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Guardião da memória nacional

Uma das maiores coleções de cartões-postais do país está numa chácara a 40 km do Plano Piloto. Entre mais de 100 mil peças do bibliógrafo Antônio Miranda, há preciosidades, inclusive da construção de Brasília

Paloma Oliveto - Publicação:17/06/2014 12:53Atualização:17/06/2014 14:00

Antonio Miranda é um colecionador de histórias. Revela suas lembranças com a naturalidade de quem já publicou mais de 40 livros, excluindo as obras técnicas. Parte do rico acervo de recordações está associada a outra coleção desse bibliógrafo apaixonado: os cartões-postais. São mais de 100 mil, com foco em cidades e temas brasileiros, englobando o período de 1880 a 2000. Guardados em uma chácara a 40 km do Plano Piloto, eles ajudam a reconstituir a memória do país. Entre as preciosidades de Miranda, que calcula ter o segundo maior conjunto de cartofilia do Brasil, há o registro da construção de Brasília e uma rara série de Santos Dumont.


Professor de doutorado da UnB, Antônio Miranda garimpou postais por 40 países: os cartões contam a história do Brasil (Minervino Júnior/Encontro/DA Press)
Professor de doutorado da UnB, Antônio Miranda garimpou postais por 40 países: os cartões contam a história do Brasil

A negociação dos cartões do inventor, aliás, rendeu mais uma boa história ao “carinhense” — maranhense criado no Rio de Janeiro, como se define. Em uma viagem a Madri, ele perguntou ao vendedor de uma feira de antiguidades se havia cartões da família imperial brasileira. “O cara disse: ‘E tem família imperial no Brasil?”, ri. Miranda explicou que, inclusive, os Orleans e Bragança eram aparentados dos Bourbon, da Espanha. Um tanto incrédulo, o vendedor disse que não tinha nada. “Então, perguntei se ele tinha alguma coisa do Santos Dumont. Aí ele falou: ‘Ah, o francês?’. Pensei que, se eu dissesse que o Santos Dumont era brasileiro, ele iria dobrar o preço. Aí respondi: ‘É esse mesmo’”.

O dono da banquinha ficou de conseguir os postais do aviador “francês” e, mais tarde, levou cinco peças, vendidas por US$ 500. Assim que entregou as notas de dólar, Miranda fez questão de contar ao vendedor que em um dos cartões havia nada menos que a foto da princesa Isabel com Santos Dumont. “Falei para ele: essa é a imperatriz do Brasil. Ele respondeu: ‘Mas aqui está dizendo que ela era a condessa D’Eu. Eu: ‘Claro, ela era casada com o conde D’Eu!’”, diverte-se Miranda. O cartão adquirido é um dos raros que retratam a princesa. Os do aviador somaram-se a outros de Santos Dumont colecionados pelo bibliógrafo, e que aparecem em um livro recém-lançado pela editora do Senado Federal.

As coleções de Miranda começaram na infância. Primeiro foram pedrinhas, bolinhas de gude, bilhetes de ônibus. “Adorava juntar coisa”, diz. Aos 13 anos, deu início ao acervo de postais. Como tinha muita curiosidade sobre o Brasil, começou a se corresponder com outros estudantes país afora. Dali para o mundo foi um pulo, e logo o pequeno Antonio trocava postais com novos amigos dos mais distantes lugares do planeta.

 (Reprodução)

Miranda também vestia calças curtas quando descobriu a literatura. Aos 8 anos, devorava livros, escrevia poesias e publicava as próprias obras em cadernos escritos e desenhados à mão. Ao mesmo tempo que lia e escrevia,  juntava postais. Aos 20 anos, colocou a mochila nas costas e foi rodar pelo país. “Era um hippie perfumadinho”, brinca. Por onde passava, fazia palestras sobre literatura. Na adolescência, decidiu ser autodidata e abandonou a escola. Mais tarde, para ter um título, fez exames supletivos dos antigos primeiro e segundo graus e prestou vestibular para biblioteconomia.

Em 1967, partiu em autoexílio para a Venezuela, onde se formou em bibliotecologia pela Universidad Central e até fundou um grupo de teatro. A formação acadêmica continuou mais tarde com um mestrado pela Loughborough University of Technology, da Inglaterra, e com doutorado em ciência da comunicação pela Universidade de São Paulo. Hoje, Antonio Miranda é professor da Universidade de Brasília. Entre 2007 e 2011, ele dirigiu a Bibilioteca Nacional da capital.

 

 

Miranda viajou a vida inteira. Nos 40 países pelos quais passou, buscou postais brasileiros. Certa vez, em Londres, deparou-se com um cartão com selo identificado como território boliviano. Comprou e, mais tarde, descobriu que, na verdade, era uma foto do Acre, antes de o estado ser anexado ao Brasil. As mais de 100 mil peças do acervo estampam cenas variadas. São fotografias de cidades, times de futebol, desfiles de carnaval, propagandas de época, retratos de escravos, cenas eróticas, desastres naturais, obras de arte, poemas autografados… “O postal é um documento histórico e artístico. Era a mídia no passado”, explica Miranda.
 
O forte da coleção do bibliógrafo vai de 1880 a 1930. A data inicial marca a publicação dos primeiros inteiros postais dos Correios do Brasil. Já a década de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, dá início à era da modernidade no país. Mas o acervo inclui peças que vão até o ano 2000. “Depois, os postais ficaram muito caros. Quando comecei, comprava-se cartão a US$ 0,10. Hoje, pode chegar a R$ 500”, diz.

Alguns cartões da coleção com a temática de futebol podem ser vistos no site de Miranda (www.antoniomiranda.com.br). No futuro, porém, a ideia é que todos os postais sejam acessados por curiosos e pesquisadores. O Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) pretende digitalizar o acervo de Antonio Miranda. Entre outros importantes episódios contados pelos cartões, está a história de Brasília, revelada por meio de peças que exibem tanto o dia a dia dos candangos na Cidade Livre quanto a construção dos monumentos da capital.

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