Um terreno fértil para a cultura
Moradores da Asa Norte fazem campanha para construir um espaço cultural na área onde funcionava o centro de internação de adolescentes infratores
A pausa dos carros dá vida a um grande vaivém de pessoas que se reúnem para práticas esportivas e culturais. Assim é o domingo no Eixão do Lazer. Quem passou por ali em 18 de maio, na altura da 112 Norte, viu tecidos acrobáticos de circo misturados a fitas do esporte radical slackline, apresentações musicais, recital de poesias, leitura para crianças, árvore de ideias, lanche comunitário. O discurso dos presentes resumia-se na faixa fixada em frente à aglomeração, com os dizeres: “No lugar do Caje, queremos cultura!”. O chamado piquenique cultural, marcado pelas redes sociais, reuniu defensores da construção de um espaço cultural multiuso na 916 Norte, no local que abrigava o Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje), demolido no fim de março.
No piquenique cultural realizado no Eixão, mais de 300 pessoas assinaram um abaixo-assinado em apoio à iniciativa. Em uma petição on-line, pela Avaaz, até o último mês pelo menos outras 100 pessoas assinaram um documento em prol do espaço. Além disso, organizadores do movimento, que conta com uma página na rede social Facebook, ainda estão colhendo assinaturas. Outro ato cultural em defesa do centro está programado para acontecer neste mês.
A primeira pessoa a lançar essa ideia na rede foi o jornalista Roberto Seabra, morador do Lago Norte. Em 25 de abril, ele escreveu um texto convidando amigos para se unirem à proposta de um “sonho”: “No próximo sábado, será demolido o Caje, que não deixará saudades. (...) Mas o que será feito daquele espaço? Outro supermercado? Que tal construir ali uma biblioteca pública? Até hoje a Asa Norte ainda não tem a sua. Deixo aqui o apelo”. A ideia é que o espaço atenda não apenas os moradores da Asa Norte, mas também a população do Lago Norte, Varjão, Granja do Torto e Noroeste, entre outras áreas da região Norte.
A muda da estudante de ciências sociais da Universidade de Brasília (UnB) Isadora Dias foi trocada pelo pedido de um espaço para aulas de circo e de um muro de escalada. “Faltam espaços públicos para a prática de esporte em Brasília. Tem coisas que podemos fazer na rua, mas outras precisam de estrutura. A cidade está próxima de um dos maiores picos de escalada do país e não temos lugar para treinar”, diz Isadora. O músico e atleta Leonardo Galvão, campeão brasiliense em 2011 de slackline (esporte radical baseado no equilíbrio), também defende o espaço multiuso: “Queremos espaço para cultura e prática de esportes. O slackline tem crescido muito em Brasília, mas ainda precisamos de um espaço seguro e coberto para evitar lesões, já que o impacto com o chão é comum no esporte. Esse lugar ainda não existe na cidade”.
Os organizadores do movimento “Eu apoio o Centro Cultural da Asa Norte” destacam a falta de espaços culturais públicos na região, em contraste com a Asa Sul, que conta com o Cine Brasília, o Espaço Cultural Renato Russo e a Biblioteca Demonstrativa de Brasília. A subsecretária da Política do Livro e da Leitura da Secretaria de Cultura do GDF, Ivanna Sant’Ana Torres, teve conhecimento do movimento como moradora da Asa Norte, mas logo apresentou aos organizadores o projeto Bibliotecas do Cerrado, coordenado pela secretaria e aplicado, atualmente, na Biblioteca Nacional de Brasília e nas bibliotecas públicas do Cruzeiro e do Núcleo Bandeirante. O projeto tem o objetivo de tornar bibliotecas públicas centros de convivência, com oferta de leitura e atividades culturais e sociais para crianças, jovens, adultos e idosos. Ivanna afirma que a secretaria não conta com um projeto específico para o espaço antes ocupado pelo antigo Caje, mas, caso a instalação de uma biblioteca pública vinculada ao GDF seja realizada, o projeto apresentado pode atender aos anseios da sociedade civil. “Nós apresentamos a eles a nossa concepção de biblioteca pública: um centro de convivência, uma referência para comunidade em termos de informação e cultura, com espaço para exposição, cineclubes, debates, oficinas, estudos. E que tenha um pertencimento por parte da população”, afirma a subsecretária.
Além das bibliotecas públicas, a Secretaria de Cultura do GDF coordena outros 14 espaços culturais públicos. No último mês, no entanto, o órgão só apresentava a programação cultural de três espaços – Cine Brasília, Museu Nacional e Centro Cultural 3 Poderes – no site oficial. Diversos outros locais estão oficialmente fechados para reformas no mesmo momento, como o Teatro Nacional, o Centro de Dança, o Espaço Cultural Renato Russo e a Concha Acústica. A Secretaria da Cultura informou que outros 12 equipamentos públicos de cultura estão sendo construídos no DF, sendo sete por meio da Secretaria de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano (Sedhab) e três pela Secretaria de Obras. Em relação à proposta de construção de um espaço cultural na 916 Norte, a Secretaria da cultura informou à reportagem que “acha legítimo e apoia iniciativas para abrir espaços culturais que possam ajudá-la a cumprir seu papel de desenvolver a Cultura. No entanto, a demanda da sociedade precisa ser posta para o governo como um todo, já que o espaço, o terreno, não é da Secretaria de Cultura”.
Impasse do terreno
Segundo a assessoria de comunicação da Secretaria da Criança, havia uma estimativa de até 60 dias para a completa limpeza do local. O serviço está sendo realizado pela Novacap. Logo após a demolição do Caje, o governo do Distrito Federal defendeu a construção, no lugar do antigo centro, de um espaço que atendesse à juventude brasiliense. Mas a atual gestão da Secretaria afirmou apenas que “cabe à Secriança devolver o terreno ao tribunal, o que deve ser feito brevemente, e o tribunal vai decidir sobre a destinação da área”.
A assessoria do TJDFT informou que, quanto à destinação, o tribunal só irá deliberar sobre o assunto após a entrega do terreno. No entanto, quando a demolição da unidade de internação completou um mês, em 29 de abril, o gabinete da presidência do TJDFT enviou ofício ao governador do DF, Agnelo Queiroz, solicitando a devolução do terreno, “que servirá para a implantação de outras unidades jurisdicionais”.
Para influenciar na articulação em prol da construção de um espaço cultural, organizadores do movimento “Eu apoio o Centro Cultural da Asa Norte” chegaram a redigir a minuta de um projeto de lei que “dispõe sobre a autorização de criação do Espaço Cultural de Múltiplo Uso da Asa Norte”. O documento foi entregue ao gabinete do deputado distrital Wasny de Roure (PT), presidente da Câmara Legislativa do DF. Na justificativa do projeto, o movimento cita a Lei Orgânica do DF, que estabelece a garantia do desenvolvimento cultural do Distrito Federal mediante a “criação e manutenção, nas Regiões Administrativas, de espaços culturais de múltiplo uso, devidamente equipados e acessíveis à população” (artigo 248). A assessoria de Wasny informou que o deputado está disposto a integrar a discussão sobre o assunto, por meio de reuniões com a Casa Civil do DF e com o TJDFT.