Alegria sobre rodas
Moradores de Brasília confirmam resultado de estudo norte-americano e contam como são mais felizes pedalando pela cidade
Há menos de dez anos, um crescente volume de sociólogos, filósofos e psicólogos passaram a se debruçar sobre os diversos fatores demográficos da vida urbana que podem ser associados à satisfação com a vida. Os pesquisadores Erick Guerra, da Universidade da Pensilvânia, e Eric Morris, da Universidade de Clemson, ambas nos Estados Unidos, basearam-se na American Time Use Survey, um tipo de banco de dados norte-americano que entrevistou mais de 13 mil voluntários para desvendar como o americano usa o tempo disponível. As perguntas se relacionaram ao humor durante atividades selecionadas aleatoriamente.
O professor do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) Hartmut Gunther, pesquisador de trânsito, prefere usar um trocadilho para resumir sua opinião. “O carro gasta dinheiro e guarda gordura, a bicicleta gasta gordura e guarda o dinheiro”, diz. Para ele, a pesquisa feita pelos norte-americanos lembra a dissertação de mestrado de uma ex-aluna e atualmente professora da Universidade Federal de Sergipe, Zenith Nara Delabrida. Gunther foi orientador do trabalho que analisou a imagem e o uso da bicicleta entre moradores de Taguatinga. “As coisas começam a mudar, mas a bicicleta ainda é vista como um brinquedo para crianças ou objeto de lazer para os fins de semana, ainda não como um meio de transporte”, relata.
Outros resultados alcançados pelo estudo mostram que, como meio de transporte, a bicicleta é utilizada principalmente para pequenos trajetos, sendo a principal motivação o prazer de pedalar, especialmente para os mais jovens. Dados mostraram que a praticidade é o grande forte da magrela, pois, segundo os usuários, é mais rápida e cansa menos que ir a pé. O especialista acredita que, dependendo da cidade e do contexto, é possível ter uma infraestrutura boa para o uso da bicicleta. Questões como o clima e o estado das vias são essenciais, mas também deve ser levado em consideração o conforto do usuário, como local para guardar a bicicleta ao chegar ao trabalho e um vestiário para trocar de roupa e se refrescar.
O segredo dessa felicidade na locomoção diária é dividido por alguns defensores irredutíveis e se espalha a progressões geométricas. Presidente da ONG Rodas da Paz, criada há mais de dez anos para conscientização da violência no trânsito, o economista Jonas Bertucci acredita que os benefícios da utilização da bicicleta são incontáveis e em diversos aspectos. Ao pedalar é possível ter uma noção mais aproximada de quanto tempo será o trajeto. Porém, segundo ele, todas as vantagens individuais dependem de políticas públicas que permitam a integração das bicicletas à cidade. “Isso vai muito além de ciclovias. Quando falamos da integração das bicicletas, falamos em incentivar as pessoas a usarem menos os carros, utilizarem o transporte público e até andarem mais a pé do que de bicicleta.”
O incentivo às pedaladas pode causar uma redução geral nos custos de saúde pública. “É uma economia de recursos de saúde que já foi comprovada em países onde existe um número grande de pessoas que andam de bicicleta. No Brasil, houve um aumento de obesos, por exemplo, que poderia ser resolvido com um incentivo ao ciclismo”, defende Jonas.
Da ciclovia para o metrô, do metrô para o táxi, do táxi de volta às ruas. A palavra de ordem do corretor de seguros Wesley Moura é o transporte intermodal. Com a expressão, ele quer reforçar a integração da bicicleta e todas as outras formas de transporte disponíveis. “Muitas vezes até opto pela dobrável, que é mais simples de usar, se eu precisar pegar o ônibus ou um táxi”, diz.
Morador de Taguatinga, Wesley tem como regra usar outros tipos de transporte sempre que o trajeto for maior que 10 km. A regra vale até na hora de viajar para outros estados. Ele não abandona a companheira. Pedala até o aeroporto, despacha e resgata seu próprio veículo de transporte. Considera que de bicicleta é ainda mais interessante para desbravar novas regiões.
Há mais de uma década, Uirá conheceu Ronieli pelas ruas da capital. “Ela foi reticente no começo, achou estranho eu não ter carro. Mas foi percebendo que dá para se virar bem.” Tão bem que o casal chamou a atenção dos vizinhos ao ver Ronieli grávida do segundo filho na garupa de Uirá, que também levava Cauã, com pouco mais de um ano, na cadeirinha presa ao guidon. “Muita gente olhava curiosa, não é comum.”
Ele considera a opção pelo automóvel um contrassenso para os moradores da capital. “São várias as condições favoráveis como o terreno plano e o clima mais seco”, completa Uirá.
De acordo com os últimos dados do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF), em maio de 2014, a frota de veículos alcançou 1.525.935, sendo mais de 1,1 milhão deles de automóveis particulares. Carros que invejam o tempo de qualidade que Uirá divide com os filhos na entrada e saída da escola. “É um momento em que vejo muito estresse desnecessário, os pais parando apressados e pedindo para os filhos descerem logo.” Menos os de Uirá – ele acompanha os meninos Iuri, de 5 anos, e Cauã, de 6, de bicicleta e os leva até a porta da sala de aula. Os dois deram as primeiras pedaladas aos 3 anos de idade. “Eles adoram. Paramos para ver pássaros, um gavião e até um tucano. Mesmo não havendo lugar apropriado, posso prender a bicicleta em um poste e acompanhá-los até a sala.” Tudo isso sem gritaria, estresses, congestionamento ou perigo para os pequenos.