"É muito maior que o mensalão"
Um dos maiores criminalistas do país acredita que o escândalo da Petrobras envolve cifras superiores ao da ação que culminou com a prisão de petistas. Em entrevista a Encontro Brasília, ele esclarece questões técnicas e fala sobre as midiáticas ações da Polícia Federal
É difícil emitir opinião sem ter tido acesso aos autos. Com base apenas no noticiário da imprensa, pode-se imaginar que haverá não um único processo, mas vários inquéritos e processos em decorrência da Operação Lava-Jato. Há notícias da instauração de mais de 30 inquéritos e já existem, pelo menos, três ações penais em andamento. Em termos de valores envolvidos, o caso da Operação Lava-Jato é muito maior que o mensalão, pois agora se fala em mais de R$ 10 bilhões movimentados. No caso do mensalão, tudo não chegou a R$ 100 milhões.
2 | Num escândalo com a repercussão política que têm as denúncias feitas pela Operação Lava-Jato, qual o papel do advogado criminalista?
Ele pode vir a ser convocado para dar assistência jurídica na fase de investigações, para que os interessados ou investigados tenham acesso aos autos do inquérito. O advogado criminalista pode atuar, ainda, numa assessoria de gestão de crise, com orientações, reuniões, análise de documentos, resposta a solicitações, bem como relação com meios de comunicação social, além da assistência jurídica a empresa, seus dirigentes, empregados e consorciados.
3 | A delação premiada é um dispositivo benéfico em um processo?
Na verdade, há uma natural rejeição dos advogados e até de boa parte da sociedade ao instituto da delação premiada, na medida em que envolve uma atitude de traição, que nunca é bem recebida. No Brasil, embora a lei que trata do réu colaborador já tenha alguns anos, sua aplicação ainda é muito recente e há poucos casos concretos. A doutrina, tanto estrangeira quanto nacional, sustenta que no caso das organizações criminosas muitas vezes somente há êxito nas investigações com a colaboração de algum membro da organização e, por isso, as leis brasileiras vêm ampliando as hipóteses em que se admite a delação premiada e, na esfera administrativa, os chamados acordos de leniência.
4 | Em sua experiência, acredita que há realmente desequilíbrio entre os poderes no Brasil?
Sabidamente, há desequilíbrio entre os poderes no Brasil, pois o Executivo, além de ter a chave do cofre – ele controla o dinheiro público –, no presidencialismo exerce forte influência sobre o Poder Legislativo, no qual, muitas vezes, só são aprovadas as propostas legislativas que o Executivo quer. Isso sem considerar toda a problemática das medidas provisórias editadas pela Presidência da República.
5 | Como advogado criminal, qual sua opinião sobre o trabalho da Polícia Federal nos últimos anos?
A Polícia Federal ficou conhecida do povo brasileiro após 2003, com a mudança da forma de investigação e atuação por meio das chamadas operações. O curioso disso é que só há operações com base em decisões do Poder Judiciário, pois somente juiz pode autorizar a realização de busca e apreensão, bem como as prisões temporárias. Assim, a atuação visível e lamentavelmente midiática da Polícia Federal só ocorre se houver aprovação do Poder Judiciário. Sabidamente, o nível do trabalho da Polícia Federal é muito bom. Há profissionais de ótima formação. Em geral, a Polícia Federal tem uma atuação de polícia de Estado, o que é muito positivo para o nosso Estado democrático de direito. As exceções ocorrem em todos os setores do serviço público.
6 | Houve muitas mudanças no escopo do trabalho com direito penal desde que o senhor iniciou a carreira?
Sem dúvida, houve mudanças. No nosso escritório de advocacia criminal, que funciona há mais de 60 anos – estamos na terceira geração de advogados criminalistas –, houve uma natural evolução da atuação profissional, que se voltou mais para o direito penal empresarial, com uma clientela composta majoritariamente de pessoas jurídicas, seus diretores, sócios, gerentes e empregados. Esse é o contrário do que se verificava no início da carreira, quando a clientela era composta principalmente de pessoas físicas. A crescente criminalização de condutas no âmbito das empresas (legislação penal especial) levou a esta mudança de rumos no trabalho.
7 | Quais as características da relação advogado/cliente são peculiares ao advogado criminalista?
É fundamental a relação de confiança entre advogado e cliente na esfera criminal. O Código de Ética da Advocacia não exige do advogado criminalista, para aceitar a defesa de um acusado, avaliar a sua culpa, pois do contrário poderia haver prejuízo para a defesa dos acusados, que é uma garantia fundamental da pessoa humana prevista em todas as Declarações de Direitos Humanos.
8 | Como o senhor avalia a qualidade do ensino de direito no Brasil hoje e, em especial, do ensino de direito penal?
Como professor de direito há mais de 35 anos, tenho de reconhecer que a proliferação indiscriminada de cursos de direito prejudicou muito a qualidade do ensino jurídico no Brasil, tendo o Ministério da Educação autorizado cursos, em desacordo com o parecer prévio da OAB, sem o preenchimento dos requisitos mínimos exigíveis. O ensino de direito penal está sujeito às mesmas vicissitudes do ensino jurídico em geral.
9 | Tem sido muito criticado o Exame de Ordem da OAB. Como ex-presidente da OAB/MG, de que maneira o senhor vê essa questão?
A má qualidade do ensino jurídico tornou uma exigência plenamente justificada o Exame de Ordem. Assim como temos concursos para ingresso nas outras carreiras jurídicas (juiz, promotor, defensor), devemos ter o exame de ordem para ingresso na advocacia.
10 | Quais os principais desafios da OAB hoje?
Conciliar a atuação corporativa, que trata da defesa dos interesses específicos dos advogados, inclusive de defesa de suas prerrogativas profissionais, com a atuação institucional, como entidade representativa da sociedade civil, que tem compromisso com a defesa do Estado democrático de direito, dos direitos humanos, dos direitos sociais e individuais indisponíveis, o aprimoramento do ensino jurídico e o aperfeiçoamento da Justiça e das instituições jurídicas.