Longe das asas do Plano Piloto
Brasília completa 54 anos provando que há muita vida fora do chamado quadradinho. Pelo menos 600 mil pessoas vivem nos condomínios horizontais, onde usufruem de qualidade de vida e segurança
Os condomínios horizontais surgiram no Distrito Federal na década de 1980, diante da pressão da classe média por moradia e da vista grossa das autoridades. Hoje, são cerca de 500 parcelamentos, com mais de 600 mil moradores. Grileiros ocuparam terras públicas ou particulares irregularmente, parcelaram lotes e venderam as áreas a preços baixos. Os alvos eram fáceis: brasilienses em busca da casa própria, sem perspectiva de comprá-la no Plano Piloto. Rapidamente, áreas intocadas de cerrado se transformaram em extensos loteamentos, alguns em espaços vizinhos a regiões nobres.
A Ponte JK é a vista do quintal da casa habitada pelo professor Filemon Félix de Moraes e sua família, dona de três casas no Villages Alvorada, à beira do Lago Paranoá, há quase duas décadas. “Não existia a terceira ponte quando nos mudamos. Viemos para cá porque tive de entregar o apartamento militar onde morávamos. Tinha só a churrasqueira e uma casinha, construímos aos poucos. O espaço, a vista e a tranquilidade são incomparáveis com a área central de Brasília”, relata Filemon, que pagou R$ 45 mil pelo primeiro lote.
O professor foi um dos primeiros moradores do Villages Alvorada. Todas as obras de infraestrutura foram realizadas pelos moradores. “Há alguns milhões investidos aqui. Existe uma briga para transformar o condomínio em quadra aberta, mas não é viável”, ressalta Filemon.
Dono de uma franquia de restaurantes, o cirurgião plástico Leonardo Melo Franco, vizinho de Filemon, usa helicóptero para se locomover em Brasília e nas regiões próximas. É o único barulho de trânsito que se escuta nas redondezas. No mais, apenas o canto de pássaros e risadas infantis, perto do parquinho.
A empresária Stefânia Leão Fernandes trocou a vida em uma fazenda pela moradia à beira do lago, no Villages Alvorada. “Morar perto dos amigos, frequentar a casa um do outro é ótimo. Os vizinhos se reúnem para churrascos, jogos de futebol e também para rezar.
Segurança é fundamental para quem escolhe esse estilo de vida. Um dos condomínios de alto padrão mais cobiçados de Brasília é o Reserva Santa Mônica, na DF-140, próximo a Santa Maria. O lote chega a custar R$ 300 mil. Apenas 10% estão à venda. O restante das 703 projeções já tem dono.
São 40 casas construídas e habitadas e outras 50 em obras. O acesso é único e controlado por biometria. Um imperceptível botão para situações de pânico pode ser acionado, em caso de tentativa de sequestro ou roubo. O alarme é acionado para a empresa de segurança, que tem contato direto com o posto policial mais próximo. Cercas elétricas modernas, instaladas inclusive em pontos estratégicos dentro da mata, reforçam o isolamento. O condomínio tem guardas em tempo integral, inclusive com vigilância armada.
Inaugurado em 2009, o condomínio tornou-se a menina dos olhos da classe média alta e dos milionários de Brasília, que desejavam viver com tranquilidade e ter uma vista privilegiada da Reserva Ecológica do Tororó. Nele, vivem políticos, grandes empresários, delegados federais, juízes e outras autoridades, além de servidores públicos, que são maioria. O perfil da vizinhança é composto principalmente de casais jovens, com um ou dois filhos, mas dispostos a aumentar a família.
O Santa Mônica nasceu regularizado e todos os moradores têm escritura de seus imóveis. Contam com estrutura de clube, composta de piscinas e saunas, quadras de futebol, basquete e tênis, cercadas por paredões rochosos e áreas verdes. A academia de ginástica e o salão de festas começaram a funcionar recentemente. O heliporto foi usado apenas duas vezes: por um empresário e pelos bombeiros, em época de incêndios florestais. A taxa de condomínio é de R$ 272, caso seja paga até o vencimento.
Graças à regularização, os lotes podem ser financiados pelo banco. A casa dos sonhos do analista de sistemas Anderson Aldi, que recorreu a um financiamento, demorou um ano para ficar pronta. Tem quatro quartos, um deles vazio, para abrigar visitas e, talvez um dia, o filho planejado, por meio da adoção. “Combinar segurança e tranquilidade é o ideal. Temos uma van que leva os moradores às áreas de lazer, as meninas têm amigos, brincam à vontade. Também fiz amizades e jogo futebol todas as terças e quintas aqui mesmo”, relata o morador Anderson Aldi. O trânsito é a única desvantagem da região. Ainda assim, em menos de 40 minutos, quando não há acidentes, Anderson e a família conseguem chegar ao Plano Piloto, onde as meninas estudam e os pais trabalham. “Aqui, a gente esquece o resto do mundo. Vale a pena”, diz Anderson.
A biometria também é a senha para entrar no Jardins do Lago, onde se vê um aparato de segurança pesado, com cercas e monitoramento 24 horas. Uma das regras do condomínio é o respeito à preservação do meio ambiente. É preciso manter 30% da área de cerrado nativo nas dependências comuns. “As crianças plantaram mudas de ipês. Colocamos o nome de cada menino ou menina em uma plaquinha, para que eles vejam no futuro. Fico feliz de proporcionar essa consciência de preservação às minhas filhas”, afirma o corretor de imóveis e síndico Eduardo Garcia.
Existem cinco cachoeiras dentro da área do parcelamento. Quem vive ali tem à disposição trilhas ecológicas, o canto de várias espécies de aves e pode observar primatas como macacos-bugios, nas árvores ao redor. “Aos 11 anos, eu já fazia trilha, andava de bicicleta por todos os lados. Com certeza, essa convivência com a natureza me fez ter outra consciência”, explica Elber.
São 25 hectares de mata de galeria no Ville de Montagne. Uma associação responsável por minimizar os danos ambientais representa os 5 mil moradores do local, que já tiveram de fazer adaptações no parcelamento devido ao fato de estar numa área de meio ambiente protegida.
“Há um tempo, pedi para recolhermos as sementes, quando varríamos o chão. Doamos 10 mil unidades para plantio em outros locais. Vivemos em meio a um banco de sementes muito rico, em contato permanente com a natureza, e é nossa responsabilidade conviver bem com ela”, relata Rodrigo Nunes, morador do condomínio e membro da comissão ambiental da associação de moradores.
Por acreditar em um modelo de vida mais pacato, o representante comercial Kleber Prado, de 43 anos, mudou-se para um condomínio fechado há 14 anos. Em 2000, ele e a mulher viviam na 415 Norte, quando Kleber foi sequestrado embaixo do bloco. Depois de passar horas de terror, decidiu que não viveria mais no Plano Piloto.
O condomínio Bela Vista, no Grande Colorado, em Sobradinho, tem 727 lotes e 2,8 mil moradores. O parcelamento é referência de preservação ambiental para todo o DF, desde que implantou um sistema de coleta seletiva e reaproveitamento do lixo, em 1999. Depois de separados, os dejetos orgânicos são tratados e viram adubo, posteriormente distribuído entre a comunidade que participa do projeto. “Garrafas e caixas de papelão são organizadas ou prensadas e depois vendidas a associações de catadores. A iniciativa não gera receitas, mas é o orgulho dos condôminos”, revela Wilson Parejas, síndico do Bela Vista.
Outro diferencial do Bela Vista são as aulas de ginástica para a terceira idade, que atraem mais de 30 moradores, a maioria aposentados. Elísio Lobo Guimarães, de 69 anos, levanta pesos e faz polichinelos na companhia dos vizinhos e amigos. “Tenho tranquilidade, segurança e qualidade de vida”, justifica.
O advogado Leandro de Araújo da Rosa, de 28 anos, vive com a filha, Natália, de 6 anos, no condomínio Bela Vista desde que a menina nasceu. A sogra, Maria Angélica Bueno Alves, de 62 anos, mora a poucos conjuntos dali. A proximidade é uma tranquilidade para os dois, que convivem e se ajudam, desde que a mãe da menina faleceu, há cinco meses. “Aqui, eu caminho sem medo e tenho minhas amigas e meu grupo de oração. A proximidade entre os vizinhos é excelente”, comenta Angélica.
A gerente de projetos da Alphaville, Maria do Rocio Rosário, explica que o perfil do casal com filhos é o carro-chefe, mas não é a única clientela que a empresa quer alcançar. Haverá centros comerciais para que empresários, por exemplo, possam viver com qualidade perto do escritório. “Queremos estender a mesma qualidade do urbanismo do interior do empreendimento para o exterior, com ciclovias, calçadas e um trânsito com fluidez”, explica. Apesar de o Alphaville ainda não ter casas prontas, o clube já está em funcionamento e, nos fins de semana, as famílias já aproveitam o espaço. De olho nesse ramo, a construtora brasiliense Via Engenharia, em parceria com a Alphaville, vai construir no local duas torres de 20 pavimentos cada uma. Pelo menos 50% do empreendimento já foi vendido.
Na DF-140, entre São Sebastião e Santa Maria, o governo pretende criar uma nova região administrativa, com 900 mil habitantes e prédios de até 15 andares, que enfrenta fortes críticas dos defensores do meio ambiente e urbanistas. Pelo menos 300 empresários já manifestaram interesse em construir no local.
Por que é difícil regularizar?
Há seis anos, Lene Santiago está debruçada sobre o problema. Atual secretária de Regularização de Condomínios do GDF, ela reconhece que, para cada vitória, é preciso enfrentar dezenas de derrotas. “Apesar dos avanços, ainda temos muito para caminhar. Aperfeiçoamos a área técnica e o setor de análise e aprovação porque a demanda é muito grande. O processo de regularização de uma área como Vicente Pires, por exemplo, tem cerca de 50 caixas de documentos”, explica Lene.
Ela cita outra iniciativa que tem ajudado a minimizar as dificuldades: o Fórum de Regularização Fundiária, que reúne representantes do Legislativo, do Judiciário, do GDF e do Ministério Público, além de nomes da sociedade civil. “Com esse espaço de diálogo constante, conseguimos debater soluções para os problemas assim que eles aparecem”, justifica a secretária de Regularização.