Loira gelada e com outros atributos
Demorou, mas o brasiliense está fugindo da ditadura da american pilsen, rainha dos bares, para embarcar numa viagem de novas texturas, aromas e sabores
Depois de anos acostumado à loira de boteco, as convencionais vendidas em cada esquina, o brasiliense aprendeu que vários países, incluindo o Brasil, produzem uma bebida cheia de personalidade, muitas vezes seguindo receitas de pureza seculares, e tomando o cuidado para levar à mesa um produto diferenciado. As nossas “standard” têm, sim, basicamente água, cevada, lúpulo e milho (infelizmente metade da composição tem esse cereal não maltado para baratear o custo e aumentar o lucro), mas outros milhares de rótulos elevam o nível da cerveja e proporcionam ao apreciador algo que muitos ainda não conheceram: a degustação.
Elas não são chamadas de especiais à toa. Diferentemente das cervejarias tradicionais, muitos produtores do mundo não medem esforços para engarrafar algo fora do comum. Não há correria (cada produto tem o próprio tempo, independente da demanda do mercado), os ingredientes são caros e selecionados, e a ciência dos mestres cervejeiros é quase artesanal – mesmo nas cervejarias com grande volume de distribuição. “A cerveja especial é para pessoas que buscam algo mais sofisticado, uma nova experiência. É a caça de novos sabores. O lema sempre foi beba menos, beba melhor. Quando você passa a degustar cervejas especiais, que são mais encorpadas e com maior teor alcoólico, percebe que não é preciso beber tanto”, explica Luciana Ferreira de Souza, esposa e sócia de Antônio Jorge, proprietário do Empório Soares & Souza.
O sucesso das cervejas diferenciadas no Brasil é recente, uma vez que o surgimento das microcervejarias ocorreu há pouco mais de 20 anos. Nos Estados Unidos (com mais de 1.500 marcas) e na Europa, o setor já está consolidado, mas por aqui temos pouco mais de 200 empresas empenhadas em produzir algo peculiar. Brasília, no entanto, dá seus primeiros passos no mercado. Mesmo que poucos, há bares e lojas especializadas que apostam em uma carta com, pelo menos, 50 rótulos. As especiarias engarrafadas chegam timidamente às prateleiras dos supermercados há cerca de dois anos.
Não que o mercado brasileiro não seja promissor. De acordo com a Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), o Brasil produziu 13,4 bilhões de litros de cerveja em 2013. Desse total, as microcervejarias representaram 1% da produção, cujos empreendimentos se concentram principalmente nas regiões Sul e Sudeste. Ainda perdemos para China (35 bilhões de litros/ano) e Estados Unidos (24 bilhões de litros/ano), mas falta pouco para subirmos mais alto no pódio.
O vasto universo das cervejas especiais, com 120 estilos bastante peculiares (a nossa tradicional pilsen do bar, que na verdade é uma american lager, é apenas um deles), tem espaço para todos. Cada um que chega se descobre apaixonado por uma negra, uma vermelha, uma branca, doce, amarga, cítrica, defumada, enfim, alguma das dezenas de cervas diferentes do mercado mundial. Rapidamente você descobre que nossa “loira” anda por aí, há séculos, pintando o cabelo de marrom, negro, branco, vermelho, dourado e até âmbar.
Em Brasília, o Soares & Souza, o Grote Markt e a Boutique do Godofredo foram alguns dos estabelecimentos que cresceram e abriram caminho para outros empreendimentos, incluindo o recém-inaugurado bar Santuário. As novidades são constantes.
A professora Grace Ghesti tem mestrado em engenharia cervejeira e diz que, só este ano, recebeu 12 pedidos de consultoria de pessoas que estavam interessadas em montar microcervejarias por aqui. “É um investimento caro, por isso não é algo tão fácil de realizar. Mas a procura já indica que o mercado em Brasília está crescendo. Por enquanto, os interessados em criar uma cerveja estão alugando cervejarias para colocar um rótulo novo no mercado”, conta.
A evolução do mercado candango de cervejas especiais passa justamente pela fabricação de rótulos locais. Segundo os empresários do setor, a criação de microcervejarias por aqui vai ajudar a catapultar de uma vez por todas o negócio, como aconteceu em terras mineiras e paulistas.
Enquanto isso não acontece, o jeito é ir às casas especializadas, sentar e dar uma “volta ao mundo” com as cervejas especiais. Uma tarefa “chata” para passar o tempo enquanto o verdadeiro boom desse universo não chega.
ABC para iniciantes