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Balada Sertaneja

O brasiliense é eclético em relação à música, mas não há dúvidas sobre o sucesso de um gênero em particular: o sertanejo rende noitadas caras, camarotes cheios, pista com gente bonita e cachês milionários

Leilane Menezes - Colunista Publicação:13/06/2014 09:30Atualização:13/06/2014 10:41

O cantor Wagner Simão é herdeiro da  família Sarkis: deixou os negócios para  investir no sonho e gravou clipe, que já  conta com mais de 900 mil visualizações  no YouTube (Raimundo Sampaio/Encontro/D.A Press)
O cantor Wagner Simão é herdeiro da
família Sarkis: deixou os negócios para
investir no sonho e gravou clipe, que já
conta com mais de 900 mil visualizações
no YouTube
É preciso espremer-se entre homens e mulheres para circular na pista de dança. A predominância de copos cheios nas mãos, sem derrubar uma gota em meio ao vaivém, indica o talento para equilibrista do público das casas noturnas sertanejas de Brasília. Para os que preferem menos contato físico, garrafas de espumante, uísque e vodca importada saem a noite toda direto do balcão para as mesas de camarotes alugados por até R$ 12 mil, às vezes com direito à consumação. Clientes não se importam em pagar cerca de R$ 500 pela bebida que custa R$ 100 em qualquer supermercado. O consumo se converte em status, arma poderosa para chamar a atenção e até conquistar companhia.

O relógio já marca 3h e não há planos de ir embora. A semana mal começou, ainda é terça-feira, mas o público não pensa no amanhã. O empresário Denilson Rezende é presença garantida nas festas mais disputadas de Brasília. Já foi convidado à área VIP mais cara da cidade, a suíte da Villa Mix, espaço semelhante a uma varanda, separado do restante do público e com entrada exclusiva. Não diz quanto gasta por noite, mas dá a entender que a quantia ultrapassa três dígitos. “Gosto mais do camarote mesmo. A suíte é isolada. Somos privilegiados de ter em Brasília a melhor boate sertaneja do país (Villa Mix)”, diz. A casa tem sete camarotes, com capacidade para dez pessoas cada um, ao custo de R$ 3 mil.



 (Raimundo Sampaio/Encontro/D.A Press)
A fartura de público e de dinheiro envolvidos seduz novos candidatos a artistas, empresários e faz desse mercado uma área em plena expansão. Há mais casas destinadas a esse estilo musical do que a qualquer outro, no DF e Entorno. Uma pesquisa rápida na internet indica 30 boates ou bares com música sertaneja. Não há números oficiais a respeito do setor, mas basta observar as principais baladas da cidade para entender a relação do brasiliense com o sertanejo. A começar pelos preços dos cachês pagos às atrações.

A prestação de contas da Secretaria de Cultura do DF em 2013 indica que os valores mais altos, excluindo da lista músicos eruditos e os nacionalmente conhecidos, foram pagos a duplas sertanejas com carreira construída em Brasília. A dupla Bruno e Marlow, veterana nos palcos, na estrada desde 1987, recebeu R$ 60 mil por um show. Pedro Paulo e Matheus levaram R$ 45 mil. Eventos privados seguem o mesmo padrão. Enquanto outras bandas conhecidas na cidade apresentam-se por, em média, R$ 4 mil, sertanejos locais levam até R$ 30 mil por três horas de show, em ambientes espalhados para além do Plano Piloto.

A alta dos cachês é motivada pela concorrência entre as casas. “Tem boate em Taguatinga que paga R$ 30 mil para uma dupla que não vale nem R$ 10 mil, só para não deixar a atração se apresentar no concorrente”, relata o gerente do Divina Living Bar, Bruno Caxeta. O Pistão Sul, em Taguatinga, concentra boa parte das boates sertanejas. As filas na porta indicam o poder de atração.

Não é só pelo dinheiro que jovens de sobrancelhas feitas e cabelos arrepiados desejam aproximar-se do mundo da fama. Dígitos na fortuna da família Sarkis multiplicam-se com a mesma velocidade que um sucesso sertanejo gruda na cabeça. Ainda assim, Wagner Simão, de 24 anos, filho caçula do milionário Wagner Sarkis, escolheu uma profissão diferente da familiar: é cantor sertanejo. O residencial e hotel Lake Side, o edifício Parque Cidade Corporate (com salas de aluguel acima de R$ 1 milhão) e a Estrutural Empreendimentos estão entre as centenas de bens da família.

Filho de dono de postos de gasolina, Ricardo Fiorillo (à direita)  juntou-se ao amigo Fred para formar a dupla: investimento ultrapassa R$ 300 mil para o lançamento (Bruno Pimentel/Encontro/D.A Press)
Filho de dono de postos de gasolina, Ricardo Fiorillo (à direita) juntou-se ao amigo Fred para formar a dupla: investimento ultrapassa R$ 300 mil para o lançamento
Até o ano passado, Wagner Simão, o herdeiro, administrava as empresas, ao lado dos dois irmãos mais velhos. Estudou nas melhores escolas da cidade e a estrutura familiar lhe permitiria escolher qualquer futuro. Cursou direito, mas não concluiu a faculdade. Faltou apenas uma disciplina, mas Wagner preferiu dedicar-se totalmente à música. “Meu pai e meus irmãos me chamaram para uma conversa. Perceberam o meu desejo de investir na carreira artística e me aconselharam a focar nela. O apoio deles foi fundamental”, afirma Wagner. O músico apresentou-se na festa do mais recente aniversário de Brasília, onde teve o maior público da recente carreira, na Esplanada dos Ministérios. Antes de investir no sertanejo, ele cantou em bares, experimentou a MPB e o pop rock. Interrompeu o trabalho para morar na Austrália por um ano. Quando retornou, encontrou-se nas batidas do sertanejo universitário.

 (Minervino Júnior/Encontro/DA Press)
Em maio de 2013, Wagner Simão começou uma nova fase, com altos investimentos em busca da fama. Lançou clipe da música Desce, com participação de Carol Portaluppi, filha do ex-jogador Renato Gaúcho. Contratou como diretor do vídeo o ator global Rafael Almeida, também brasiliense. As imagens foram gravadas no Rio de Janeiro e têm 910 mil visualizações no YouTube. “Eu adorei ter participado desse clipe. Uma superprodução, o Rafael arrasou na direção e todos estavam bem felizes. O Wagner Simão é muito animado e a música é ótima, bem chiclete e vai ficar na cabeça das pessoas”, disse Carol, em entrevista a um site de entretenimento.

Um dos maiores investimentos de Wagner Simão é a parceria com o produtor Maestro Pinnochio, dono de mais de 200 sucessos sertanejos gravados por Gusttavo Lima, Cézar Menotti e Fabiano, Jorge e Mateus, Eduardo Costa, Gian e Giovani, Daniel, Rio Negro e Solimões. O compositor é famoso por unir elementos do sertanejo de raiz com tons mais modernos. A mistura agradou a Wagner Simão, neto de mineiros e fã desse estilo desde criança. “Meu avô era engraxate e veio para Brasília como pioneiro. Meus pais nasceram aqui e eu também, mas as raízes são mineiras. Em Brasília, o pessoal já apreciava esse ritmo muito antes de virar moda em todo o país”, avalia Wagner Simão.

 

A dupla Henrique e Ruan domina a agenda cultural brasiliense. De quarta-feira a domingo, eles se apresentam em casas noturnas, sempre lotadas. O recorde de shows ocorreu em um mês de junho, quando os dois fizeram 33 performances. São queridos pelo público e respeitados no meio artístico, mas nem sempre foi assim. Vieram de Araxá de carona com parentes, em um Opala velho, sem dinheiro ou lugar para ficar. O caminho até se tornar a dupla mais requisitada de Brasília foi longo.

Quando chegaram à cidade, no início dos anos 2000, recebiam cachê de R$ 150. Consideravam a quantia uma fortuna, comparada ao valor que ganhavam em Araxá, R$ 50 por apresentação, sendo que R$ 20 iam para o empresário. Hoje, o pagamento é, no mínimo, 100 vezes maior. “Ouvia o povo dizer que artista tinha de ir para São Paulo, mas acreditei que Brasília, por ser a capital, era o lugar certo. Nós sempre fomos sonhadores, viemos de família pobre e não foi nada fácil”, lembra Ruan.

Dupla de maior sucesso em Brasília, Henrique  e Ruan já fizeram 33 shows em um mês:  quando chegaram de Araxá, cobravam  R$ 150  a apresentação; hoje, o cachê chega  a R$ 15 mil (Raimundo Sampaio/Encontro/D.A Press)
Dupla de maior sucesso em Brasília, Henrique
e Ruan já fizeram 33 shows em um mês:
quando chegaram de Araxá, cobravam
R$ 150 a apresentação; hoje, o cachê chega
a R$ 15 mil
A pouca idade dos dois, que têm 31 anos, pode enganar quanto ao tempo de carreira. A trajetória começou há 16 anos. Henrique trabalhava em uma locadora e Ruan era cliente. Tornaram-se amigos e logo descobriram o talento em comum. Ensaiavam na garagem de casa e foram incentivados pela família a se profissionalizar. Ruan, na verdade, chama-se Daniel, mas o nome Henrique e Daniel já havia sido registrado por outra dupla. O pai de Ruan é compositor da música Telefone Mudo, conhecida como hino da música sertaneja, mas não fez fortuna. “Nós temos história, não surgimos do nada. Não fazemos parte dessa safra que quer misturar funk e axé com sertanejo, temos muito respeito pelo gênero. O brasiliense é muito exigente, não aceita qualquer coisa. O público sabe quem tem talento, quem faz música por amor e quem é só oportunista”, afirma Ruan. Os dois abriram show de Zezé Di Camargo e Luciano, para 200 mil pessoas, e já viajaram pelo Brasil. Neste mês, dia 18, Henrique e Ruan lançarão o 10º CD da carreira, na Villa Mix. Ainda sonham com a fama nacional.

Não faltam novas apostas nesse mercado, sedentas pelo estrelato. Eleito mister DF 2013, Ricardo Fiorillo deixou de lado a carreira de modelo e os concursos de beleza para se dedicar à música sertaneja. No mês passado, trocou as fotos só de sunga que postava nas redes sociais por um visual mais comportado. Agora usa calças apertadas e blusa com um profundo decote, para exibir as horas de academia e tratamentos estéticos.

Fiorillo não terá problemas para sustentar a carreira, enquanto a família permanecer a seu lado. Ele é filho do dono de uma rede de postos de gasolina. Outros três investidores apoiam a tentativa do vaidoso mister de se lançar como cantor. Em maio, ele se juntou a Fred, para formar a dupla Fred e Fiorillo. Reservaram uma das maiores casas de shows de Brasília para o lançamento. Na plateia, elogios dos amigos e críticas negativas também. “Precisam treinar muito se quiserem fazer bonito”, disse um rapaz.

Denilson Rezende, empresário do setor de constru-  ção, é habitué dos camarotes: não diz quanto  gasta, mas não economiza   (Raimundo Sampaio/ENCDF/D.A Press)
Denilson Rezende, empresário do setor de constru-
ção, é habitué dos camarotes: não diz quanto
gasta, mas não economiza

Além de se sentir confiante, é preciso estar pronto financeiramente. Só o ônibus comprado pela dupla e coberto de fotos dos dois custou R$ 300 mil. “Se fosse 0 km seria bem mais caro”, ressalta Fiorillo. A dupla ainda investiu em telões de LED, caixas de som, cabos e outros equipamentos. “Tinha esse sonho de fazer carreira, até tentei há uns seis anos, mas não tinha maturidade. Agora, estou preparado. Meu objetivo é viver de música, mas sei que muitas duplas ficam só no sonho”, afirma Fiorillo.

No primeiro CD da dupla, há composições autorais e outras já famosas. Uma delas valoriza a ostentação. A filosofia do “sou o que tenho” não se limita ao funk. “Posso te falar qual é o esquema? Viver de ostentação é solução, e não problema. E o lema é: se adianta com dinheiro no bolso, chama as gatas pra brindar. Área VIP, camarote, só as tops, só malote”, diz a letra.

 

 (Raimundo Sampaio/Encontro/D.A Press)
 

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