Um exemplo a seguir
O Hospital da Criança completa três anos com um índice de cura de 80% e aprovação de 99,4%. Uma das razões do sucesso é o modelo de gestão: uma parceria público-privada
Seguindo protocolos internacionais de tratamento de câncer e doenças graves, o HCB registra, em média, 6 mil consultas por mês e tem índice de aprovação de 99,4%, aferido por uma empresa independente. Critérios como atendimento, limpeza e qualidade dos médicos foram mensurados e muito bem avaliados pelos usuários. Contribui para o sucesso o fato de ele ter sido construído e ser administrado em conjunto pelo Estado e pela sociedade civil organizada. Idealizado pela Abrace, instituição sem fins lucrativos de assistência às famílias de crianças portadoras de câncer, o HCB foi erguido com dinheiro público e doações. A gestão do local fica a cargo de uma parceria público-privada. Os recursos vêm do governo do Distrito Federal. A administração cabe à instituição sem fins lucrativos, criada pela Abrace, denominada Instituto do Câncer Infantil e Pediatria Especializada (Icipe). A construção do prédio ficou a cargo da Abrace. Foram anos para transformar o sonho de um hospital infantil público e eficiente em realidade.
Ainda na década de 1980, a Abrace reivindicava um espaço exclusivo para o tratamento de crianças com câncer. À época, os casos eram tratados no Hospital de Base, e as crianças compartilhavam as instalações destinadas aos adultos. “A fila para exames e procedimentos era a mesma para crianças e adultos. Muitas vezes, crianças eram deixadas no final da fila, já que as equipes achavam que era perda de tempo tratá-las”, lembra a pediatra Ísis Magalhães, diretora técnica do HCB, que trabalhou no Hospital de Base por mais de duas décadas.
Foram dois anos para angariar os fundos necessários e mais três para finalizar a obra. Erguido e equipado, o hospital ainda precisava de amparo jurídico para receber os recursos do governo. Como explica o superintendente do hospital, Renílson Rehem, é necessário para manter um hospital, funcionando o mesmo montante gasto na construção a cada ano. O impasse estava em encontrar os meios jurídicos para realizar o repasse. Uma das soluções foi a doação do prédio construído pela Abrace para o Estado. A outra foi viabilizar juridicamente a parceria público-privada entre Abrace e GDF por meio da instituição de uma organização social, ente capaz de celebrar contrato de gestão com o Estado. Assim nasceu, em 2009, o Instituto do Câncer Infantil e Pediatria Especializada (Icipe), gerido por um conselho formado por servidores públicos, médicos, representantes da Abrace e da sociedade. A aprovação do contrato de gestão arrastou-se por meses. Mais de um ano após a conclusão da obra, as portas do HCB ainda estavam fechadas. “Era muito ruim visitar o hospital, ver tudo montado e, em seguida, atender os pacientes num espaço improvisado no Hospital de Apoio”, lembra Ísis Magalhães.
Em novembro de 2011, com a vigência do contrato de gestão, foi inaugurado o hospital. Em quase três anos, foram mais de 1 milhão de atendimentos. A parceria, com o repasse de verbas do GDF e a administração do Icipe, tem dado certo, apesar de dificuldades. Para o subsecretário de Atenção à Saúde do GDF, Roberto José Bittencourt, responsável pelo contrato no lado do governo, a maior vantagem desse tipo de gerência é a flexibilidade e agilidade na contratação de pessoal e aquisição de insumos.
“A gestão do HCB deu certo porque o Icipe é extremamente bem qualificado. E a relação com a administração direta é feita por meio de um contrato de gestão rigoroso, com metas bem definidas e comissão gestora do contrato. Além disso, todo o repasse de recursos é monitorado e auditado”, diz o subsecretário Roberto Bittencourt.
Por ser um hospital terciário, que trata doenças graves ou crônicas, o HCB funciona por meio de referências. O paciente é recebido pela rede do Sistema Único de Saúde e, se houver indicação, é encaminhado para lá. Como a eficácia no tratamento de doenças como o câncer depende do rigor em cumprir a doutrina para cura ou controle da enfermidade, o que inclui respeito a prazos e celeridade no atendimento, manter esse ritmo é o maior objetivo da instituição. No HCB, o índice de cura de pacientes com câncer é de 80%, comparável ao de qualquer grande centro de tratamento do mundo. O que não significa que não seja necessário incremento na estrutura para atender a demanda. Por isso, a intenção da diretoria é dobrar a estrutura.
Apesar das dificuldades, a intenção é manter no segundo bloco o nível de qualidade de serviço oferecido atualmente. Cada detalhe é pensado para garantir o conforto das crianças. Há amplo espaço de espera nas alas. A decoração tem painéis com motivos infantis. Os laboratórios são equipados com máquinas capazes de fazer exames complexos com poucas gotas de sangue. O intuito é evitar o excesso de picadas nas crianças. Há brinquedotecas, sala de música, espaço de fisioterapia adaptado, jardins.
O hospital oferece aulas de música, dança, lutas e artes, sessões de filmes, contação de histórias, apresentações culturais. Conversando com funcionários, é possível conhecer histórias de pacientes anônimos. Aquele que era muito tímido, mas se tornou amigo de todo mundo. Aquela que superou a tristeza com as aulas de música. O menino que conheceu a primeira namorada no hospital.
Para Renílson Rehem, a gestão do Hospital da Criança ainda sofre por conta de entraves burocráticos, como o excesso de controle e auditorias. Mas a agilidade nas compras e contratações compensam. “O HCB não é uma forma de privatização da saúde. É estatal, pois é propriedade do Estado e público, pela função de servir a todos. Apenas a gestão não é do Estado. É a sociedade fazendo-se presente no que o Estado tem dificuldade”, explica. Segundo Rehem, combater o preconceito com a administração público-privada é um dos principais desafios do conselho gestor, além de vencer a falta de prática com o modelo.
Apesar de não agir diretamente no hospital, a Abrace continua a apoiar famílias de pacientes dentro e fora da instituição. Denise Souza, de 27 anos, é voluntária há um ano. Passou na frente do hospital e sentiu vontade de ajudar. “Acredito que um ambiente mais alegre favorece a recuperação da criança”, diz. Sua colega Eunice Pires atua como amiga do leito, acompanhando crianças internadas. “É mais gratificante para mim do que para elas”, diz ela, que ajuda meninos como Yuri Bryan dos Santos, de 4 anos, que fez quimioterapia por cinco meses para tratar um linfoma. “O que me marcou foi a atenção da equipe”, diz a mãe de Yuri, Aline Gomes.
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