Apaixonadas por motos
No momento em que as mulheres são lembradas pela luta por direitos e pela quebra de estereótipos, Encontro Brasília mostra um grupo que cresce a cada dia na capital: as motociclistas
Elas levantam poeira. Deixam encoberta uma nuvem de preconceitos, que por décadas fomentou estereótipos. Ainda hoje há quem se surpreenda com o fato de mães, esposas, donas de casa, profissionais das mais variadas áreas terem uma predileção especial por motos. Talvez por isso anualmente seja realizado em 8 de março o Passeio Motociclístico do Dia Internacional da Mulher, que sai da Praça da Igrejinha da Vila Planalto em direção a Esplanada dos Ministérios. A adesão mostra o interesse crescente delas e pode ajudar a sepultar de vez qualquer estranhamento em relação às mulheres motociclistas.
Nos últimos oito anos, a procura das moradoras do Distrito Federal pelas motos aumentou em 75%. O panorama retrata a unidade da federação campeã em número de mulheres no guidão dessas possantes de duas rodas – proporcionalmente à quantidade de habitantes. O levantamento foi feito pelo Moto Clube Medusa’s, nascido em Curitiba, mas instalado em Brasília há seis anos. Um dos únicos no DF exclusivo a elas, num universo de 1,6 mil grupos dessa natureza espalhados pela cidade.
Para algumas mulheres, pilotar não é apenas questão de gosto, mas de escolha profissional. Flávia Carpas e Aline Banks competem há pouco tempo, mas já se destacaram nas pistas. A primeira foi medalha de bronze no Campeonato Brasiliense de Motovelocidade de 2013, na categoria SuperBike com Batom (SBK TOM), composta só por mulheres. E a segunda subiu ao mesmo lugar do pódio no ano anterior. Flávia é formada em turismo e eventos, além de ser artista tecelã. “Sempre fui apaixonada por motos. Desde pequena, babava pelas máquinas e seus rugidos. Mas foi somente aos 31 anos – hoje, tem 32 – que tive a oportunidade de aprender a pilotar. Em menos de três aulas já estava treinando nos autódromos de Londrina e Vitória com os melhores pilotos da categoria”, relata.
Diferentemente da amiga e companheira das pistas, o que levou Aline a subir em uma moto pela primeira vez foi a necessidade. Os gastos com combustível fizeram a veterinária, natural de Curitiba, comprar uma scooter para se locomover por Brasília. “Na época, não vislumbrava a possibilidade de passar marchas. Por isso, fiz essa escolha. Gostei tanto do negócio que, em vez de optar por uma moto um pouco maior, resolvi fazer um curso de pilotagem”, conta. Atualmente, é dona não só da pequenininha, mas também de uma potente cbr 600rr, com a qual corre. A motociclista aborda a dificuldade de encontrar, no mercado, produtos específicos para mulheres. Também reclama dos altos preços dos produtos. “São poucas as coisas lindas, como jaquetas. Se o negócio é calça, pior ainda. Macacões não saem por menos de R$ 3,5 mil. Conheço mulheres que gastam mais com equipamentos e peças para motos do que com maquiagem, sapatos ou bolsas”, garante.
O público feminino tem muito a crescer entre os consumidores das motocicletas British Triumph. Representam apenas 2% dos produtos comercializados na loja do Setor de Indústria e Abastecimento (SIA). Mesmo assim, a mulherada tem gasto médio superior a R$ 40 mil, estima o gerente de vendas em Brasília, Edmilson Hardman. Ele destaca as motocicletas mais populares entre elas. “São os modelos big trail e esportiva”, detalha. Ele analisa de forma positiva a inserção da mulher num ambiente, antes, exclusivo aos homens. “Elas formam opiniões sobre os nossos produtos, principalmente em termos qualitativos. Além de acessórios, dispomos de vestuário exclusivo”, acrescenta.
A história de Neia Godinho, diretora nacional do Medusa’s, remonta a Brasília de 1979, quando dava para contar nos dedos de uma mão o número de mulheres que pilotavam esses veículos de duas rodas. “Éramos duas. Na época, nos marginalizavam. Hoje, tudo mudou e isso é muito bom. Os homens admiram as mulheres que andam de moto e sei que faço parte dessa mudança. Eu fui uma das grandes incentivadoras”, argumenta. Ela sinaliza o fato de as mulheres estarem ganhando cada vez mais autonomia no guidão. “Estão saindo das garupas e pilotando as próprias motos”, justifica. O Moto Clube comandado por ela conta com 12 integrantes. Além dele, há outros três no DF exclusivo às mulheres, porém, poucas são as participantes. Foram batizados como Emeras, Vulcanas e Avulsas.
As pistas largas da capital são, de fato, apropriadas àqueles que usam motos como meio de locomoção, seja a lazer, seja a trabalho. Não é de se estranhar, então, o crescimento da frota nos últimos anos. Hoje, o montante é superior a 168 mil, segundo o Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF). Se, por um lado, a sensação de liberdade e a adrenalina dão gás aos pilotos, por outro, imprudências podem ser fatais. Quando se trata de mulher no guidão, elas fazem questão de separar as motoqueiras das motociclistas. O primeiro termo seria considerado pejorativo entre elas e empregado para qualificar pessoas com conduta perigosa sobre as duas rodas.
“O motociclismo mudou a minha vida, meu círculo de amigos. Antes, eu planejava apenas férias para o fim do ano. Hoje, qualquer fim de semana é motivo para rodar. Ir para um encontro de motos, aniversário de um amigo, ir a Pirenópolis. Com educação no trânsito, organização e respeito ao limite de velocidade, podemos fazer tudo.” A opinião é da diretora pedagógica Juliane Silva, dona de uma moto Ninja 250, de cor vermelha. Mesmo após um acidente, que quase lhe custou o movimento de uma das mãos, ela não abriu mão de comparecer aos habituais encontros de motos com as amigas. “Pouco tempo depois de fazer a cirurgia fui até Pirapora (MG). Fui de carona, mas não faltei. Minha preocupação era me recuperar bem para entrar no Moto Capital pilotando. E, em 2013, isso aconteceu”, narra.
O evento descrito por Juliane acontece anualmente, em Brasília, e tem status de terceiro maior do mundo nesse segmento. Recentemente, Nonita Leite, responsável pelo Encontro da Vila, foi convidada também para coordenar atividades que antecedem o Moto Capital. “Sinto-me lisonjeada. É a primeira vez que uma mulher vai comandar essas prévias”, explica. Nonita, habitualmente, se veste com jaqueta e capacete brancos, em alusão à heroína Joana D’Arc, que, segundo relatos, se trajava uma armadura da mesma cor nas batalhas.