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POLÍTICA | TECNOLOGIA »

A lei da internet

Depois de dois anos de discussão, o Marco Civil foi aprovado pela Câmara e seguiu para o Senado. Entenda por que essa regulamentação é uma conquista importante para a sociedade brasileira

Fabíola Góis - Publicação:17/04/2014 10:10Atualização:17/04/2014 11:45

 

O que parecia impossível há poucas semanas ocorreu em 25 de março na Câmara dos Deputados: os deputados aprovaram o Marco Civil da Internet, uma espécie de Constituição brasileira para a rede mundial de computadores. Depois de dois anos de debates intensos e acirrados, prevaleceram pilares essenciais à democracia, como liberdade de expressão, privacidade e igualdade.


O Projeto de Lei nº 2126/2011, apresentado pelo governo federal, venceu o lobby das grandes empresas de telecomunicações e manteve conceitos que até pouco tempo atrás eram desconhecidos de grande parte da população, como a neutralidade de rede (leia quadro). O projeto, que trancava a pauta da Câmara desde outubro do ano passado, ainda será votado pelo Senado antes de virar lei.


O que estava em jogo era o acesso livre aos dados. Imagine ter de pagar por cada vídeo do YouTube, cada música baixada na internet ou contratar pacotes para acessar apenas e-mail ou Facebook. “Além da neutralidade, conseguimos preservar a privacidade dos usuários, que passam a ter proteção maior do que tinham. Qualquer uso indevido dos dados poderá levar à responsabilização de quem o faça. Outra garantia é da liberdade de expressão. Não há qualquer brecha para o controle do conteúdo da rede, para a censura”, acredita o deputado federal Alessandro Molon (PT/RJ), relator do Marco Civil da Internet, que elaborou um substitutivo (um tipo de parecer) reunindo 44 proposições sobre temas convergentes.

Plenário da Câmara dos Deputados no dia da votação do Marco Civil: intensa mobilização da sociedade civil pela aprovação (Gustavo Lima/Câmara dos Deputados)
Plenário da Câmara dos Deputados no dia da votação do Marco Civil: intensa mobilização da sociedade civil pela aprovação

O Marco Civil da Internet é resultado de um amplo debate desde 2009. Foram realizadas sete audiências públicas com 62 palestrantes em Brasília, no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Curitiba, em Salvador e em Porto Alegre. Foi criada uma Comissão Especial na Câmara para debater o tema. O relatório de Alessandro Molon conteve mais de 2,3 mil contribuições, por e-mails, postagens em redes sociais e cartas da sociedade civil e de mais de cem entidades. O portal e-democracia também recebeu a participação de internautas, chegando a mais de 14 mil visualizações da página em três dias em que ficaram abertas as sugestões para o relatório, com 109 sugestões. Ao todo, o site contendo o anteprojeto recebeu 160 mil visitas. “A participação da sociedade brasileira foi fundamental e nos ajudou a aperfeiçoá-lo. O projeto é extremamente inovador em termos mundiais.

Mais de 350 mil pessoas assinaram petição na Avaaz defendendo sua aprovação”, afirma Molon.
Para Flávia Lèfevre, o primeiro aspecto e mais importante é que o projeto do Marco Civil tem como fundamentos a liberdade de expressão, o reconhecimento do caráter público das redes e sua função social, e o respeito à pluralidade e diversidade, e a defesa do consumidor. “Além disso, estabelece a proteção à privacidade e de dados pessoais e a garantia da neutralidade das redes. O projeto também estabelece que o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania”, destaca a advogada.


Deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do projeto: 'A participação da sociedade brasileira foi fundamental e nos ajudou a aperfeiçoá-lo' (Iano Andrade/CB/D.A Press)
Deputado Alessandro Molon (PT-RJ),
relator do projeto: "A participação da
sociedade brasileira foi fundamental
e nos ajudou a aperfeiçoá-lo"
Para ela, o Marco Civil da Internet limita a ação do Estado na atividade de fiscalização e polícia, assim como garante a livre manifestação do pensamento quando submete à decisão judicial a retirada de conteúdos publicados na rede. “Também estabelece regras para a segurança, qualidade e transparência na comercialização de serviços relacionados ao acesso à internet e comercialização de conteúdos. Ou seja, trata-se de projeto de grande importância para a inclusão digital e para a garantia da democracia”, conclui.


Hoje, a internet é regida pela Lei Geral das Telecomunicações (LGT), de 1997, que instituiu a privatização da telefonia no país no ano seguinte. Nesses 16 anos, a rede mundial de computadores passou por transformações substanciais. Surgiu a necessidade de leis mais específicas, que tratem pontualmente de questões voltadas para o consumo e para o comportamento das empresas que oferecem esse serviço.


Jornalista e doutor em ciência política, o blogueiro Leonardo Sakamoto entende que o Marco Civil protege o consumidor da sagacidade das empresas, que querem oferecer serviços de internet como lhes convém, e não do jeito que o consumidor quer. Um dia depois da aprovação do Marco Civil pela Câmara, ele postou no Facebook: “Lembrem-se deste dia. Pois é raro ver empresas de telecomunicações não conseguirem tudo o que querem”.


Sakamoto acredita que o projeto reconhece o direito do usuário à inviolabilidade de suas comunicações e ao sigilo de seus registros na Internet. “Qualquer acesso a esses registros, tanto por terceiros quanto por autoridades, só ocorrerá mediante decisão judicial. E, para que o pedido à Justiça seja válido, o Marco Civil exige que o interessado comprove sua utilidade, pertinência e que haja indícios concretos da prática ilícita”, destaca.

O líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), foi o porta-voz dos insatisfeitos: no final, acabou  concordando (Gustavo Lima/Câmara dos Deputados)
O líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), foi o porta-voz dos insatisfeitos: no final, acabou concordando

A maior dificuldade para a aprovação da matéria foi em relação à chamada neutralidade da rede, que contrariava o interesse de grupos econômicos. “As empresas de telecomunicações mobilizaram esforços significativos para impedir a aprovação do projeto. E seus esforços encontraram respaldo na atuação retrógrada e marcada pelo viés oligárquico que domina o Congresso Nacional”, afirma a advogada Flávia Lefèvre Guimarães, conselheira da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste).


O líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), foi o porta-voz dos insatisfeitos durante a tramitação da matéria. Em novembro do ano passado, numa manobra hábil dele, o deputado Arnaldo Farias de Sá (PTB) apresentou requerimento de retirada do PL da pauta de votação pela quarta vez, acolhido pelo voto da maioria dos partidos, menos do PT, PSOL e PCdoB. Desde então, vários artifícios foram usados para adiar a votação da matéria.


No último dia, no entanto, Cunha decidiu apoiar o projeto, por entender que o relator retirou partes do texto original. O ponto de discórdia era um decreto autônomo que regulamentaria dispositivos que não estavam em análise pelo Parlamento. Outra insatisfação era com a imposição de Data Centers das empresas no Brasil, o que, segundo o parlamentar carioca, aumentaria o custo do usuário. “Não estamos produzindo o regulamento ideal, até porque não deveria ter regulamento, porém, se a maioria assim entende, o PMDB vota favoravelmente”, afirmou.

Protestos aconteceram durante toda a tramitação do projeto: vontade da sociedade e do governo federal prevaleceu (Iano Andrade/CB/D.A Press)
Protestos aconteceram durante toda a tramitação do projeto: vontade da sociedade e do governo federal prevaleceu

Mas, mesmo com consenso para a votação do Marco Civil, houve bate-boca no plenário. Histórico defensor da democracia, o deputado federal Roberto Freire (PPS/SP) disse que o projeto atenta contra a liberdade. “Fala-se de monopólio de mercado e alguém vem me dizer que está garantindo a liberdade. Lutei tanto pela liberdade e precisamos lutar para que ela continue em vigência. Ditaduras pretendem acabar com a liberdade na rede”, destacou. O deputado federal Amauri Teixeira (PT/BA) pediu que ele calasse a boca. “Venha me calar!”, respondeu Freire, alterado.

 

A repercussão

Criador da World Wide Web, Tim Berners-Lee: na véspera da votação, divulgou um comunicado apoiando a aprovação do Marco Civil da Internet no Brasil (Gustavo Lima/Câmara dos Deputados)
Criador da World Wide Web, Tim Berners-Lee: na véspera da votação, divulgou um comunicado apoiando a aprovação do Marco Civil da Internet no Brasil

Apoio do criador da internet

 

Na véspera da aprovação do Marco Civil, o criador da World Wide Web, Tim Berners-Lee, divulgou um comunicado no qual apoia o Marco Civil da Internet no Brasil e afirma que a aprovação do projeto seria um presente que o país daria não só aos internautas brasileiros, mas do mundo. “Eu espero que, com a aprovação desta lei, o Brasil solidifique sua orgulhosa reputação como um líder mundial na democracia e no progresso social e ajude a inaugurar uma nova era – onde os direitos dos cidadãos em todos os países ao redor do mundo sejam protegidos por leis digitais de direitos”, afirma o comunicado.

 

A reação das empresas

 

Em comunicado divulgado logo após a decisão do Plenário da Câmara, o Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil) recebeu, de forma positiva, a aprovação do Marco Civil da Internet. “O texto aprovado, mesmo não sendo em sua totalidade a proposta que o setor considera ideal para a sociedade, assegura que seja dada continuidade aos planos existentes e garante a liberdade de oferta de serviços diversificados, para atender aos diferentes perfis de usuários”.

 

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