Riqueza ameaçada
Antigos casarões e monumentos de Planaltina resistem à intimidação do tempo devido ao esforço de alguns moradores para preservar a cidade
Tantos anos depois, a cidade, que completa 155 anos em 2014 e ainda tem ares interioranos, resiste ao tempo e ao descaso dos governantes para se manter de pé. Não a cidade grande, com sérios problemas de invasões e de violência, mas a dos antigos casarões e monumentos que resistem devido ao esforço de alguns moradores em preservar a cidade que guarda a história de Brasília, ainda desconhecida por muitos moradores da capital.
Um passeio pelo Setor Tradicional de Planaltina rende ao visitante informações e detalhes históricos sobre a região. Desde os primeiros habitantes até a chegada da Missão Cruls para demarcar a área da capital, passando pela colocação da pedra fundamental – marco inicial da transferência da capital para a região.
É certo que faltam à região estrutura para os turistas e guias com explicações sobre cada uma das estruturas, mas com a boa vontade dos moradores, já é possível perceber a importância de Planaltina para Brasília.
Depois de muito brigar, a população conseguiu a reforma da Igreja de São Sebastião, no Setor Tradicional, construída no século 19. As rachaduras na parede demonstravam o abandono e o descaso com a construção em adobe, cujo principal material é o barro. A reforma ficou pronta em outubro. A presidente da Associação dos Amigos do Centro Histórico de Planaltina, Simone dos Santos Macedo, comemora a vitória, sem, contudo, deixar de fazer críticas à forma como o trabalho foi feito. “Apesar das pendências, foi a nossa maior conquista. Eles (governo) inauguraram a obra, mas o acervo ainda não voltou para cá”, reclama.
A igreja de São Sebastião e o Museu Histórico e Artístico de Planaltina são os dois prédios tombados pela Secretaria de Cultura. Sem uma regra para outras construções, a área antiga da cidade sofre um acelerado processo de descaracterização. As paredes de adobe dão lugar ao tijolo e ao cimento. As fachadas perdem as características coloniais aos poucos. As casas que resistem no formato original sofrem com a ação do tempo.
Prédios tão importantes como a antiga prefeitura e o casarão da Dona Negrinha, uma casa amarela que está com as portas fechadas há anos, desde que a moradora morreu e os filhos deixaram a região, também carecem de atenção do governo. “Precisamos de incentivos como Paracatu (MG) e Pirenópolis (GO) tiveram para ser o que são hoje. O Estado vem com uma política de registrar, mas o que vem depois? O patrimônio precisa de nós para se manter vivo, precisa da comunidade dentro dele, parece que o adobe interage com as pessoas”, completa.
Apesar de todo o tesouro erguido em Planaltina, não há programa de guia na região. A Secretaria de Cultura do DF justifica que isso é de responsabilidade dos donos do patrimônio. Ao poder público, fica a função de garantir que a estrutura original não se perca. Em caso de reformas, mudanças ou restaurações nos pontos históricos, é a pasta que analisa os projetos, emite parecer e acompanha o andamento dos procedimentos.
Para quem ainda não conhece, é possível fazer um rápido roteiro pelos principais pontos históricos. Além dos antigos casarões, outros monumentos da cidade merecem destaque. Foi nos domínios de Planaltina que a Missão Cruls, liderada pelo belga Luiz Cruls, se fixou para estudar a região e demarcar a área onde seria erguida a futura capital do país. Foi lá também que, em 1922, foi colocada a pedra fundamental, que marcou o início da mudança da capital.
O morro da Capelinha é um espetáculo natural à parte. Lá, todos os anos, centenas de atores encenam a morte e ressurreição de Jesus Cristo no feriado da Semana Santa, festa que já faz parte do calendário oficial da cidade.
O patrimônio imaterial da cidade é outro aspecto que chama a atenção na cidade centenária e exala religiosidade. Planaltina recebe, todos os anos, milhares de fiéis durante as manifestações religiosas. Tanto que a folia de reis, realizada entre 1º e 6 de janeiro de cada ano, foi considerada patrimônio imaterial de Brasília. A região tem ainda o Vale do Amanhecer, reduto espiritual que abriga a doutrina da sergipana Neiva Chavez Zelaya, mais conhecida como Tia Neiva.
Já a casa onde hoje funciona o Museu Histórico e Artístico de Planaltina foi construída no início do século XX. Não se sabe ao certo quem foi o morador, mas o local conserva alguns objetos da época, como a cadeira de um dentista. Sabe-se, no entanto, que a estrutura serviu de moradia até 1973, quando foi desapropriada. O GDF tombou a construção em 1987. O local recebe visitas de estudantes de escolas da cidade, mas ainda não conta com guias especializados nem descrição completa do acervo.