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Nas telas | José João Ribeiro »

O mercado da parcialidade

José João Ribeiro - Colunistas Publicação:28/10/2014 13:16

Cena do documentário O Mercado de Notícias, de Jorge Furtado: depoimentos de jornalistas entrelaçados com peça teatral (Fabio Rebelo/Divulgação)
Cena do documentário O Mercado de Notícias, de Jorge Furtado: depoimentos de jornalistas entrelaçados com peça teatral
O cineasta Jorge Furtado, comandante da tarimbada e excelente Casa de Cinema de Porto Alegre, não tem medo de cutucar um vespeiro. Em momento mais que oportuno, decidiu produzir o sensacional documentário O Mercado de Notícias, que esmiúça o papel da mídia tradicional, em paralelo com a atual e sólida democracia. Nessa destemida empreitada, entrelaça depoimentos de nomes do jornalismo nativo (nas palavras do calejado Mino Carta), em que faz questão de pontuar serem todos merecedores de seu mais sincero respeito, com os trechos da peça teatral do período elisabetano de mesmo nome (The Staple Of News, de 1625), escrita por Ben Jonson, dramaturgo contemporâneo de Shakespeare.


Essas cenas no tablado mostram, a partir do surgimento dos jornais e dos grupos de mídia, que muitas práticas de séculos passados ainda servem para fermentar manchetes em pleno terceiro milênio. E as entrevistas, em sua grande maioria, convergem na conclusão de uma falência e da pouquíssima influência dos jornais na formação das opiniões e dos conceitos dos leitores, cada vez mais esporádicos. Além da crise do papel e de seu inevitável desaparecimento, da realidade da internet, com toda sorte de blogs e de redes sociais, há uma descrença com os nossos tradicionais meios e conglomerados, que rasgaram de vez a fantasia, deixando de escanteio o bom jornalismo para priorizar os seus interesses econômicos e políticos.


Pelas palavras do bem-humorado decano, o grande Janio de Freitas, hoje colunista da Folha de S. Paulo, desde a ascensão do governo do presidente Lula, houve um nítido desvio de rota. Observa-se uma má vontade, na cobertura do atual sistema político, com os aliados/vizinhos da América do Sul, sem falar dos programas sociais de governo. Seguido por nomes como Paulo Moreira Leite, Luis Nassif, Mauricio Dias, Raimundo Pereira e Mino Carta, para citar alguns depoentes pinçados por Jorge Furtado, chegamos à evidente e assumida sentença que parte significativa da nossa maior imprensa tomou para si o papel “legítimo” de fazer oposição.


Nos trechos do depoimento da insuspeita Renata Lo Prete, esse rito perigoso funciona, até mesmo pela debilidade que devasta a atual oposição política brasileira. Ao comentar sobre as fontes, Renata relembra que, quando o PT era oposição, o “material” fornecido aos jornalistas, para eventuais denúncias, era bem mais consistente e corriqueiro que o ofertado agora. Se fossem esperar pela colaboração e pelo esforço dos congressistas de fora da situação, os jornais deixariam de defender seu pirão, entre as fartas verbas publicitárias, que sempre estiveram em jogo.


Com a mesma audácia do inesquecível Eduardo Coutinho, Jorge Furtado não esconde seu espanto com a onda de pessimismo trazida sempre nas primeiras páginas, frente a uma realidade de consumo e novos acessos diametralmente oposta. Sem se esquecer das injustiças e dos absurdos, como o exemplo máximo do caso da Escola Base em São Paulo na década de 1990, com O Mercado de Notícias exalta a defesa, sempre na ordem do dia, de princípios fundamentais ao Estado Democrático de Direito.

A escolha certa: seria muito bom que um filme brasileiro aparecesse entre os cinco selecionados no próximo Oscar para concorrer na categoria de melhor estrangeiro. Por isso, é fundamental a consciente e responsável escolha por parte da comissão reunida pelo Ministério da Cultura. E pelo segundo ano (em 2013, O Som ao Redor foi o indicado), a seleção acertou em cheio com a aposta de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho como o pré-indicado para a consideração dos figurões da Academia em Los Angeles. O filme de estreia do diretor Daniel Ribeiro trata da descoberta da sexualidade de um adolescente cego. Um projeto feito com o coração, delicado, pensado para o público adolescente, que discute em momento crucial, a urgente pauta da diversidade sexual em nosso país.

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