Chef em domicílio
A alta gastronomia da capital não se restringe às cozinhas dos grandes restaurantes. Há quem a pratique em casa, entre amigos e apreciadores de uma bela mesa
Todo domingo, a família Santiago faz tudo sempre igual. A mãe Ivone comanda a cozinha. Uma receita sempre diferente. A ordem é inovar. A sobremesa fica por conta da filha caçula Ariadne, enquanto os pratos salgados ganham o auxílio de Ariana, a mais velha. “O Silas, meu marido, é o diretor de logística: tudo o que precisamos, não importa quão difícil seja, ele providencia”, conta Ivone, sempre animada quando o assunto é gastronomia.
Na sala do apartamento, amigos convidados aguardam. Para acalmar os ansiosos ânimos, o disco de Norah Jones reina absoluto, impreterivelmente. Logo, o prato principal será servido. E, no que depender de Ariadne, não estamos falando (ainda) de comida: “Nossa mesa nem existiria se não fossem todos os elementos que a rodeiam, e lhe dão vida. Por isso, diria que o que não pode faltar são as pessoas que nela se sentam”.
O encontro simboliza uma prática cada vez mais frequente: a alta gastronomia exercida na informalidade dos lares, nos quintais de casa e nas cozinhas de apartamentos. A família Santiago prepara elaborados pratos, dignos dos melhores restaurantes da cidade, com direito a criativas entradas e doces que sequer podem ser encontrados por aqui.
A habilidade com os doces não é por acaso. O gosto pela gastronomia levou Ariadne a fazer um curso de pâtisserie em Paris, em 2013, a exemplo da mãe, que já se aventurou por algumas oficinas ao redor do mundo: “Participei de algumas aulas do restaurante Lenôtre, do chef Alain Ducasse, em Paris; e no restaurante Moiras Encantadas, que fica na cidade de Albufeira, em Portugal. No Brasil, frequentei a confraria da chef Alice Mesquita”, lista Ivone. Engana-se quem imagina que ela recorre somente a ambientes requintados. “Adoro comer em lugares simples. Procuro sempre conhecer os ingredientes e os segredos da culinária típica. Visito feiras de rua, frutarias e mercados gourmet”, comenta.
Mas há quem faça um caminho diferente. Carolina Stecher largou justamente o ofício da escrita quando preferiu deixar o jornalismo para se entregar integralmente à gastronomia. A recém-formada chef de cozinha hoje cuida dos doces de um concorrido restaurante na Asa Sul, mas não consegue abandonar uma antiga prática: cozinhar em casa para os amigos. “Faço pequenas reuniões e cozinho na casa dos outros também”, acrescenta. Para se aperfeiçoar, Carolina encarou alguns cursos: “Fui para o Senac fazer aulas de confeitaria, do básico ao avançado”. Depois da carreira anterior virar história e a gastronomia tomar as rédeas, ela ainda insistiu na qualificação pessoal. “Resolvi fazer o curso superior da área, com o objetivo de me profissionalizar”, lembra. Missão cumprida e amigos bem satisfeitos.
Enquanto as delícias feitas por Carolina são regalias de um círculo de privilegiados convidados, a mãe Tina Nasser e a filha Marcella Pinho resolveram compartilhar (e comercializar) o gosto por doces. Assim nasceu o Ateliê Mãe e Filha, de onde saem brigadeiros, cookies e disputados bolos (reza a lenda que são os preferidos da alta sociedade brasiliense).
“A paixão pela cozinha veio pela Marcella. Eu cuidei do negócio promissor”, conta Tina, ao recordar o início dos trabalhos. Na história que elas contam no blog, consta bem simples: “Nasceu numa dessas noites de muita risada e comilança em família, mais precisamente entre eu e minha filha”. A partir daí, ficou mais fácil chegar às guloseimas com sabor “da panela da vovó”, como atesta a própria Tina. Mal sabiam que o negócio se revelaria tão frutífero.
O mercado já rendeu algumas boas lições a Tina: “A boa gastronomia pode vir de uma simples cozinha, o segredo está nas mãos e no paladar de quem a prepara. Cozinhar é uma arte e deve ser realizada com muito amor e dedicação, pois faz toda diferença”, destaca.
Com quase dez anos de profissão, o experiente chef e professor Alexandre Vargas consegue pensar em algumas razões para os brasilienses buscarem, cada vez mais, modalidades alternativas na hora de experimentar novos prazeres da mesa. “O perfil do consumidor de gastronomia de Brasília mudou muito nos últimos anos. Ele está prestando mais atenção no custo/benefício de sair de casa para ir a um restaurante e ter chance de ser mal atendido – o que, infelizmente, na nossa cidade, é uma realidade frequente – e ainda ficar insatisfeito com a comida”, argumenta.
Alguns desses consumidores passaram a abrir a cozinha para chefs profissionais (como Alexandre) e, assim, garantir uma experiência gastronômica de alto nível e sem surpresas desagradáveis. Inclusive, as surpresas passam a ser, nesses casos, um “privilégio” exclusivo dos chefs. Alexandre sabe bem disso. “O grande desafio de fazer jantares na casa dos clientes é trabalhar na cozinha alheia. Se você não for preparado, pode encontrar situações bem complicadas, por exemplo, ter apenas uma panela, uma frigideira e um fogão, com apenas uma boca funcionando, em uma cozinha de 30 m²”, relata, aos risos. Com direito a outra sutil diferença: nada de reclamar.