo que, quando me casasse, ia querer um vestido feito por ela”, lembra Ana.
A primeira a se casar, em 2010, foi a irmã do meio, Camila. “Gosto muito dos tecidos usados por ela e, principalmente, da modelagem. Minhas irmãs, eu e minha mãe somos muito unidas e esses momentos antes dos casamentos ficaram marcados”, diz. Quando decidiu casar-se, no ano passado, Ana Carolina também procurou a loja. “A prova do vestido é um momento marcante. Virgínia fez parte disso tudo. Ela trouxe um modelo e disse: ‘Acho que você vai gostar desse vestido’. Foi exatamente aquele que escolhi.”
A próxima a subir ao altar será Fernanda, a mais nova entre as irmãs. A cerimônia será em abril de 2014, mas ela já reservou o modelo. “O maior talento da Maria Virgínia é conseguir transmitir a personalidade das pessoas no vestido.Ela tem um toque de simplicidade e um toque de glamour, sem exagero”, avalia.Maria Virgínia não costuma ir aos casamentos das clientes, mas está representada em cada uma das celebrações de amor que ajuda a concretizar.