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ARTIGO | Liziane Guazina »

Família, eh, família, ah, família...

Liziane Guazina - Articulistas Publicação:25/06/2014 13:46Atualização:25/06/2014 13:58

“Será que o concreto da capital também endurece nosso coração? Será que a burocracia faz nossa empatia pelo outro ficar guardada em algum buraco debaixo do asfalto? ”

 

Escutar a velha música dos Titãs, grupo de rock dos anos 1980/90 que fez sucesso entre jovens como eu, foi o que bastou para me fazer pensar sobre um aspecto não muito saudável a respeito de algumas famílias brasilienses. Não sei se por coincidência, logo depois que ouvi a música, fui impedida de me sentar em um restaurante bem conhecido na cidade por uma preocupada mãe que tentava segurar três mesas vazias para seus filhos e alguns parentes.


Pensei na hora que essa mãe era uma guerreira e cumpria bem o papel de defender o bem-estar dos seus. Mas também pensei, confesso, que ela poderia ter me poupado de grosseria e mau humor. Afinal, disputar uma mesa não precisa tornar-se uma luta de MMA.


Corro o risco de parecer antipática e bem ranzinza, mas não é de hoje que esse tipo de atitude chama-me a atenção. Tenho notado que, às vezes, as pessoas colocam os laços familiares acima de tudo e de todos, confundindo amor, proteção ou lealdade com algum tipo de incentivo a um comportamento ironicamente individualista e pretensioso – tornando-se quase uma família-gangue.


Em muitos lugares, a família-gangue chega como um bando disposto a disputar território palmo a palmo – e aos gritos. Seus membros querem, a todo custo, tirar alguma vantagem no espaço público. Ocupam lugares sem cerimônia, usam as crianças como desculpa para aumentar os limites de sua atuação, impedindo que as outras pessoas se locomovam ou simplesmente estejam perto de seu caminho.


Não se preocupam se atrapalham a fila, as conversas ou o trabalho dos outros. E, na onda das mídias sociais, só tiram fotos de si mesmos. Aliás, tem gente que fica incomodada se alguém diferente aparece ao fundo na imagem. Em tempos de selfies, Narciso não só acha feio como odeia o que não é espelho.


Até compreenderia a agressividade se essas famílias estivessem desemparadas por redes de proteção social, vivendo uma situação de vulnerabilidade. Nesses casos, a forma de defesa contra o mundo é o ataque. Porém, na minha experiência pessoal, a intolerância tem se alastrado justamente em quem teoricamente teve acesso às melhores oportunidades. Será que o concreto da capital também endurece nosso coração? Será que a burocracia faz nossa empatia pelo outro ficar guardada em algum buraco debaixo do asfalto?


Que família (em todas as suas múltiplas formas) é importante, ninguém duvida. Carinho de mães, madrastas; abraço de pais, padrastos, primos próximos e distantes, de avós e tios, são essenciais. Saber-se amado faz bem, melhora o humor e nos ajuda a seguir em frente quando a vida dá suas voltas ou faz curvas drásticas.

 

No entanto, estar no mundo também é um exercício constante de paciência. E esse verdadeiro desafio deveria começar na família; não só entre quem pertence a ela, mas também com quem não a integra. Será que, para além das liberdades e direitos individuais conquistados, perdemos para sempre de vista o ideal de fraternidade?


Claro que o individualismo exacerbado não é prerrogativa de grupos familiares nem de uma cidade como Brasília ou de qualquer outra. Nem quero confirmar certos estereótipos sobre a capital. Mas olhar com certa dose de autocrítica para o próprio umbigo de vez em quando pode ser uma boa ideia para melhorar a convivência nos dias de hoje. Aliás, acho que vou terminar o artigo por aqui para não esquecer de colar essa frase na porta da minha geladeira. z

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