Por que não amigos?
Histórias de cães, gatos e donos que aprenderam a viver em uma (quase) perfeita harmonia
Foram necessários uma virada de século, a mudança de milênio e alguns milhares de vídeos no YouTube para derrubar o velho mito de que cães e gatos são inimigos. A lenda da rixa entre tais bichos, disseminada em clássicos da literatura infantil e nos desenhos animados, perdeu força com os exemplos constantes de amizades entre canídeos e felinos que pipocaram na rede mundial de computadores. São inúmeras filmagens caseiras, reportagens, fotos e relatos de profissionais e de pessoas que perceberam que eles não se odeiam e podem se tornar grandes amigos. A possibilidade de bom relacionamento entre os antigos adversários tornou-se um incentivo aos que tinham vontade de ter um gato, mas não o faziam por ter um cachorro, e vice-versa.
O protetor de animais Daniel Nek, por exemplo, sempre foi do time dos cachorros. E, exatamente por isso, imaginou que jamais criaria um gato. Adotou a cadela Filó há cerca de três anos e planejava uma segunda adoção para fazer companhia à cadelinha. Até o dia em que sua mulher desceu para passear com a Filó e, enquanto caminhavam, um filhotinho de gato cruzou a calçada, sozinho, e despertou imediatamente a simpatia da moça. O casal resgatou o gato e pôs anúncios na internet à procura do dono.
“Na hora que ambos estavam em casa pela primeira vez, Filó ficou pulando querendo cheirar o bichinho. O gato ficou na defensiva e mostrava as garrinhas com pequenos rosnados, bem arisco mesmo. No começo, o gato acuou a cachorra, que até desviava com medo do gato. Ele era bem menor que ela, mas muito abusado”, lembra Daniel.
Além desse cuidado, o casal usou músicas baixadas na internet conhecidas por acalmar animais. Quando precisavam sair, deixavam o som tocando. “Parece bobagem, mas acredito que a música ajudou a deixar os dois menos ansiosos.” O tempo passou, o dono não foi localizado e o gato ganhou o nome de Barnabé.
Enquanto isso, Filó continuava suas investidas de aproximação e, aos poucos, conquistou Barnabé. “Os dois vivem correndo pela casa, ficam o dia inteiro um atrás do outro, brincando. Percebemos que o gato realmente está sendo uma companhia para Filó, que ficava muito só em casa, principalmente durante a semana, quando trabalhamos”, diz. “O engraçado é perceber que o gato vai ficando meio cachorro e o cachorro meio gato. O Barnabé olha pela janela quando estamos chegando e anuncia a nossa presença com miados. E a Filó ficou mais ousada em explorar territórios”, completa Daniel.
Mesmo com o bom convívio, os cuidados para a preservação da harmonia da casa ainda são necessários. “Quem domina a comida e a nossa cama é a Filó. Deixamos a ração do gato no alto para a cadela não comer, além de alimentarmos os dois separadamente, para evitar brigas e também impedir que eles comam a comida um do outro. Gato tem de comer a ração de felinos e o cachorro, a de caninos, pois as quantidades de proteínas e nutrientes para cada um são diferentes”, alerta.
Na casa da estudante Raquel Andrioni, convivem seis gatos e dois cachorros (um boxer e uma vira-lata) em uma harmonia estabelecida e criada pelos próprios bichos. Eles brincam, divertem-se, estranham-se, provocam-se, mas nunca brigam. Raquel e sua família acreditam que quando se trata de leis de convivência entre os bichos, a interferência humana deve ser mínima.
Raquel conta que por lá a relação entre os bichos vai muito além da boa convivência. “Todos se amam e são muito amigos. Bee certa vez passou um tempo fugindo de casa e nós não sabíamos para onde ela ia. Um dia resolvemos sair pelo quintal chacoalhando o pote de ração para chamar sua atenção. Ela miou e então a encontramos dormindo com o Zeus, o boxer. Esses dois se amam. Já a cadela Lana costuma dar banho na Bee, e a Bee gosta de limpar o ouvido do Zeus. É uma bagunça.”
Meio cadela, meio gata
Jurema Campos adotou uma cachorrinha de rua em 2004. Três anos depois, resgatou um filhote de gato e o levou para casa sem medo de ser feliz. A empatia entre ambos foi imediata, como Jurema esperava. A boa convivência levou Jurema a adotar mais e mais gatinhos. Hoje são mais de seis felinos convivendo em paz com a cadela, que, garante a dona, se sente uma gata-alfa entre seus amigos felinos.
Sua reação mais inesperada foi quando Jurema trouxe para casa quatro filhotes de gato tão novinhos que precisavam de cuidados especiais -- mamadeira, leite especial, uso de bolsas d’água quente e massagens na barriga para estimular o sistema digestivo. “Como os gatos da casa os hostilizaram, rosnando para os novos filhotes, a Branquinha vigiava-os bem próximo à caixa, rosnando ou latindo para os que tentavam se aproximar dos filhotes. E ela também nos ajudava a reunir e segurar os gatinhos que tentavam andar para longe, quando estávamos dando a mamadeira”, relata.
O instinto materno era tão grande que, desde então, quando algum filhote resgatado das ruas chega na casa de Jurema, Branquinha assume a posição de mãe imediatamente, tratando os gatinhos como se fossem seus. “Ela os pega com a boca pela pele do pescoço, assim como fazem as mães caninas e felinas”, lembra.
Além de mãe, Branquinha também assumiu o posto de dona do pedaço. Mesmo se dando bem com os gatos, o tempo fecha quando ela está recebendo carinhos da dona e algum gato tenta disputar atenção. Branquinha também não gosta dos constantes sustos que os gatos pregam quando ela dorme. E se os gatos descolam alguma comida proibida, de insetos capturados à comida de gente, é Branquinha quem traça a refeição. Ainda assim, a cadela e os gatos nunca brigaram com arranhões ou mordidas.
A sintonia é tamanha que Jurema acredita que Branquinha acha que é uma gata. “Ela se dá muito melhor com felinos do que com cachorros, os quais ela ataca”, revela. A mesma inversão de comportamento acontece com seus gatos. Mendiguinho, o primeiro a chegar na casa, por exemplo, gosta de acompanhar Jurema e a cadela em passeios na coleira.