Moda de quatro patas
Shih-tzu, buldogue-francês e spitz- alemão estão entre as raças de cães preferidas atualmente, desbancando poodle, yorkshire e pastor-alemão, que fizeram grande sucesso em décadas passadas
Os porteiros dos blocos de Brasília lembram bem. Lá pelas 8h da manhã, na década de 1980, as ruas do Plano Piloto se enchiam de pessoas passeando com seus poodles, cockers spaniels ou pinschers. Trinta anos depois, a probabilidade de você esbarrar com um exemplar dessas raças na rua é bem menor. Essas raças deram lugar para os queridinhos do momento: shih-tzu, yorkshire, lhasa apso e buldogue-francês. A mesma matemática se aplica nas ruas onde as casas tinham quintais amplos. Os carteiros de décadas atrás costumavam ser hostilizados por pastores-alemães, dobermanns, filas-brasileiros e boxers. Hoje, quem entrega cartas nem se preocupa mais com essas belas feras. Latindo entre as grades dos portões, estão golden retrievers, mastifes, buldogues e rottweilers.
A questão é que, assim como quase tudo na vida, o mercado de venda de cães de raça também sofre alterações ditadas pelos modismos. A influência, porém, não é meramente estética. A qualidade do convívio pesa na hora de tornar um cãozinho um hit do momento. Vide o caso do pequinês. Febre nos anos 1970, esse agitado e destemido cão de companhia, hoje, é simplesmente uma raridade. A alegação para o desaparecimento do pequinês era de que, apesar de pequeno e limpo, o temperamento do cão não era ideal para o convívio em apartamentos, e sua fama deu lugar a outros peludos, como o poodle, que se tornou um dos cães mais comprados de todo o país nos anos 1980.
O ideal, segundo a criadora, é que se escolham sempre bons exemplares da raça para formar novas ninhadas. Ou seja, cães que estejam dentro dos padrões estéticos e físicos, mas, principalmente, com bom temperamento. “É normal que o boom de cada raça seja seguido por uma queda brusca. A raça começa a perder as características que a fizeram ganhar fama. Por isso, é preciso procurar canis sérios”, indica. Rose fica de olho nos modismos e tenta antecipar tendências. O spitz alemão, por exemplo, é a nova aquisição de seu canil. “Ele está se tornando o queridinho. É um cachorro limpo, pequeno, bonito e carinhoso”, diz. O spitz já figura no sétimo lugar da lista dos cães mais vendidos do país.
“Eu sempre gostei de cachorro grande, mas quando a Angel (yorkshire terrier) entrou para a nossa família mudei de opinião. Ela é um doce, conquistou a família toda. Ela não dá muito trabalho e pode ficar dentro de casa numa boa. Já vi gente que fala que o yorkshire é agitado, mas temos vários e todos são calmos e educados. É preciso escolher bem o filhote, o canil e educar direito. Se levar tudo isso em consideração, o yorkshire se torna o cão de melhor convívio em apartamento”, opina o funcionário público Nelson Ivan Mesquita, criador da raça.
Das telas para os quintais
Nos anos 1960, após se popularizar em séries de televisão e filmes, o pastor-alemão era o sonho de consumo de quem queria um companheiro de grande porte. A raça se tornou um fenômeno de vendas no Brasil e no mundo. Por décadas, ele era figurinha certa em toda e qualquer rua, protegendo casas ou acompanhando bombeiros e policiais. Hoje, mesmo ainda sendo considerado um dos melhores cães de guarda e companhia, o pastor resiste apenas entre os apaixonados pela raça. Se, há 40 anos, existiam centenas de pessoas abrindo canis de pastores, hoje, em Brasília, são apenas dois criadores reconhecidos pelo Kennel Club local.
Wilson Júnior, que cria pastores há três gerações, conta que o encantamento com a raça foi justamente a partir do cinema. “Eu vi aquele cachorro nos filmes e não conseguia tirá-lo da cabeça. Tive o meu primeiro nos anos 1970 e não tem como não se apaixonar. O pastor é um cachorro com todas as características positivas possíveis. É inteligente, companheiro, fiel, corajoso. Meu pastor guarda a minha casa, é bravo, mas, com minha família, é como uma criança. Tem porte, beleza. Por mais que não esteja entre os mais vendidos atualmente, o pastor é um cão que não sai de moda”, afirma, ao lado de Duke, seu amigo inseparável de caminhadas e aventuras. O pastor-alemão, atualmente, é o 96º cão mais registrado do país. Quem ocupou seus holofotes na categoria cães de grande porte no top 10 do ranking são o golden retriever e o rotweiller.
Diferentemente do pastor, outros cães de grande porte viram seus dias de fama desaparecer após séries de boatos. O dobermann é um exemplo clássico. Conhecido por sua fidelidade e carinho para com seus donos, teve sua reputação questionada após a circulação de uma errônea lenda urbana. Os boatos afirmavam que sua cabeça seria pequena demais para comportar seu cérebro e que, por isso, teria acessos de dor de cabeça, o que o levaria a atacar o próprio dono. Aos poucos, a raça foi perdendo espaço no mercado. O fila-brasileiro sofreu com fofocas parecidas e ambas as raças, hoje, só interessam àqueles que realmente entendem de cinofilia e os admiram.
A criadora Débora Schmidt, do canil Flor do Cerrado, começou a sua criação de olho nesse filão do mercado. “Está cada vez maior a procura pelo buldogue-francês. Às vezes, a pessoa mora em apartamento, mas não está muito afim de comprar um cachorro pequeno com aquele aspecto perfeito, frágil. Aí opta pelo buldogue. Mas ele não é um cão que se adapta 100% com qualquer família. É preciso ter autoridade e adestrá-lo, pois ele é agitado, carente e, se você não der atenção, pode se tornar um pequeno destruidor de coisas. Mas, criando bem, ele é um supercompanheiro. Muito dedicado ao dono e adaptável”, garante.