Assistir para refletir
Estima-se que Brasília tenha aproximadamente 40 cineclubes em funcionamento. A ideia dos espaços é divulgar a produção audiovisual brasileira e a brasiliense e proporcionar debates sobre os filmes
A ideia é fazer com que o indivíduo que assistia ao filme passivamente ocupe um papel de sujeito consciente e participante na experiência audiovisual. A bandeira, vista como romântica e utópica por uns, é adotada com comprometimento por outros. “O cineclubismo é uma poesia que foi engolida pela modernidade, pela tecnologia”, avalia o cineasta Pedro Lacerda, presidente da Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo (ABCV). Para Lacerda, a atual possibilidade de assistir a filmes gratuitos pela internet inibe a evidência dos cineclubes.
O cineasta, professor de cinema e programador do Cine Brasília, Sérgio Moriconi, defende o cineclube como um espaço com potencial de orientar o público. “A internet é um saco sem fundo, o indivíduo pode se mediocrizar. O cineclube serve para você não tatear às cegas. É elaborada uma programação com filmes para provocar o debate, uma compreensão melhor da vida.”
Ao apoiar a exibição não comercial de filmes, a política nacional visa democratizar o acesso ao cinema nacional. Segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), as exibições de filmes no país estão cada vez mais concentradas em shopping centers: de 2009 a 2012, o número de salas em shoppings cresceu 27,2%, enquanto os cinemas de rua reduziram em 14,6%. O Ministério da Cultura pretende, com a retomada do Programa, fortalecer as redes locais, apoiar os cineclubes e a difusão da produção audiovisual brasileira. Atualmente, de acordo com a Secretaria de Educação do DF, de 77 escolas beneficiadas com o kit, apenas 35 oferecem sessões de cineclubes para a comunidade com periodicidade.
A rede de cineclubes no DF será usada, este mês, na estratégia de exibição do filme Plano B, do diretor Getsemane Silva. O documentário foi uma das três produções do DF selecionadas para a mostra competitiva do 46º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, de 2013. Lançado no festival, Plano B conquistou o Troféu Câmara Legislativa do Distrito Federal como melhor longa-metragem. O filme conta a história do documentário Contradições de uma Cidade Nova (1967), censurado pelos próprios patrocinadores por mostrar os contrastes entre os subúrbios de Brasília e o projeto modernista de Lucio Costa. Por 10 dias, a partir de 21 de abril (aniversário de Brasília), o filme será exibido em cineclubes de todo o DF, com a expectativa de atingir um público de 5 mil pessoas.
“Acreditamos que o filme vai ter um alcance muito maior no circuito alternativo do que no comercial”, argumenta a produtora e programadora de mostras de cinema Ana Arruda. Segundo o diretor Getsemane, a obra incita o debate: “Quem assistir pela televisão, pode refletir. Mas, no cineclube, a oportunidade é mais rica. É como se fosse a continuação do filme. Ele não termina no último plano, e sim no diálogo após sessão”.
O presidente da ABCV, Pedro Lacerda, afirma que os cineclubes podem ter um importante papel na distribuição de filmes. Mas, para isso, devem estar articulados com o setor produtivo. “O cineasta tem um empenho enorme em produzir um filme. Após esse processo, ele tem de ter um retorno palpável sobre a exibição, como uma estatística de público”, afirma. A Ancine não contabiliza dados de exibições em circuitos alternativos. “À medida que aumentamos oficialmente o público, aumentamos a nossa possibilidade de ter fomento para novas produções”, explica Lacerda.
A multiplicação de público para o audiovisual é um dos principais objetivos dos cineclubes. Mas, não raro, os envolvidos com os constantes debates transformam-se em produtores. É o que vem acontecendo com os integrantes do cineclube Jiló na Guela, há dois anos em atividade no Balaio Café, na 201 norte. Os exibidores filmam depoimentos de cineastas convidados do cineclube para um projeto sobre cineclubismo – entre eles, o documentarista Silvio Tendler – e iniciaram a produção de um documentário sobre o técnico-afinador de pianos Rogério Resende, fundador da Casa do Piano, no Núcleo Bandeirante. “O cineclube é uma escola. Quanto mais você vê os filmes, mais vai buscando conhecimento e fomentando a vontade de tornar o cinema mais do que um hobby. Foi natural começar a querer produzir”, conta Vitor Sarno, um dos seis integrantes do grupo. E, desde a estreia, o cineclube tem o diferencial de exibir apenas documentários. “Sempre achei o formato do documentário uma ferramenta interessante pra qualificar debates”, explica Thomas Patriota, um dos defensores da diretriz do espaço.
A estratégia de adotar o cineclube como uma extensão também foi adotada pelo Cinefagia - Fome de Cinema, um dos poucos cineclubes que tem à disposição uma sala de cinema, localizada na unidade da 613/614 Sul do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb). Ali, o debate costuma ir além da discussão pós-exibição. Estudantes que frequentam o cineclube costumam se revezar na elaboração de críticas dos filmes. “A disciplina está para além da sala de aula. O projeto é importante para o curso criar sua tradição”, afirma a professora de História do Cinema e coordenadora do cineclube, Patrícia Colmenero. Na programação, filmes contemporâneos.
Já os grandes clássicos são o foco de um novo projeto do Cine Brasília: a Cinemateca Livre. “Faremos sessões gratuitas, dedicada a filmes antigos, clássicos do cinema mundial”, explica o programador do espaço, Sérgio Moriconi. O projeto teve início no último mês com as obras de Federico Felini A Doce Vida e 8 e meio. Outra novidade, que teve início em dezembro, é o Cineme-se: filmes e música, que costuma encher o Club 906, no Clube da Asceb (904 Sul). O evento chega a reunir 400 pessoas por sessão. São dois curtas por dia, um do diretor brasiliense convidado, e outro de sugestão do cineasta. Além da exibição, o evento inclui uma balada, conduzida pelos DJs e produtores do evento, acompanhada por projeções de VJs.
Um dos espaços mais consolidados da capital, o Cineclube Bancário funciona há sete anos no Teatro dos Bancários (314/315 Sul). “O cinema é libertador”, resume José Garcia, idealizador do cineclube. “O que fazemos é dar uma ocupação a um espaço centralizado, capaz de beneficiar tanta gente com uma boa reflexão”, defende. No espaço, apenas filmes nacionais.