Além de uma seleção de craques famosos, a Copa do Mundo trouxe ao Brasil uma abundância de sabores exóticos. Os camaroneses que visitaram o país, e mesmo aqueles que decidiram ficar na África, certamente torceram para o atacante Samuel Eto’o enquanto se deliciavam com pratos feitos à base de boldo chinês ou com um peixe assado regado a temperos não encontrados em nenhum outro lugar do mundo. Os equatorianos saborearam uma massa de milho misturada com carne de porco, entre outras opções tropicais. Seus adversários no jogo de estreia do Estádio Nacional Mané Garrincha no Mundial, os suíços, apreciam refeições fartas e sofisticadas que têm queijos nobres e a batata como ingredientes tradicionais. Para beber, o kirsch, uma aguardente de cereja negra.
Mesa posta pela delegação da Suíça, que fez o primeiro jogo do Mundial no Estádio Nacional Mané Garrincha contra o time do Equador
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Encontro Brasília visitou as três representações diplomáticas e conferiu a peculiaridade da culinária dessas nações. Cada um desses países tem costumes e rituais próprios à mesa, sempre marcados pela hospitalidade, pela cordialidade ou pela fé.
Quase do tamanho do estado de Goiás e com 10 mil anos de história, o Equador é berço das culturas chorrera e valdivia, que já faziam uso de alimentos com o milho, a quinua e a batata – ingredientes imprescindíveis em sua culinária. Todos os fins de semana, famílias de até 80 pessoas se reúnem em volta da mesa, bastante colorida e enfeitada com as chamadas rosas eternas, genuinamente equatorianas e capazes de viver mais de um ano. “Em nosso país, a gastronomia é algo muito importante para a união da família. A comida representa uma forma de manter unificadas a família e as amizades”, conta Horacio Sevilla-Borja, embaixador do Equador. Cada região equatoriana (a Cordilheira dos Andes, o litoral do Pacífico, a Amazônia e as Ilhas Galápagos) tem pratos deliciosamente originais.
“Temos uma tradição de comer ceviche com pipoca, algo que muita gente estranha”, diverte-se Laura Danoso González, adida cultural da embaixada.
O ceviche equatoriano é único: um marinado feito com sucos de limão, laranja e tomate, além de camarões, cebola, peixe e frutos do mar. O ceviche peruano, por sua vez, leva apenas limão, pimenta picante e sal. Um dos pratos mais típicos do Equador tem nome complicado e gosto inconfundível: os llapingachos, são tortilhas grossas de purê de batata recheadas com queijo ralado. “As batatas são molhadas e mescladas com achiote, um corante amarelado, e acompanhadas de ovo frito, abacate, alface e linguiça”, explica a embaixatriz do Equador, Elcira Sevilla. A mistura agridoce ressalta o sabor da batata e confere um toque bem tropical ao prato.
Visualmente, os tamales lembram um pouco a nossa pamonha. Mas a semelhança termina na textura (mais leve) e no recheio, que pode ser de carne de porco ou de frango, ovos, uvas-passas e azeitonas. “Os tamales são preparados com ovos, manteiga, sal e um pouco de açúcar, feitos sobre a folha de bananeira ou de achira, uma palmeira típica da região. Enquanto a pamonha é feita em água quente, nossos tamales são cozidos em uma panela especial, somente no vapor”, comenta a embaixatriz. As tradicionais empanadas de morocho também devem abastecer as mesas e os bares do Equador durante os jogos da seleção. São uma espécie de pastel de milho branco moído. Em seu interior, levam frango, queijo, ervilha e cenoura. Elcira Sevilla revela um segredo no preparo do prato: a massa deve ser colocada em dois plásticos, o que evita que as partes se colem antes da fritura em óleo quente. As refeições são apreciadas com o famoso licor Espiritu de Ecuador, elaborado com duas dezenas de frutas exóticas equatorianas, ou com a antiga cerveja Pilsener, fabricada em Guayaquil.
Já em relação aos costumes gastronômicos do time adversário dos equatorianos, o que dizem seus representantes é que muitos brasileiros ainda não apreciaram o fondue em sua acepção verdadeira. Os suíços sabem muito bem como degustar essa refeição. Segundo André Regli, embaixador da Suíça em Brasília, o autêntico fondue leva os queijos de tipos gruyère e vacherin, numa proporção de meio a meio, derretidos numa mistura de vinho branco, bastante alho, um pouco de kirsch e pimenta-do-reino. “Existe a tradição de que quem deixar o pão cair no fondue paga a garrafa de vinho”, brinca o diplomata.
O Ndole, prato típico de Camarões (cuja seleção jogará com o time do técnico Felipão em Brasília), é preparado com boldo e servido com mandioca, banana ou inhame
Outro prato bastante admirado é a raclette. “Colocamos a metade de queijo sob um forno especial. Após a peça derreter, pegamos uma faca especial e ‘raclamos’, tiramos o queijo fundido e o servimos com batata, cebolinha, pepino e pimenta-do-reino”, conta Regli. Consumido principalmente durante o inverno, é acompanhado de vinho branco. Cada vale suíço faz sua própria raclette. A culinária suíça recebe forte influência da França, da Itália e da Alemanha. Em outras épocas do ano, é comum comer rösti – uma batata cozida com casca no dia anterior e ralada, feita na frigideira com manteiga e temperada com sal e pimenta do reino, acompanhada com emancé de novilho. Trata-se de uma carne de vitela extremamente macia servida com molho de creme de leite, salsinha, champignon fresco e pimenta-do-reino branca. O Rösti também pode ser apreciado com salsichas de vitela envoltas em mostarda ou com uma salada de batatas. No retorno do esqui nos Alpes, os suíços costumam degustar a carne de Grison: salgada, temperada e seca.
Irresistíveis: as sobremesas são quase
sagradas nas mesas suíças e incluem a
prestigiada
musse de chocolate
De acordo com Regli, as grandes festas, como o Natal e a Páscoa, são ocasiões para celebrações ao redor da mesa. “O suíço é bem educado. As mulheres se servem primeiro. Depois, os outros hóspedes e, no fim, o dono da casa. Nas famílias mais católicas, sempre tem uma prece para agradecer pela comida”, comenta o embaixador. Aos domingos, a matriarca prepara o butter zopf, um tradicional brioche trançado amanteigado, que é consumido com carne seca. As sobremesas são quase sagradas nas mesas suíças e incluem a prestigiada musse de chocolate suíço, uma variedade menos doce, e uma torta de maçã – a fruta pode ser substituída por damasco, ameixa ou pera.
Agora, quando se fala no time que jogou contra a Seleção Brasileira no último dia 23 de junho, não dá para imaginar o tamanho das diferenças de costumes. Imagine uma refeição feita com boldo chinês. A massa da folha macerada e fervida com bicarbonato de sódio é misturada a amendoim, carne, bacalhau e camarão. Tudo é temperado com cebola, alho, gengibre e sal. À primeira vista, o Ndole, bastante saboreado no Camarões, assusta pelo amargor. No entanto, a presença da mandioca cozida na composição suaviza o sabor.
Marie Salomé Mapouna, recepcionista da Embaixada de Camarões em Brasília, afirma que esse é o prato mais famoso de toda a nação. “Depois de fervida, a folha passa por um processo de lavagem até retirar-se o amargor. A preparação começa na véspera de a refeição ser servida. Somente depois acrescentamos os ingredientes”, diz.
Marie Thérèse Ndjog, adida cultural da embaixada, conta que o país do oeste da África tem mais de 200 dialetos, mas que todo o país come o Ndole, que se estendeu por todo o território. O prato à base de boldo também pode estar conjugado a banana-da-terra frita ou cozida e ao inhame. Ela relata que as reuniões familiares ocorrem sempre aos fins de semana, com o chefe da casa postado no centro da mesa.
Segundo Mapouna, o patriarca sempre se serve primeiro, seguido pelos convidados, pelas mulheres e pelas crianças. “O chefe da família faz uma oração para abençoar os alimentos e convida os presentes a comerem”, comenta a recepcionista. Com forte tradição católica, Camarões também abriga protestantes e muçulmanos. A fé sempre está presente à mesa. A música também é importante, e o ritmo Makossa, o mais tradicional e famoso, funciona como um convite ao deleite.
Outro prato exótico, o sauce gombo é uma sopa de quiabo, com pedaços de peixe seco, carne e camarões minúsculos, os chamados crevettes, muito usados na culinária local. Exige uma boa dose de perícia – os camaroneses gostam do quiabo com muita “baba”. O mistério está em deixar o quiabo de molho em bicarbonato de sódio, a fim de conservá-lo verde. Essa refeição sempre está à mesa com o chamado foufou, uma espécie de cuscuz de mandioca, milho ou arroz. A consistência grossa ajuda a “segurar” nos talheres a forma pastosa do sauce gombo.
Assim como muitos brasileiros, os camaroneses apreciam um bom peixe assado. O poisson braisse é um pescado assado na brasa. É lavado com limão e coberto por um molho à base de cebola, alho, gengibre, pimenta-do-reino, salsinha e cebolinha; e acompanhado de bastão de mandioca e banana-da-terra frita. A maneira única de preparo confere um sabor inigualável à iguaria.
Os camaroneses sempre têm à mesa o vinho de palma, feito do tronco de uma árvore nativa do país, e comem um prato de cada vez – jamais os misturam, como nós fazemos. Também são típicos o bongo schtobi, um peixe temperado com hormi e djanssan (similar ao grão-de-bico), pimenta-do- reino, alho, cebola, manjericão e gengibre, e misturado com óleo de dendê. E o Koki, um bolo de feijão-tropeiro envolto na folha de bananeira, que lembra muito o acarajé.
Até o próximo mês, os maiores jogadores do planeta estarão em campo, enquanto uma seleção de sabores indescritíveis ajudará a celebrar gols, amenizar frustrações e comemorar a união dos povos.