Um mecenas contemporâneo
O dono de um dos maiores acervos de arte brasileira contemporânea vibra com a produção local, fala sobre a amizade com os artistas e cita as dificuldades de manter uma coleção
Pelo contrário. Crítico, o advogado e ex-produtor musical se opõe à maré e defende o reconhecimento da base, que são os artistas, e não apenas das obras. Leitura que, para ele, não é a que prevalece para a maior parte dos galeristas e compradores. “Esses caras focam em vendas. O negócio deles é vender”, diz. “O meu não. O meu é tentar fomentar.”
O colecionador, que também empresta seu acervo para exposições – no início do ano, o Paço das Artes, em São Paulo, recebeu uma mostra com 116 obras, todas dele –, assume que um dos grandes impulsos do exercício de adquirir obras vem da descoberta de novos talentos. “Isso é o mais legal. Eu sempre fico fuçando”, conta.
Conhecer o profissional de quem compra os trabalhos, por exemplo, aparece como essencial na lista que, ele garante, não obedece a critérios práticos. “Eu tenho de conhecer o homem. Não consigo dissociar a obra do sujeito. Para mim, é uma coisa só.” E completa: “As obras são significativas, mas, para mim, ficam em segundo plano, porque, na verdade, estou colecionando amizades”.
Morador da capital desde os 10 anos, quando saiu de Curitiba, Carvalho nunca deixou por muito tempo a cidade cortada por eixos. Foi aqui que se deparou com o artista baiano, radicado na capital, Zive Giudicce e comprou a pintura que daria seguimento ao vício, como ele mesmo define o ato de conhecer um bom nome e levar seu trabalho para casa. Uma atividade tão passional que o faz negar, há 14 anos, um fogão novo à mulher. “Não, vamos comprar obras de arte, que mané fogão!”, repete, bem-humorado.
Carvalho acredita que começar uma coleção de obras de arte é simples. “Não tem mistério: a pessoa tem de gostar.” O acervo dele está distribuído em seis endereços, além da casa e do escritório. Especialista em direito público e advogado atuante, ele não esconde a indignação ao ver que a grande preocupação de um colecionador é a falta de apoio. “Por que as instituições públicas não têm um sistema bacana, museologicamente falando, para que possamos deixar em comodato?”, indaga. Crítico, Sérgio lembra que, sem a estrutura para armazenar e cuidar das obras, os compradores acabam estagnados no mercado. “Você deixa de investir em aquisição de obra para gastar uma grana em preservação”, explica.
Sobre Brasília, Carvalho enxerga hoje um bom momento na capital em relação à produção e à circulação de obras. “Está bem legal”, afirma. “Agora, finalmente, temos uma cena (de arte contemporânea). Devemos isso a três grandes professores da UnB”, pontua, citando Gê Orthof, Elder Rocha e Bia Medeiros. “Eles fizeram a cabeça de uma rapaziada aí e tem um monte de moleque muito bom: Camila Soato, João Angeline, Virgílio Neto, Márcio Mota, Rachel Nava, Milton Marques, Antônio Oba”, lista.
Como um dos palestrantes da primeira edição da SP-Arte fora de São Paulo, que ocorreu mês passado em Brasília, o colecionador reconhece a iniciativa de produtores para desbravar essa fatia do mercado na cidade, mas prefere outro caminho. “Feira é shopping”, compara. “Outra coisa é você ir a uma exposição, quando é possível ver todo o momento de determinado artista, com uma obra que conta a história dele ali”, frisa.
É esse contato que permeia a coleção de Sérgio Carvalho. “É muito mais afetivo do que monetário”, confessa. E menciona, quase certeiramente, o número de profissionais dos quais tem obra. “De 110 a 112, do Brasil todo.” Um saldo que, segundo ele, fala muito mais do que as peças em si. “Eu me tornei amigo desses caras. Amigo mesmo.”