Criadores de elite
Grandes pecuaristas de Brasília contam os caminhos que percorreram - e percorrem - para ter um rebanho de ponta, com ganho genético de alto nível e produtividade de destaque no cenário nacional
Um ditado é certo entre os criadores de gado bem-sucedidos: “Para se chegar a bons resultados, é preciso três Rs – raça, ração e relacionamento”. Se levado ao pé da letra, pode parecer simples demais, até ingênuo, mas foi conhecendo de perto fazendas-modelo na região do Distrito Federal que Encontro Brasília pôde entender a complexidade (e a veracidade) de tal aforismo.
Quando fala em raça, o presidente da Associação de Criadores de Nelore de Brasília (Brasnel), Henrian Gonçalves Barbosa, não tem dúvida de que a evolução da pecuária já é uma realidade por aqui. Na Chácara Carnnel, em Sobradinho, ele e o sócio Renato Cavalheiro acreditam que o melhoramento genético, conquistado com anos de investimento em tecnologias como transferência de embriões (TE) e fertilização in vitro (FIV), resultou em um gado de elite cujas crias são, muitas vezes, melhores que os progenitores.
Hoje, o Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina e muita gente acredita que o resultado reflete uma vocação natural do país, já que temos um sistema de produção bastante competitivo, com grandes pastagens e abundante oferta de grãos – o que garante a suplementação na época de seca e confere à carne brasileira um caráter de produção mais natural. Renato Cavalheiro explica, no entanto, que o espaço físico está cada vez mais caro e difícil aos fazendeiros. “Então, em uma área menor, você precisa ter um resultado melhor. E a tecnologia nos serve é aí, pois conseguimos um ótimo aproveitamento.”
E é no R de relacionamento que os gastos na Carnnel dão o maior retorno. De acordo com Henrian, eventos como a Expoinel e a Expozebu, em Uberada (MG), dos quais eles participam todos os anos, são uma vitrine do que é conquistado no campo. Nos leilões, ele e Renato comprovam que os investimentos valem a pena, já que, por terem animais campeões nacionais, o rebanho todo se valoriza e hoje eles têm crias com preço de mercado de R$ 100 mil a R$ 1 milhão. “Mas tem de participar, tornar-se conhecido e saber os momentos certos do mercado. Conseguir diferenciar quando o produto é bom e quando só está na moda. Porque a pecuária tem muito modismo, como em qualquer negócio.”
Mesmo fora do mercado das grandes cifras, já que a pecuária dele é atualmente voltada para a fase final – a venda de animais para o abate –, Wilfrido diz que não quer mais “holofote” porque já tem um gado de altíssimo nível. Resultado de investimentos pesados, como um embrião de R$ 98 mil que comprou quando decidiu ter um rebanho de ponta. Desde então, foram conquistadas a base do rebanho e a tranquilidade do criador. Hoje ele faz dois turnos de confinamento por ano e seus bois ganham, em média, seis arrobas em 70 dias.
A médio prazo, o plano é fazer cada confinamento com mil animais. Para isso, Wilfrido investe também em angus: “São bons touros para fazer animais cruzados. Com eles, eu busco a rusticidade do nelore e a precocidade e a qualidade de carne do angus. O animal tem dado um bom resultado.” Consciente de ter “acertado”, o criador frequentemente torna-se anfitrião de delegações estrangeiras, que têm ido às suas fazendas conhecer um exemplo de agronegócio brasileiro. “Eu penso macro, este é o futuro do país. O dia em que um presidente da República valorizar o homem do campo de verdade, a economia muda em seis meses”, diz.
Uma forma de tentar responder a essa demanda foi anunciada no início do mês passado, com o Plano Mais Pecuária, lançado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. “Tudo que for para modernizar a pecuária é bem-vindo. Mas há pontos controversos no projeto, estamos discutindo as propostas com entidades de classe. A coisa está amadurecendo ainda”, resumiu Antenor de Amorim Nogueira, presidente da Câmara de Carne Bovina da pasta.
A maioria das metas do Plano, que é dividido em quatro eixos, é programada para os próximos 10 anos. Nesse período, o programa Mais Carne, por exemplo, pretende aumentar a produtividade bovina em 100%, passando de 1,3 bovino por hectare para 2,6 bovinos por hectare. Ao dobrar essa lotação, o país poderá produzir 13,6 milhões de toneladas de carne em uma área de 113,8 milhões de hectares. Além disso, o governo tem a meta de disponibilizar, até 2023, cerca de 252 mil touros reprodutores por ano e permitir que a oferta de sêmen de gado leiteiro nacional cresça pelo menos 50%.
Não é comum chamar fazendas de grupo, ou empresa, mas nesse caso abre-se uma exceção. Para entender o tamanho do negócio, é preciso deixar a imaginação correr solta, pois são terras a perder de vista: no total de sete fazendas (Esplanada I, II, III etc.), há 16,5 mil hectares. Cerca de 3 mil hectares plantados de soja, milho e sorgo. Além de mais de 12 mil cabeças de gado. Outro ponto forte da Esplanada são as aves – a produção passa de 2,5 milhões de frango por ano e 20 milhões de ovos.
Não por acaso, a Esplanada é uma das poucas fazendas que ainda faz leilão de gado anualmente, há 17 edições. Outros criadores costumam se programar para o evento, que em 2014 acontecerá em 20 de setembro. “Vendemos cerca de 50 touros e de 10 a 20 fêmeas, todos selecionados. No leilão, podemos apresentar o que o José Luis chama de ‘tecnologia Esplanada’”, conta Alex Coutinho.
Conhecedor do gado da região, o veterinário Maurício Peixer, um dos sócios da Bio Biotecnologia Animal, explica que a qualidade do rebanho do DF se deve basicamente à “popularização” da fertilização in vitro, que é muito usada por José Luis: “A FIV permite aumentar em grande escala o número de embriões
Maurício conta que, quando saiu da faculdade, a tecnologia do momento era inseminação artificial. “Depois, veio a transferência de embrião, a fertilização in vitro, a clonagem e, agora, a célula-tronco. E sei que técnicas novas ainda vão surgir”, adianta o especialista.
Em Brasília, há duas unidades da Embrapa realizando pesquisas para o avanço das técnicas de produção de embriões in vitro. De acordo com Carlos Frederico Martins, responsável pelo Centro de Transferência de Tecnologias de Raças Zebuínas Leiteiras da Embrapa Cerrados, onde são feitas pesquisas de bovinos das raças gir leiteiro, sindi e guzerá, os estudos buscam a seleção de animais que produzam mais leite em condições tropicais. Atualmente, a FIV e a clonagem estão no foco, mesmo que esta última seja ainda pouco comercializada, principalmente por ser cara aos produtores. “A clonagem é uma tecnologia em crescimento no país. Já temos mais de 150 animais nascidos no Brasil e existem pelo menos três grandes laboratórios vendendo o procedimento”, conta Carlos Frederico.
Na região onde grandes criadores fizeram nome, como Joaquim Roriz e Gil Pereira, um pecuarista se destaca pela vivacidade com que cuida do rebanho, aos 82 anos de idade. Elson Cascão poderia ter continuado como empresário do setor de combustíveis (como a maioria dos fazendeiros de Brasília, ele tem outra profissão e vai para o campo basicamente nos finais de semana), mas há quase 15 anos comprou a Fazenda Recreio e lá descobriu sua verdadeira vocação às margens do rio São Bartolomeu.
A preocupação com o meio ambiente o levou a buscar uma técnica inovadora: a silvicultura com pastagem. Por meio dela, ele consegue uma simbiose interessante – aduba as árvores, melhora o capim plantado entre elas, e vê o gado bem tratado, criado à sombra. De quebra, em um futuro próximo, atenderá uma demanda que não para de crescer. “Eu consigo aqui o chamado ‘boi verde’, que está na moda, juntamente com o sequestro de carbono. Vou vender mogno africano, eucalipto, teca e acácia. Além de já ter sempre um gado de ponta para quem quiser comprar. Tem coisa melhor?”
Na Recreio, há também diversas árvores frutíferas e espécies raras como as palmeiras-azuis, conhecidas como bismarckia. Mas o forte está mesmo na venda de tourinhos – novilhos que saem da fazenda com idade entre 24 e 36 meses, por uma média de R$ 6 mil, e vão para diferentes fazendas com o intuito de melhorar a genética de outros criadores. Percebe-se que a lógica da concorrência é outra, pois todo mundo sai ganhando.
Ter um touro em central pode parecer o auge, mas Elson Cascão gosta mesmo é de falar do futuro do Haresh da Recreio, o touro que está em uma central em Uberaba e que vem se destacando como um “príncipe” – aos 3,5 anos já premiou várias vezes e hoje é uma grande promessa nacional.
Pelo que se vê, os criadores que investem e acompanham o ritmo do mercado pecuarista do DF – e do Brasil, claro – podem incluir outro R no ditado citado no início desta matéria. Porque raça, ração e relacionamento, se bem manuseados, dão certamente o melhor R de todos: o R de resultado.