Quase família
Em sólidas empresas brasilienses, o segredo do sucesso não envolve apenas a satisfação da clientela e o lucro. Os vínculos estreitos entre patrões e empregados fazem a diferença
O convívio não é de dois, seis, 12 meses. O relacionamento também não soma só pontos positivos, mas os desafios serviram para solidificar uma história duradoura. Por trás de negócios já consolidados da capital, há o exemplo de funcionários que são referência para os demais. Passada uma década ou mais de colaboração, eles dividem momentos familiares com os seus chefes e transmitem o cuidado e o carinho pelos lugares onde trabalham.
Uma dessas histórias começa com uma vinda do Rio de Janeiro e uma vaga de babá. Quando Ivone Vieira, hoje com 66 anos, chegou a Brasília, a ideia era trabalhar em uma casa de família. O que ela e o casal de patrões, pais de quatro filhos, não esperavam é que a relação, que já dura 29 anos, se transformaria em um laço tão forte. “Ela é nossa segunda mãe”, garante Raíssa Araújo, uma das irmãs que recebeu – e garante que continua a receber – os cuidados da ex-funcionária. “Minha mãe até brinca: ‘A Ivone mima demais os meninos’”, conta, sem conseguir disfarçar o carinho no sorriso. O convívio se estreitou tanto que a aposentadoria chegou e a ex-babá continuou com a família. Aliás, na família. Mesmo depois de encerrados os vínculos empregatícios, ela permaneceu na casa em que desenvolveu sua carreira profissional, além de ter recebido o título de “vovó Ivone”, pela segunda geração que viu nascer na família da designer de interiores Maria Tereza.
No La Bocca, há 19 anos, o lema que rege a parceria entre empregados e empregadores é dar oportunidade, acompanhar o trabalho de perto e participar do desenvolvimento das funções. Os itens são apontados por Danila Levoni, empresária que, ao lado do marido, é responsável também pelos negócios da franquia do Amor aos Pedaços, no Park Shopping. Com um quadro de funcionários formado, em grande parte, por pessoas que acompanham o crescimento do restaurante desde o início, em 1994, a proprietária destaca o ponto de partida: “O básico é você acreditar neles”.
Na Pioneira da Borracha, há quase 55 anos, impera a simplicidade de poder procurar o chefe a qualquer momento. Cumprimentar todos os dias os funcionários no início do expediente é hábito de Eli Walter Couto. “Não parece nem que ele é o dono da loja. É como qualquer outro funcionário”, garante Valdimir da Rocha, auxiliar financeiro na casa há 20 anos. Além do tratamento próximo, a disponibilidade, de ambas as partes, aparece na base que sustenta o sucesso da empresa. “Assim como ele recorre a nós, também procuramos por ele.” A explicação é de Francisco Fontenele, atual gerente da loja matriz, na 511 Sul. Ao todo, o “funcionário de confiança”, como o comerciante o define, já soma 27 anos de Pioneira. Motivo de orgulho para o chefe toda vez que alguém de fora o visita na loja.
A expressão de vestir a camisa da empresa veio em sentido literal e figurado há 18 anos para Celma Fonseca. Atual gerente da marca de roupas brasiliense Avanzzo, na loja do Brasília Shopping, ela decidiu se dedicar integralmente à empresa que a acolheu quando veio do interior de Minas Gerais. O empenho transparece no dia a dia. Celma assume que não tem horário para ir embora. Para André Naegele, dono da loja ao lado da esposa, Daniella, os 24 anos bem-sucedidos da Avanzzo são reflexo dos vínculos profissionais consolidados. “Isso humaniza as relações, gera confiança e a certeza de podermos contar sempre um com o outro”, acredita.
O empresário destaca que o mérito de construir uma carreira sólida e crescer em uma empresa depende muito mais do empregado do que do empregador. “As conquistas da Celma não aconteceram da noite para o dia”, lembra. “Houve muita determinação, evolução constante, prazer no que faz, prudência financeira e admiração mútua.” Para a ex-vendedora e atual funcionária modelo, seu empenho tem troco: “Quando a gente precisa, eu sei que tem um retorno”.
O jeito de Jorge, que acompanhava tudo tão de perto, é lembrado a todo tempo como os pontos marcantes do fundador do Feitiço Mineiro. “Ele não podia ver ninguém com problema que queria ajudar”, lembra Mauro Calixhman, diretor-geral do Grupo Ferreira e ainda hoje estupefato com a grandeza do amigo pessoal, com quem pôde trabalhar, diariamente, nos últimos 10 anos. Tal característica virou receita certa para o sucesso do Grupo Ferreira, que congrega 12 casas. “O que fica é o conceito do que ele era.” Para um dos maiores orgulhos do Grupo, Geraldo, a lição mais importante foi aprendida: “Nós formamos uma família. E não deixa de ser”.