Cada um no seu ritmo
Na modalidade que agora ganha os parques de Brasília, tarefas básicas do cotidiano são inspiração para o treino - não há desculpa para ficar sem perder peso e ganhar músculos
O sol do horário de verão ainda não tinhs dado as caras quando o personal trainer Doggi Imbroisi começou a carregar o carro com pneus, pesos, cordas e outros instrumentos para o treino daquela manhã de sábado. Quem passou pelo Bosque do Sudoeste um pouco mais tarde ficou cansado só de olhar a turma se esforçando em circuitos de exercícios: a galera treina descalça, com os pés na areia, puxando pneu, pulando corda, saltando obstáculos, fazendo flexões, abdominais e levantando pesos e bolas. O chamado treinamento funcional, cujas origens remontam à preparação de atletas gregos e romanos, ganha os parques de Brasília, arregimentando adeptos do exercício físico intenso, sem perder de vista a vitamina D – aquela que só o sol é capaz de sintetizar para nós.
Se o tempo estiver nublado, como no sábado em que a reportagem acompanhou o suor dos alunos de Imbroisi, o pessoal faz até um muxoxo. Com o polar em mãos, ao final do treino de 50 minutos, o administrador Cassio Mendonça explica: “Hoje queimei 550 calorias, porque não tinha sol na cabeça. Em média, são 880 calorias, mas nos dias mais quentes e secos já registrei aqui 1.024 calorias”. “Se chover, choveu, guardamos celulares ali debaixo do banquinho para não molhar e voltamos para o treino”, ameaçava o professor.
Cronômetro na mão, apito na boca, comandos militares – embora gentis, na medida do possível: Imbroisi direciona os alunos, que se revezam no circuito reelaborado a cada treino. “Todos passam pelas mesmas estações, mas, como os alunos têm históricos diferentes, cada um dá conta de determinado ritmo. Eles passam 30 segundos em cada estação e vão até seus limites”, detalha.
Cassio, por exemplo, conseguia puxar o pneu (com peso de 18 quilos dentro) por toda a extensão da caixa de areia. A mulher dele, Didiany Mendonça, vencia 60% do trajeto ao fim dos 30 segundos (sem o pesinho). O pneu, com o atrito da areia, pesa mais de 100 quilos, estima o professor.
“Não tem aquela coisa maçante de academia. A cada dia o treino muda e isso faz toda a diferença”, destaca a administradora Vivien Marques. A autossuperação é ponto forte para Waneska Diniz: “No primeiro dia, pensei que não fosse dar conta. Tenho um problema no joelho, mas a areia ajuda a absorver os impactos. Cheguei hoje ao treino com uma dorzinha e saio sem dor nenhuma”, conta. Em algumas estações do circuito, ela recebe atenção especial do professor para evitar desgaste.
Os quatro andares de escada do prédio em que mora no Cruzeiro Novo deixaram de ser problema para Walkiria Moura, operadora de telemarketing, quando ela começou a encarar o treinamento funcional semanalmente, há um mês: “O treino nos fortalece para dar coragem para as coisas do dia a dia”. As tarefas básicas do cotidiano foram justamente a inspiração para o treino, sistematizado pelo americano Paul Chek, a partir de movimentos fundamentais do homem primitivo, como agachar, avançar, abaixar, puxar, empurrar, levantar e girar. Ele fundou um centro de treinamento para a prática em 1995 e hoje é celebridade palestrante mundo afora.
Para quem pensa que só devem procurar o funcional aqueles dispostos a perder peso, a personal Luiza Paranhos garante que não é bem assim. “Os exercícios trabalham sistema aeróbico e anaeróbico. Temos estações com resistência e essa parte cardiovascular. Consegue-se perder gordura corporal e ganhar massa muscular, tão importante quanto”, diz.
Adepto do surfe, o relações públicas Franklin Moreno de Queiroz usa o treinamento funcional como preparação para as ondas. Quando a prática virou febre mundial em academias, a inspiração era justamente os atletas americanos, que desenvolviam o treino com foco nas modalidades específicas. Nadadores, tenistas, jogadores de basquete aderiram.
Para trabalhos assim, o professor Luiz Nogueira, criador do Centro de Treinamento Físico Consciência Corporal, até vê com bons olhos as iniciativas de levar o funcional de vez em quando para parques, mas defende a prática continuada entre quatro paredes: “Na academia, temos todo um aparato que é mais completo, mais respaldado tecnicamente, já consolidado, com know-how certificado sobre o treinamento. Sem falar na segurança e no conforto”. O próprio Nogueira descobriu o treinamento como salvação para dores na coluna: “Fui atleta de vários esportes e sempre tive esse problema, com meus 1,95 m, sempre busquei o que houvesse de melhor para fortalecer a coluna e diminuir as dores”.
“Dor? Nenhuma, é tudo maravilhoso”, derrete-se a aposentada Dulcirley Ribeiro Borges, que, depois de tentar dança de salão, alongamento “e o que mais imaginar”, agora não larga mais o treinamento funcional. “Se fico uma semana sem fazer, já engordo. Atividade física é fundamental para nos deixar alegres. E você veja que eu sou mesmo. E falante. Falo pelos cotovelos.