Os mecenas do século 21
Por que tantos brasilienses estão aderindo (e se beneficiando) ao fenômeno do crowdfunding, a nossa "vaquinha virtual"
O fenômeno do crowdfunding – traduzido para o Brasil como “vaquinha virtual” ou financiamento coletivo – revela uma rede de contribuintes altruístas que, em nome da arte ou de um exemplar exclusivo, topam cooperar com R$ 5, R$ 500 ou até R$ 5.000 para que um projeto independente e distante do grande público saia do papel. Esse mecenato contemporâneo embarca na aventura de acompanhar todo o processo de idealização e concretização de filmes, livros, discos, revistas e acervos fotográficos. A proposta é arrecadar dinheiro (um pouquinho de cada um) por meio de uma plataforma virtual, visando à concretização de um projeto. Ao participar, entram na torcida para atingir o montante total necessário para alavancar a produção do que era rascunho de uma obra de arte. Mas quem são eles?
O envolvimento com as ferramentas foi tal que ele mesmo colocou sua ideia na rede e conseguiu a verba suficiente para produzir os primeiros exemplares do livro-objeto As aventuras subjetivas de Björk. Ele é responsável pelo projeto gráfico do volume, o texto é de André Costa, que se junta ao trabalho da artista visual Adriana Peliano. “É um projeto diferente e queríamos também saber se encontraria um público, se valia a pena ser desenvolvido. Acabou funcionando como uma pré-venda. Quem contribuiu fazia uma compra adiantada, ajudando o projeto a acontecer.”
O auxílio de Juliana Pedro para o livro acontecer, por exemplo, foi essencial. Proprietária do Ernesto Café, Juliana se vê rodeada diariamente por intelectuais, escritores, jornalistas, professores universitários e músicos da cena artística de Brasília. Muitos projetos são pensados e desenvolvidos nas mesas do estabelecimento que, de uma forma ou de outra, acaba contribuindo para impulsionar a produção de obras locais. No entanto, o fomento era tímido, até então, e se reservava ao uso do espaço do café para algumas exposições, lançamentos ou mesmo camarins de peças de teatro.
Segundo o coordenador de comunicação do grupo Catarse, Felipe Caruso, o uso do financiamento coletivo gera um impacto significativo na produção artística local, principalmente para projetos que não eram contemplados pelas vias tradicionais. Ele frisa que em outros países, como Estados Unidos, Alemanha e Holanda, nos quais a ferramenta surgiu há mais tempo, o impacto é inegável. Hoje, a principal plataforma norte-americana, o kickstarter, gera mais verba para a indústria cinematográfica que a própria agência de fomento governamental. Também, de acordo com ele, forma a segunda maior editora de livros e quadrinhos. “Gerou mais de um bilhão de dólares para a economia americana. Não tem como não perceber isso.”
Ele considera haver um potencial já perceptível no Brasil. “Essa é uma forma de realizar as coisas. É encontrar pessoas para dividir custos e realizar ideias”, completa. A velocidade ainda reduzida que atinge o país é parte de um movimento lento de construção de uma cultura mais colaborativa em que predomina o “espírito de cooperação”. Na maioria dos casos, pelo menos 50% da arrecadação virá da própria rede de contatos do realizador.
“A essência das finanças não está na especulação, mas no financiamento de atividades. Por isso, a esperança na iniciativa do crowdfunding.” As palavras são do professor do Instituto de Economia, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Fernando Nogueira. Ele compara o fenômeno ao que acontece hoje com o Wikipédia, considerado também uma iniciativa “crowd” (do inglês, multidão). Elas comporiam um pacote de soluções simples, que vêm sendo adotadas em comunidades, como a moeda local, sistema mútuo de troca de tempo e o sistema de permutas, todos baseados na colaboração. “São utilizadas em alguns locais do mundo para que comunidades locais e até mesmo grandes empresas possam viver com autossuficiência. Esse novo mundo é possível? A priori, um pesquisador não pode dar uma resposta certa a respeito do futuro.”
Para Ju Pagul, proprietária do Balaio Café, esse é o fator que torna tudo ainda mais interessante. Suas propostas colocadas para financiamento coletivo normalmente seguem uma linha de inclusão social das minorias. A iniciativa é conhecidamente usada para a promoção de eventos e exposições no café e agora, pelas mãos de Pagul, deverá tomar a internet. A ideia que está em processo de desenvolvimento da plataforma é de um site de financiamento coletivo voltado para temas que envolvam as minorias sociais.
“Será uma plataforma colaborativa que foge do lado institucionalizado para o apoio de ações culturais protagonizada pelas minorias”, define. Serão aceitas qualquer tipo de linguagem criativa, como filmes, livros ou discos. A escolha por criar uma plataforma de financiamento coletivo se instala na facilidade de atingir os indivíduos, na autonomia dada aos autores, na desburocratização e na transparência. “As possibilidades são múltiplas, os artistas podem se sentir mais livres e temos também a parte social, que já é um lema do café”, conclui.