De volta à casa
Três jovens chefs brasilienses aplicam na capital o que aprenderam com as experiências em renomados restaurantes nacionais e internacionais
Carlos Braga, de 37 anos, trabalhou como chef em Angola e chegou a primeiro cozinheiro do restaurante Mocotó, em São Paulo, um dos melhores do Brasil. Durante 12 anos, o contato de Carlos Braga com a gastronomia limitou-se à admiração. Era funcionário do Piantella, em Brasília, mas trabalhava longe da cozinha. Era manobrista no tradicional ponto de encontro de políticos e empresários. Eventualmente, acompanhava a montagem de pratos. Em segredo, alimentava o sonho de aprender.
Após a Lei Seca, Braga passou a conduzir clientes do Piantella à casa, quando haviam bebido e não podiam dirigir. Em uma das idas, fez amizade com um bem-sucedido engenheiro. Ao reconhecer o potencial em Carlos, o homem lhe fez uma proposta: pagaria a faculdade, se Carlos firmasse compromisso de jamais ser reprovado. Carlos aceitou parcialmente a ajuda do amigo, que custeou 50% das mensalidades. Assim, Braga cursou gastronomia no Iesb.
Com diploma em mãos e destaque entre os alunos, a vida se transformou. Ele foi recomendado por professores para trabalhar como chef de cozinha na Angola. Quando voltou ao Brasil, trabalhou no Clos de Tapas, em SP, comandado pelo empresário Marcelo Fernandes, um dos maiores descobridores de talentos do país e incentivador da carreira de Alex Atala. Depois, conquistou estágio no Mocotó, o 12º na lista dos 50 melhores da América Latina em 2014. “Temos um carinho muito especial pelo Carlos, que demonstrou ser um excelente profissional tecnicamente, além de muito responsável, inteligente e cooperativo. Ele é um amante da gastronomia brasileira e trabalhador”, elogia um dos gestores do Mocotó, Diógenes Sampaulo.
Lui Veronese, de 25 anos, tem no currículo o El Celler de Can Roca, na Espanha, eleito o melhor restaurante do mundo em 2013. Ainda criança, ele acostumou-se a subir num banco para cozinhar, sempre ao lado dos pais, apaixonados por culinária. A relação da família com a gastronomia era amadora. Lui, porém, não se contentou em ter as panelas como hobby. Tornou-se chef. “Temos muitos amigos nessa área em Brasília, e isso abriu portas para eu conhecer cozinhas profissionais, como a do Francisco Ansiliero. Considero-o meu mentor. Comecei fazendo de tudo, até formar um conceito de cozinha de autor, que é o foco do meu trabalho”, explica Lui.
Além do Francisco, ele passou pelo Piantella, onde decidiu seguir o caminho profissional. Estudou administração de empresas na Universidade de Brasília, pois já pensava em ter um restaurante. “Sabia que era necessário muito além de amor e talento. É difícil comandar uma empresa”, lembra. A primeira grande oportunidade fora de Brasília surgiu no D.O.M, o aclamado restaurante de Alex Atala, o sétimo melhor do mundo pela revista Restaurant. “Fiz um estágio de dois meses, no qual aprendi métodos para uma cozinha de excelência. Foi o que me preparou para as experiências no exterior”, afirma. Veronese é convidado por Atala, nas vindas a Brasília, a participar de apresentações.
O currículo de Veronese tem outros nomes de peso: o restaurante El Bulli, de Ferran Adrià, eleito cinco vezes o melhor chef do mundo; o Arzak, também na Espanha, e em oitavo lugar no ranking dos mais aclamados, Le Manoir aux Quat’Saisons, no Reino Unido, e De kromme Watergang, na Holanda, todos premiados e concorridos. “São experiências fantásticas, que ajudam a moldar a minha filosofia”, afirma. Hoje em Brasília, presta serviços particulares e se prepara para inaugurar o Cru, em parceria com Rodrigo Freire, no Clube de Golfe. “Não importa onde estiver, é preciso fazer o melhor trabalho possível e aproveitar cada oportunidade”, ensina.
Ao fim do aprendizado francês, Nunes seguiu para a Dinamarca, onde conquistou vaga de estágio no Noma, famoso por valorizar os ingredientes locais e também pela rigidez com que trata a equipe. “Nesses restaurantes mundialmente famosos, trabalha-se com uma equipe que ama o que faz, que não mede esforços. No Brasil, depara-se com muita gente nas cozinhas que não gosta do que faz”, compara. A temporada no exterior serviu como preparo para o maior desafio: abrir o próprio restaurante em Brasília. O nome é Jambu (escolhido por denominar um dos ingredientes do pato no tucupi), especializado em iguarias do cerrado e da região Norte. “Não devemos reproduzir a comida da França ou da Dinamarca. Temos de olhar para o que temos de melhor. O Brasil ainda faz pouco isso. O cerrado é muito mais do que pequi e castanha-de-baru.” A casa funciona na Vila Planalto e tem como estrelas ingredientes frescos, trazidos de fora, como o queijo de Marajó. O cardápio é variável e interativo. O cliente pode escolher, entre outras opções, um menu de sete etapas, pela internet, e ainda selecionar seus ingredientes favoritos. “O público de Brasília não é o mesmo de anos atrás. Há pessoas em busca de novas experiências. Vamos descobrir possibilidades”, aposta Leandro Nunes.