Pelo direito dos cães
Brasilienses cobram a livre circulação dos animais de estimação em todos os locais da cidade. Para eles, quem deve ser punido é o dono mal-educado
Em Brasília, os proprietários de pets lutam para ser acompanhados por eles onde quer que estejam. Seja em shoppings, restaurantes, parques, seja à beira do Lago Paranoá. E ai de quem cogita cercear a liberdade de seus companheiros. Em maio, cerca de 500 pessoas participaram da Cãominhada do Parque da Cidade para protestar contra o projeto de lei que previa o uso obrigatório de focinheiras mesmo para raças de pequeno porte. O texto, vetado pelo governador Agnelo Queiroz, também impedia o ingresso de cachorros a áreas de lazer e provocou um rebuliço nas redes sociais. Uma enquete no site do Correio Braziliense mostrou que a cidade é favorável à liberdade dos peludos: apenas 28% da população querem vê-los longe das áreas públicas.
A cadelinha não só parece acostumada, como dá sinais de que aprova muito o sucesso que faz. Assim que alguém se aproxima, Chanel fica na ponta das patas e balança o rabinho, toda animada. “Ela é uma exibida”, brinca Marise. A publicitária nunca ouviu comentários contrários à presença de Chanel em áreas pouco frequentadas por pets. “Pelo contrário, as pessoas são sempre muito simpáticas”, garante. No dia das fotos para Encontro Brasília, Chanel foi a um café e, em vez de olhares tortos, ganhou muitos beijos das funcionárias, encantadas com o charme da cachorrinha.
Nem sempre, porém, os pets despertam a simpatia de todos. Para o empresário do ramo pet Alexandre Sepúlveda Verlage Vazquez, é uma questão cultural. “Muita gente critica sem conhecimento. Esse projeto de lei mesmo não tinha nenhum embasamento, foi feito por quem não sabe nada de cachorro”, opina. Ele e a noiva são “pais” de cinco cães de grande porte – quatro goldens retriever e uma labradora –, que costumam acompanhá-los pela cidade. Os peludos vão ao parque, à Ermida Dom Bosco, à Península dos Ministros... Há poucos dias, um deles foi com Alexandre a uma loja de material de construção. “Ele tem direito de ajudar a escolher, a casa vai ser dele também”, brinca o empresário.
Para Alexandre, com o tempo, as pessoas vão se acostumar à presença canina em todos os lugares, como acontece no exterior. Ele conta que, na Europa e nos Estados Unidos, vê os peludos acompanharem os donos no dia a dia, sem serem incomodados. “Lá fora, eles são mais respeitados. Em Orlando, viu um cachorro entrar com a dona no McDonalds e ninguém se incomodou”, recorda. Para Alexandre, muito do preconceito que ainda se tem com os cachorros é por causa da falta de educação de alguns proprietários. “Se você tem um cachorro agressivo, não deve levar ao parque. Se o cachorro sujar, tem de limpar. É o dono que tem de ser responsável”, afirma.
A gestora educacional Maria Auxiliadora de Oliveira Martins concorda com Alexandre e acha que os animais não podem ser punidos pela irresponsabilidade de alguns donos. “Assim como os seres humanos, os cachorros têm direito de passear, de transitar por todo lugar”, defende. Dona de um sexteto de shih-tzus, ela acredita que, no Brasil, há restrição demais à presença dos peludos, o que considera um preconceito. Contudo, Bela, Bob, Duque, Lady, Will e Gaia jamais foram discriminados em seus passeios. “Pelo contrário, eles só ganham elogios”, conta.
Bruno tem um casal de golden retrievers e faz questão da presença da dupla onde quer que vá. Quando o servidor viaja, leva os dois, que se hospedam com ele em hotéis. Em Brasília, os companheiros vão até a restaurantes. “Se o gerente não aceita, não volto mais lá”, conta. “Se for parar para pensar, cada vez mais os animais fazem parte da família do brasileiro”, lembra Bruno.
Ainda não se sabe quantos moram em casas e apartamentos, uma dúvida que será sanada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): os animais domésticos passarão a ser incluídos nos levantamentos oficiais. Mas os dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação indicam que Bruno está certo: o faturamento desse mercado aumentou 8,1% de 2012 para 2013, colocando o Brasil em segundo lugar mundial no ranking de consumo de produtos para os pets.