Com milhões de receptores olfativos, cães farejadores são indispensáveis em operações de busca e salvamento: rastrear pessoas e encontrar drogas estão entre suas atribuições
Existem três tipos de superanimais de estimação. Aqueles dos quadrinhos, que usam máscaras, capas, falam e derrotam os inimigos com golpes de caratê. Os que vivem no imaginário dos seus donos e são considerados “super” pela mais vasta gama de motivos: superlindos, superfofos, super por terem a capacidade de mudar a vida das pessoas ou mesmo por façanhas mais corriqueiras. E o terceiro caso, quando a ciência e a pesquisa científica se tornam base dos estudos sobre as verdadeiras capacidades dos animais domésticos: e aí sobram dados incríveis – de deixar qualquer dono orgulhoso: superolfatos, superinteligência, superaudição, supersensibilidade.
Tais poderes inspiraram a psicóloga americana Alexandra Horowitz, professora da Columbia University e pesquisadora no Dog Congnition Laboratory, nos Estados Unidos, a realizar uma série de estudo sobre as capacidades caninas. Horowitz é categórica ao listar o olfato como o grande trunfo dos cães. “Se uma pessoa percebe o mundo com olhos, o animal o percebe pelo nariz”, pontua a pesquisadora e autora do livro Inside of a Dog: What Dogs See, Smell and Know (Dentro de um cão: o que um cão vê, sente e sabe), ainda não traduzido para o português.
O córtex olfativo canino é 40 vezes maior do que o dos humanos e até 100 mil vezes mais sensível. Uma forma prática para entender a força dessa diferença é imaginá-la aplicada à visão, uma vez que é assim que percebemos o mundo: em uma analogia superficial , é como enxergarmos com total clareza e foco até 30 metros a nossa frente e, o outro (no caso, o cão), enxergar com essa mesma clareza três milhões de metros à frente.
Não é a toa que, em um mundo onde a tecnologia comanda quase tudo, cães continuam, desde a Idade Média, sendo parte fundamental na busca por desaparecidos, na solução de crimes e, atualmente, no combate ao narcotráfico. “O cão tem milhões de receptores olfativos no focinho e evoluiu um método específico de cheirar. Suas narinas podem funcionar de forma independente, farejando coisas diferentes”, explica a especialista a Encontro Brasília.
Essenciais no Batalhão de Choque: visão noturna privilegiada, assim como a percepção de movimento
No entanto, se por centenas de anos os cães são admirados e aproveitados por seus superolfatos, sua visão sempre foi subestimada. Quantas pessoas não acreditam até hoje que os cães enxergam o mundo em preto e branco? “Os cães têm uma visão colorida sim. O que ocorre é que as células responsáveis pela nossa visão, os cones, são de três tipos: o azul, o vermelho e o verde. Os cães, por sua vez, possuem os cones vermelhos e azuis apenas. Consequentemente, a variação de cor faz com que eles enxerguem o mundo de uma forma própria, diferente da nossa, mas de forma colorida”, explica o veterinário e especialista em oftalmologia Mário Falcão, do Centro Veterinário da Visão, em Brasília.
Além de enxergar menos cores, a acuidade visual canina também é inferior a nossa, o que os impede de enxergar com clareza objetos próximos. Na contramão das vantagens visuais humanas, porém, os cães saem na frente por terem visão noturna e maior visão periférica. As células receptoras de luz deles também são mais velozes. Enquanto a visão das pessoas divide uma cena em, no máximo, 60 quadros por segundo, a dos cães divide em 80, o que permite que eles enxerguem movimentos com muito mais precisão. Daí o fato de eles serem experts no momento de pegar um frisbee, uma bolinha ou caçar um animal.
Cães são capazes de ouvir sons que não
ouvimos: aliados aos sentidos, o instinto e a
sensibilidade os fazem aptos a aprender
comandos
É por essa mesma capacidade que a luz de uma lâmpada fluorescente, cuja frequência é de 60 quadros por segundo, pode ser extremamente incômoda para um cão, uma vez que para eles, ela pisca sem parar. O mesmo ocorre com a televisão. ‘Você pode se perguntar: “Ah, por que então ouço dizer que existem cães que assistem à televisão?’. E a resposta é: porque aquele indivíduo possui por uma variação individual. Uma adaptação ao ponto de sensibilidade a luzes oscilantes, próximo ao nosso. Mas cabe lembrar que estamos falando de luzes oscilantes, e não estática”, explica.
No quesito audição também ficamos para trás. Cães são capazes de ouvir em frequências que variam de 40Hz a 60 kHz, enquanto nós ouvimos em uma variação de 12 Hz a 20 kHz. O que resulta em uma capacidade canina de ouvir sons que nem mesmo escutamos. É essa superaudição que justifica o drama canino na noite do ano-novo ou em alguma decisão de campeonato de futebol. Fogos de artifício são uma tortura auditiva para nossos amigos de quatro patas.
Outra fama de “super” que o cão leva é com relação ao instinto de proteção e à sensibilidade para detectar o perigo. São milhares de histórias que circulam sobre cachorros que salvaram seus donos nas mais variadas situações. A pesquisadora americana Alexandra Horowitz, porém, afirma que tal instinto não foi ainda confirmado pela ciência. Em uma experiência que realizou no Dog Cognition Laboratory, donos foram colocados em falsas situações de perigo e os cães estudados, digamos, não deram a menor bola. Talvez a falta de tensão real, de adrenalina no ar, possa ter influenciado o resultado final da pesquisa. Talvez não. “O fato é que esse resultado não pontua se eles são ou não capazes de atos heroicos. Acho que eles são capazes, sim, de atos como esses, mesmo que provavelmente eles não façam essa relação de ‘salvar ou não salvar’ em suas cabeças”, pondera.
Gatos não ficam atrás
Nicole Matsunaga, com Jah, de 7 anos: abre
portas, pressente a chegada dos donos, dá
pulos perfeitos
Se para a cachorrada o primeiro lugar nos superpoderes é do olfato, quando se trata de felinos, é difícil escolher qual capacidade é a mais impressionante. De acordo com o veterinário Mario Falcão, em relação à percepção de movimento, a visão dos gatos é bem superior a nossa. Isso se dá pelo maior número de células chamadas de bastonetes, que captam melhor o movimento e que são responsáveis também por uma melhor visão noturna, pois tais células conseguem trabalhar em locais com baixa luminosidade. “Outro fator importante com relação à visão felina é a acuidade visual, que está relacionado a um maior campo de visão periférica. Essas vantagens estão correlacionadas a uma questão adaptativa para caça”, explica o veterinário.
A audição não fica atrás, com grande sensibilidade para altas frequências (percebem até 65 kHz), os gatos também ouvem muito melhor do que qualquer ser humano. É também no ouvido felino que se encontra a chave para outro superpoder: o aparelho vestibular. Ele é responsável pela detecção de variações de velocidade e direção, permitindo façanhas como pulos perfeitos e movimentos precisos. E é essa capacidade de se movimentar com destreza, agilidade e rapidez o “poder” listado entre a maioria de donos de gatos como o mais impressionante. A estudante de arquitetura Nicole Matsunaga, por exemplo, conta que seu gato, Jah, de 7 anos, coleciona alguns feitos que impressionaram a família. Um deles é o fato de que o bichano aprendeu sozinho a manipular todos os tipos de maçaneta da casa.
“Antigamente ele dormia na área de serviço. Fechávamos a porta e cada um ia para o seu quarto. Em dois ou três dias, ele apareceu no meio da noite no quarto. Fomos investigar e descobrimos que Jah inventou uma técnica para abrir a porta, pulando na maçaneta e se esticando para trás. Até a porta de correr ele consegue abrir. Se não passar a chave, ele abre”, lembra.
Em outra ocasião, durante uma obra no prédio onde mora, Jah conseguiu pular da janela para um andaime mais próximo e foi pulando pelas sacadas até ser encontrado pelo porteiro. “Também tem aquela coisa de ele pressentir quando estamos chegando. Não é apenas pelo barulho do alarme do carro. Se alguém da família estiver de carona, ou mesmo chegando a pé, uns dois minutos antes ele já senta na frente da porta à espera.”