A nova cara do Piantella
Grande conhecedora da gastronomia, a nova dona de um dos mais tradicionais restaurantes de Brasília, Valéria Vieira, quer modernizar o velho templo, mas "sem excessos"
Quem está à frente da empreitada é a jornalista Valéria Vieira, formada em gastronomia pela Leiths School of Food and Wine de Londres e mulher do advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, especialista em causas midiáticas. Eles compraram a parte que cabia ao antigo proprietário, sócio de Kakay há 16 anos, Marco Aurélio Costa, que fundou a casa no fim dos anos 1970 e conquistou a confiança (e o paladar) dos políticos da capital do Brasil a ponto de o restaurante se tornar o principal ponto de encontro dos poderosos que governam o país – independentemente do partido, diga-se. “O Piantella é de uma época em que a cidade estava começando, tinha poucos restaurantes. E sempre teve uma proposta de ser sofisticado. Há 37 anos serve rã, escargot... imagine só?”, diz Valéria, comparando com as “facilidades” de hoje, que qualquer restaurateur pode ter acesso a bons fornecedores e ingredientes frescos.
Mas ela não acha que o sucesso da casa se deve somente a isso. “A carta de vinhos é invejável, a equipe é discreta, refinada e muito bem treinada (algo raro)”. Ela conta que alguns clientes nem precisam dizer o ponto da carne e recebem o prato quase personalizado, porque o pedido foi para a cozinha com a observação “risoto do fulano”.
Como o esmero no trato ela não quer mudar de jeito nenhum, a ideia é dar uma enxugada no cardápio – “Já que papaya com cassis ninguém pede mais, por exemplo” – e acrescentar saladas, fazer pratos menores e mais leves, continuando um misto de francês e italiano: “Vamos inovando aos poucos, mas com a promessa de que, se tiver muita reclamação, a gente volta atrás”.
Frequentadora assídua de bons restaurantes, Valéria diz que não mudar o cardápio de tempos em tempos seria uma incoerência. Mas o Piantella é mesmo uma exceção à regra: só nele uma filha de deputado que morou na cidade há 15 anos volta ao restaurante preferido do pai, pede profiteroles e chora de emoção ao sentir o “gosto da sua infância”, como aconteceu recentemente. “Nós temos esse papel, que é muito legal. Não dá para mudar tudo de repente, radicalizar”, comenta a nova dona.
Mesmo com poucas mudanças na essência do restaurante, a partir de 15 de novembro (que é quando o Piantella deve reabrir), quem for ao salão vai encontrar um ambiente totalmente novo, sem as antigas poltronas acolchoadas, as cortinas e a lareira, que fazem parte do imaginário popular brasiliense. Até o famoso quadro com o retrato de Ulysses Guimarães talvez não esteja mais lá, já que Valéria se diz desapegada e opta por um clima mais clean, que preze o conforto. A equipe de Elaine Verçosa está à frente do projeto arquitetônico e Sérgio Borges é o paisagista responsável pelo novo jardim.
Com tanto investimento e preocupação, a ideia é trazer também novos clientes não só para a casa principal, na 202 Sul, mas também para o bistrô, filho mais novo do negócio entre os mesmos sócios. O Bistrô Expand funcionava primeiramente como loja de vinhos, na 402 Sul, foi se aprimorando na cozinha e agora – também depois de uma boa reforma – se prepara para abrir como Piantas, o apelido carinhoso do empreendimento maior. “O Piantella continua com os clássicos e no Piantas Bistrô vamos ousar mais”, conta Valéria, que continuará com a loja de vinhos, oferecendo cursos e degustações, e agora investe também em um bar com uísques, drinques e charutos.
Até o engraxate Roberto de Lima, que desde os 10 anos tem sua banca na porta do restaurante, anima-se com a nova fase do Piantella. Aos 33 anos, ele costuma colocar terno e gravata para entrar no salão e pegar embaixo da mesa os calçados de fregueses antigos, que, enquanto almoçam, ganham “um trato” no sapato. “O meu preço é R$ 7, mas ganho boas gorjetas aqui.”
Para ele, nada vai mudar. O desafio maior agora é mesmo do casal proprietário, que, aliás, tem uma história inusitada no amor. Eles namoraram durante a adolescência em Patos de Minas (MG), ficaram anos sem se ver quando ela morou na Europa, cada um viveu outros casamentos, e, há 14 anos, eles estão juntos novamente. No amor e nos negócios, agora o investimento é visando a um final feliz. “Para durar bem mais que 37 anos”, diz Valéria.