O batuque feminino
Em uma década, o grupo feminino de percussão Batalá já uniu mil mulheres na paixão pela música, encantou Michelle Obama, primeira-dama americana, e tocou até com os Rolling Stones
O som dos tambores vem em sintonia com as batidas do coração e a música de mulheres dos 18 a 60 anos; brancas, negras, loiras e mulatas; de Santa Maria, de Sobradinho, de Planaltina, do Lago Sul e do Park Way. A tribo urbana do Batalá está celebrando dez anos de batucada, pulsações, encontros, diálogos, rituais, afetos e solidariedades com um livro, uma exposição e oficinas de percussão. Ele já é um patrimônio da cultura de rua em Brasília.
Em Salvador, existe a banda Didá, também constituída apenas por ritmistas femininas. A diferença é que o Batalá expressa a miscigenação brasileira e candanga, com mulheres de várias origens regionais e etnias. O grupo não é, originalmente, de Brasília. Existe em 11 países, mas ganhou uma cara feminina e brasiliense ao aterrissar no Planalto Central. Nasceu em 1977, na França, por iniciativa do percussionista baiano Giba Gonçalves, que iniciou os franceses na rítmica dos instrumentos afro-brasileiros. A brincadeira multiplicou-se em bandas pelos Estados Unidos e Europa.
Nessa época, o empresário brasiliense Paulo Garcia estudava em Portland, na Inglaterra. Lá, paradoxalmente, ele redescobriu a brasilidade, pois os ingleses são apaixonados pela percussão brasileira e formam escolas de samba. Ao participar de uma oficina de candomblé, toque e batuque, ele conheceu o mestre baiano Giba: "Lá você tem acesso ao ensino de qualidade sobre a cultura brasileira. Ele me contou que havia fundado o grupo de samba reggae Batalá em Paris", lembra Paulo. "Logo, peguei alguns instrumentos em Paris e formei um Batalá em Portland."
Batalá é uma associação cultural, musical e terapêutica, com a estrutura de uma ONG sem fins lucrativos. Não é preciso ter formação musical. Qualquer mulher pode participar. É um projeto de percussão global e de inclusão pelo batuque do samba reggae: "Em Brasília, é incrível, há mulheres de Santa Maria convivendo com as do Lago Sul. Tem mães, filhas e avós. De repente, tem uma empregada doméstica liderando um grupo com a participação de advogadas, médicas e universitárias. O Batalá proporciona a oportunidade de superar as barreiras de classes sociais".
Ao longo de dez anos, o Batalá acumula as mais inusitadas histórias. Houve casos de mulheres que estavam na fila para fazer transplante de rim e os médicos as liberaram para tocar: "Elas pediam: ‘se eu não tocar, vou adoecer mais’. Os médicos sabiam que, mesmo com o esforço físico e o peso do instrumento, o convívio social e o som do tambor fariam bem à saúde", diz Paulo.
O grupo gravou dois CDs e abriu três shows dos Rolling Stones em 2009, em Nova York. O convite para participar das performances com a banda inglesa surgiu porque o Batalá faz, todos os anos, a lavagem da Rua 46, em Nova York, no Brasilian Day, com dois grupos da região, um local e um de Washington.
O Batalá foi o único grupo cultural que se apresentou em Brasília para a primeira-dama dos Estados Unidos, Michelle Obama, em visita pelo Brasil.
Michelle aplaudiu calorosamente a banda e quase saltou da cadeira para dançar. Ela enviou uma carta ao grupo, agradecendo por aquele instante de alegria em meio às formalidades e tensões de uma viagem diplomática: "Michele escreveu que havia sido muito bom encontrar pessoas que parecem muito felizes no que estavam fazendo", conta Paulo.
Quando começou, Paulo não imaginava que o batuque pudesse sensibilizar tantas mulheres e promover tantos encontros: "São muitos os relatos de mudanças proporcionadas por um simples projeto cultural. O batuque é um momento especial, de alegria e de comunhão. É uma forma de conectar pessoas, unir raças, cores, classes e gerações".