Sabor amargo
Estabelecimentos gastronômicos enfrentam uma crise na cidade. Críticas a preços altos rolam soltas na internet, há previsão de mais impostos para bebidas frias e uma triste consequência: casas tradicionais fecham as portas
Em agosto do ano passado, donos de bares e restaurantes causaram um reboliço na Rodoviária do Plano Piloto: em prostesto contra a alta carga tributária que incide no setor, eles distribuiram 1.100 quentinhas aos que passavam pelo lugar. Porém, o efeito não foi dos mais satisfatórios. Depois de ser adiado no ano passado, o reajuste da tabela de tributos para as chamadas bebidas frias (cervejas, refrigerantes e água mineral) começa a valer a partir do dia 1º de abril. E os donos de restaurantes temem que isso traga ainda mais dificuldades aos negócios do setor.
“Todo aumento é ruim, seja para o comerciante, seja para o consumidor. Isso vem na contramão do que o brasileiro precisa. Ao invés de desonerar a carga tributária, ela foi aumentada”, reclama Antônio Carvalho, sócio das casas Taypá e Bier Fass. E, em uma cidade que já é famigerada pelos seus preços, um aumento traz receios para os comerciantes, que reclamam que os bares estão mais vazios. Tão vazios que casas tradicionais estão sendo obrigadas a fechar as portas.
Para Antônio Carvalho, o imposto maior vai trazer, na melhor das hipóteses, uma diminuição no consumo. Isso, claro, causando uma diminuição, também, nos lucros. Só que nenhum empresário quer que seu estabelecimento feche.
A criadora da página, Marivan Barros, disse que não imaginava que teria tantos seguidores. “Não achei que faria tanto sucesso porque, na minha impressão inicial, o brasiliense gostava desse status de viver em uma cidade cara, que esse seria o preço de viver aqui”, conta. Brasiliense, ela morou 10 anos no Rio de Janeiro e, ao voltar para cá, ficou surpresa com seus gastos. “Retornei e vi que a cidade tinha preços muito altos, sem dar a contrapartida que o Rio dava. Brasília oferece serviços públicos de má qualidade e tem menos opções de diversão, principalmente as gratuitas.”
Aos que trabalham no ramo, cabe a tarefa de buscar formas de explicar seus preços. Célio Freitas, gerente da unidade do restaurante Gero em Brasília, aponta que sua clientela viaja costumeiramente para o exterior e isso faz com que eles se perguntem porque comem bem pagando pouco quando estão fora do país. “O problema é que, quando pensamos nos insumos, Brasília é uma cidade muito cara, porque tudo tem de ser importado para cá. Acho que o cliente não percebe o quanto essa alta carga tributária está envolvida no que ele recebe em um restaurante. É preciso ver o custo/ benefício envolvido.”
Seu estabelecimento tem menos de um ano. É a fase mais difícil para qualquer empreendimento comercial. Ele diz que, atualmente, 20% do seu faturamento vem das bebidas, quentes e frias. Sua preocupação, seja com o aumento do imposto ou com a alta do dólar (que encarece vinhos e uísques importados, por exemplo) é que os empresários tenham de fazer demissões. “Em um cenário em que há menos venda de bebida, o sommelier, por exemplo, perde espaço. As bebidas frias já dão pouco lucro e o custo acaba sendo passado para o consumidor.”
Mas as reclamações não podem se tornar justificativas para ficar parado. Para a gerente de inovação e tecnologia do Sebrae, Flávia Barros Firme, apesar de a carga tributária ser alta, isso não deve ser o maior argumento, já que é uma despesa que sempre estará presente. “Os impostos são os gastos mais previsíveis, até porque aumentos como esse não são anunciados da noite para o dia. O empreendedor precisa arcar com eles, mesmo sabendo que pesa no bolso”, diz.
Flávia explica que para ter controle dos gastos mensais não é preciso fazer mudanças mirabolantes. “Inovação não exige custos do empresário. Tem de haver mudanças de atitude, como a busca por alternativas de gastar menos energia elétrica, evitar o desperdício de água. São coisas que podem fazer diferença”, exemplifica. Além disso, manter um canal de comunicação com os clientes, como uma página no Facebook, é indispensável, segundo Flávia. “Ainda mais em tempos nos quais o consumidor expõe suas críticas sem receio. Só assim ele vai saber como pode melhorar.”
Ele explica que, para funcionar bem, é preciso definir o quanto foi gasto na preparação do prato ou no valor que foi pago por cada cerveja, ele é multiplicado por 2,5, podendo chegar a 4, dependendo do valor agregado. Isso define o preço no cardápio: “Se o que gastamos para produzir um prato for R$ 10, vamos vendê-lo por R$ 25, dependendo do que foi usado. É assim que mantemos o setor.”
Segundo Jaime, a Abrasel está desenvolvendo uma campanha que vai percorrer os bares e restaurantes de Brasília explicando aos consumidores como se dá esse processos de dar preço ao que ele come ou bebe. “Energia, aluguel, impostos: dar preço envolve uma série de fatores. O custo de profissionais também é alto. Chefs com experiência internacional custam mais. O cliente precisa ter acesso a esse tipo de informação.”
O certo é que nenhum dos lados está satisfeito. Marivan Barros, do movimento Brasília $urreal, não critica o argumento da carga tributária, mas acredita que há alternativas que estão sendo pouco exploradas, inclusive pelos consumidores. “Há como diminuir os gastos ao trabalhar direto com o produtor local, por exemplo. Da forma que está agora é que não dá para ficar.”