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ARTIGO | Liziane Guazina »

Depois dos 54

Liziane Guazina - Articulistas Publicação:22/05/2014 14:24Atualização:22/05/2014 14:50

Brasília está precisando de um botox. Depois de mais de meio século, a cinquentona do cerrado começa a dar sinais de certo cansaço em suas avenidas. O trânsito, por exemplo, continua cada vez mais engarrafado, não somente no Plano Piloto, mas em qualquer lugar que se vá no Distrito Federal. E as obras viárias pipocam em toda parte com a promessa de um lifting milagroso que tornará as pistas mais livres e os trajetos percorridos mais rápidos. Mas já sabemos que não será exatamente assim.

Enquanto o carro for considerado o principal meio de transporte na capital, haverá pouca esperança de melhores dias para a mobilidade urbana. Brasília é como uma senhora ainda jovem, que acompanha as novidades tecnológicas e está sempre cuidando do corpo com cosméticos. Porém, pensa de modo analógico e, muitas vezes, escolhe soluções anacrônicas para novos problemas.

Camadas de maquiagem não vão disfarçar o fato de que o tempo passa e os velhos problemas permanecem. Mais vagas de garagem, por exemplo, não me parece solução se o crescimento da frota de carros na cidade tornou-se exponencial. Quanto subsolo deverá ser cavado para fazer caber todos os carros que precisam ser estacionados na Esplanada durante a semana?

Se depois de um dia exaustivo precisamos encarar um engarrafamento que vai da 210 Norte até a Ponte do Bragueto (e para além dela), é sinal de que as artérias da cidade estão precisando de um desentupimento – e nós de uma folga da loucura urbana. E ainda nem chegamos ao nível de São Paulo neste quesito.

“Todo dia ela faz tudo sempre igual” é o refrão da música de Caetano Veloso que sempre lembro quando estou voltando para o trabalho após o almoço. Qual a razão de todo mundo ter horários de chegada e saída parecidos? Não seria possível fazer um rodízio? Ou quem sabe uma aguda descentralização das sedes de órgãos públicos e empresas privadas não ajudaria a desfazer os nós do trânsito? Faltam políticas públicas ou as políticas existentes não funcionam?

Se as cinquentonas podem ensinar algo a Brasília é que não adiantam soluções paliativas para as questões fundamentais de convívio: é preciso enfrentar certas brigas. E soluções para questões coletivas surgem em função das demandas de quem vive os dilemas na pele. Não aparecem feito mágica da cabeça de um só grupo de especialistas, empresários ou governantes – nem vêm de bônus como os sachês perfumados nas páginas das revistas femininas.

Um futuro melhor para a cidade não depende de planos mirabolantes nem pretensamente futurísticos. A própria ideia que se faz do futuro mostra muito sobre o que somos no presente. Aliás, certas imagens de futuro já nascem velhas e a capital, em vários aspectos, mostra isso: um Brasil do futuro com cara de década de 1960.

No caso do trânsito, o que Brasília precisa é de um planejamento do transporte público mais justo e que atenda às necessidades dos moradores do DF. Para isso, é necessário mais participação coletiva em todas as instâncias de decisão político-administrativa.

Brasília já foi considerada “maquete”, “cidade da solidão”, “cidade sem povo”, laboratório de arquitetos e burocratas. Mas nós sabemos que a capital é muito – muito – mais do que isso. É o coração desse diversificado e complexo cenário chamado Distrito Federal. É cidade-parque, com lindos canteiros de flores e árvores frutíferas espalhadas por aí e, ao mesmo tempo, lugar de violência, desigualdade social e enorme assimetria no acesso a direitos sociais e bens culturais.

Como toda mulher madura, Brasília, está na hora de se reinventar. Deixe de ser essa dama sisuda dos cartões-postais vendidos na Catedral e caia nos braços de brasilienses, candangos, ceilandenses, taguatinguenses e todas as gentes migrantes que têm algo a dizer – e reivindicar – sobre a cidade onde escolheram estar.


*Liziane Guazina é jornalista e escritora

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