As lições de Teresa
Quem é a mulher, filha de comerciantes pernambucanos, que desbravou Brasília desde 1960. Ela cresceu com a cidade e, a despeito de todas as desventuras da vida, consegue manter a família desmedidamente unida
Mas talvez sorte não seja a palavra certa para definir os motivos que levaram dona Teresa a ter uma vida exemplar e servir de inspiração para as dezenas de pessoas que convivem com ela todos os dias. Não é em destino que ela acredita, prefere dizer que é feita a vontade de Deus. Mas imediatamente concorda que, quando fazemos o bem, é o bem que retorna para nós: “Eu penso que não precisava de tanto mandamento, tanta lei, constituição: a principal é amar a Deus e ao próximo como a si mesmo”, diz.
A fé é, para ela, mais que uma virtude. É um direcionamento. “As pessoas deveriam fazer mais por amor, praticar a solidariedade. Quem me dera conseguir transmitir aos meus filhos o que eu sinto. É a coisa melhor do mundo confiarmos em Deus.” Mesmo que talvez não tenha ideia da dimensão do êxito nesta empreitada, sua parte ela faz, nas aulas de catecismo. Ela foi a professora de todos os filhos, netos e agora ensina aos bisnetos. A igreja, como instituição, não tem dúvidas de que ela instrui corretamente e reconhece a preparação para a Primeira Eucaristia, que acontece uma vez por semana no apartamento da família, na 206 Sul.
Os valores, dona Teresa diz que aprendeu com os pais. A família de comerciantes de hábitos simples se criou em Aracaju e sempre foi muito unida, apesar de bem menos numerosa que o núcleo que ela formou posteriormente – são três irmãs e um irmão, já falecido. As duas mais velhas moram em Aracaju e a mais nova em Brasília. Elas se visitam com frequência e costumam viajar juntas para fora do Brasil. A caçula Fernanda Sobral tem 65 anos e diz que “Tetê” é a sua “irmãe”: “Nasci quando mamãe já tinha 47 anos, e Tetê cuidou muito de mim, sempre foi presente e protetora, na medida certa. Os meus dois filhos são como netos dela”, diz. Fernanda veio para Brasília em 1972 e só se mudou do apartamento da irmã quando se casou, cinco anos mais tarde.
O motorista Luiz Ailton dos Santos trabalha para a família há 24 anos e diz que todos são muito bons e respeitosos com ele. E não reclama de não parar quieto: “Busco um neto, levo um filho, vou atrás de uma encomenda e acho muito bom. Tenho admiração por todos eles.” Hoje o carro é um Palio Weekend, porque Teresa gosta de espaço – mas, como se vê, é bem modesta –, entretanto, quando Ailton chegou, eram três veículos: Ailton dirigia um, ela dirigia outro e o marido, dr. Armando, outro. “Não dava para levar todas as crianças para o colégio em um carro só, seriam várias viagens”, diverte-se Ailton.
Ao longo de um ano eles namoraram, noivaram e se casaram, ela com 19 e ele com 29. E a diferença na idade nunca foi problema, mas os ideais... quase. “Um dia eu contei que queria ter 12 filhos e ele ficou oito dias sumido. Quando reapareceu, perguntou se eu tinha pensado direito naquilo. Eu disse que sim, mas que não tinha mudado. Aí ele acabou se acostumando com a ideia. Mas nunca me cobrou nada, justiça seja feita!”
Os primeiros seis meses de casamento, em meio à campanha vitoriosa do marido para deputado estadual, foram uma eternidade para a mulher que sonhava em começar a se perpetuar. Em uma viagem para o interior de Sergipe, para acompanhar a contagem dos votos, ela confidenciou a uma tia que achava que estava demorando a engravidar. Recebeu o conselho de fazer uma novena para Santa Terezinha do Menino Jesus e ali mesmo começou a direcionar as preces àquela que viria a ser sua santa protetora. “Eu não sabia que ela era tão milagrosa e que, quando atende, o sinal é a pessoa ganhar uma rosa. Pois você não acredita que um dia, no meio da novena, eu fui atravessar a rua e me deparei com uma moça que me entregou umas flores dizendo que ia viajar e não podia levar no ônibus. Não sei nem como eu tive pernas para voltar para a casa de minha tia. Sabia que era o começo da realização do meu sonho. E não deu outra. Saí de lá grávida, acredita?”, narra.
Interessante que as dificuldades para criar uma família tão numerosa nunca foram empecilho para ela acompanhar o sr. Armando nos projetos de vida dele – o companheirismo e a cumplicidade eram mútuos. Quando ele foi eleito deputado federal, todos se mudaram para o Rio de Janeiro e, mesmo não gostando da “cidade grande”, Teresa não se queixou de morar lá por cinco anos. “Cheguei com quatro filhos e saí com oito”, destaca.
“Quando Juscelino começou a anunciar que Brasília ia ficar pronta, a gente já deslumbrava o paraíso para se criar família grande. Uma cidade mais calma, com tudo perto, escolinha, supermercado. E isso aqui parecia uma grande fazenda, mas com uma estrutura ótima. O apartamento é excelente até hoje, olhe só! Fiquei apaixonada pela cidade e até hoje sou uma grande admiradora de Juscelino, Lucio Costa e Niemeyer. Não me canso de dizer.”
E dona Teresa se lembra com vivacidade de quando Armando foi nomeado pelo presidente João Goulart a ser ministro do Tribunal Federal de Recursos, hoje Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Chegamos muito animados. O baile de gala da inauguração da cidade foi inesquecível.”
Tempos depois, ele me mostrou no jornal um nome: o remetente da encomenda estava sendo julgado e nós ficamos aliviados por não ter aceitado”. A fama de “durão” do sr. Armando atravessou os tempos de ditadura e o acompanhou até sua morte, em 1994 – um duro golpe da vida para a mulher que se diz apaixonada por ele até hoje, e por isso nunca deixa de vestir pelo menos uma peça de roupa preta para simbolizar o luto.
Ele não se esquece da mensagem deixada por dona Teresa no caderninho que circulou entre amigos na primeira campanha que participou, em 1990, para o cargo de deputado distrital. “A primeira escrita foi dela: ‘Quem não vive para servir não serve para viver’. Vou carregar isso comigo para sempre”, conta o político, qualificado como um “idealista” por uma mãe que não gosta de falar em “poder”.
No dia em que Teresa foi à igrejinha de Nossa Senhora de Fátima fora do horário da missa que frequenta todos os dias para fazer algumas das fotos que ilustram esta reportagem, uma cena retratou bem seu pensamento em relação à política. Uma conhecida lhe deu um abraço para felicitar: “O nosso menino ganhou a eleição”. Ela agradeceu as orações que sabia que tinham sido feitas e pediu que não baixasse guarda: “Agora vamos rezar para ele fazer um bom governo.”
De onde estiver, o sr. Armando deve estar acompanhando os passos da família Rollemberg. É que ele é até hoje um confidente de tudo o que dona Teresa sente, gosta, se preocupa ou deseja. Ela escreve para ele (“na verdade, escrevo para mim mesma”, diz em seguida) quase que diariamente e já está no 17º diário – que prefere chamar de “caderno”. O primeiro ela intitulou Meus desabafos e atualmente escreve O que será que Deus quer de mim?. “Tenho um compromisso de só dizer a verdade, de coração, registrar o que eu sinto naquele momento. Porque senão eu esqueceria, né?”. De tempos em tempos, ela imprime algumas cópias e distribui a familiares e amigos.
E não são poucos os “segredinhos” para conseguir tal feito. Um deles é fazer o tradicional amigo-oculto de final de ano surtir efeito o ano todo com um método que a família chama de “protetores e protegidos”. Eles sorteiam o nome da pessoa que vão proteger ao longo do ano seguinte e têm de dar uma atenção maior para ela em ocasiões especiais, como na Páscoa e no aniversário, por exemplo. Com isso, alguns até desconfiam ser protegidos daquele primo, ou da tia, ou do filho, mas na hora da revelação, no Natal, há sempre surpresas e acaba virando um momento de festa e alegria.
A modesta Dona Teresa diz que não é para tanto: “Eu anoto no calendário e não gosto quando eles deixam para comemorar em outro dia da semana, porque acaba embolando. Tem mês que é complicado, viu?”, ri. E conta que há alguns anos decidiu dar de presente um certo “envelopinho colorido” com quantias determinadas para cada idade que o aniversariante vai completando. “Eu sempre ia na rua comprar presente, mas a moda vai mudando, os gostos das pessoas também, e eu acabava errando. Aí decidi dar dinheiro e cada um compra o que preferir. Quando é dos pequenos, eu entrego o envelopinho para os pais. E tem também envelopes para festividades, como nascimento de um, casamento de outro”, detalha.
Um compromisso que assumiu com gosto foi cuidar das terras que a família tem perto de Formosa, a 74 km de Brasília. Junto com outras 14 pessoas (sócias), dona Teresa investiu há oito anos na plantação de tecas para fazer o que chama de poupança verde. A árvore, que depois de duas décadas atinge o preço de madeiras nobres, não requer grandes cuidados, mas dá a ela um “prazer enorme” visitar os 70 mil pés rotineiramente. “Vou lá pelo menos uma vez por semana, passo de carro entre as plantas e me inteiro com o gerente se não está faltando nada na fazenda. Porque temos um gadinho também”, simplifica. De lá, ela passa ainda no Vale das Palmeiras, outra propriedade da família, na mesma região, para ver se não está faltando nada e para tomar seu tradicional banho de ducha. “Temos uma água maravilhosa lá. Milagrosa. É muito raro eu resfriar, mas, quando isso acontece, vou tomar banho no Vale das Palmeiras e melhoro”, conta. Ninguém se assusta de ver uma senhora nesta idade embaixo da água fria, no inverno ou no verão, porque, na verdade, tomar banho frio é um hábito de dona Teresa. Para ela, este é, inclusive, um dos segredos da saúde de quem não sente dores e não toma remédio nenhum, nem para dormir, e está sempre de alto-astral. “Não faço previsão de quantos anos vou viver, mas quero que ainda sejam muitos. E tem uma oração que rezo todos os dias para que, enquanto eu tiver perna, braço e cabeça, Deus me deixe aqui. No dia que falhar uma dessas coisas – nisso eu sou muito egoísta – me leve ligeiro. Basta falhar uma e eu não vou mais querer viver.”
Os cuidados estão na alimentação (o leite é de soja, doces e frituras são raríssimos e todos os dias ela come um ovo caipira cozido na água, diversas frutas e pelo menos uma raiz pela manhã – macaxeira, inhame ou batata-doce); e nos exercícios físicos. Teresa faz questão de caminhar 40 minutos todos os dias e, enquanto assiste ao Jornal Nacional, faz uma série de ginásticas que ela aprendeu com as fisioterapeutas da Rede Sarah, enquanto seu filho Ricardo esteve internado lá. “Em tudo eu aprendo alguma coisa boa para mim”, cita, antes de entrar no assunto doloroso que é a perda de um filho.
Ninguém costuma questionar as decisões de uma mulher de tanta fibra e personalidade, como é o caso de Teresa Rollemberg. A irmã Fernanda conta que nem nos momentos de dor ela fraqueja. “Tetê vê que todo mundo precisa dela e então se fortalece. Isso nos aproxima muito”, diz. De fato, ao redor da matriarca estão todos os 13 filhos vivos, e grande parte deles faz vizinhança em um grande condomínio no Park Way. Poucos netos moram fora de Brasília e praticamente a família inteira viaja junto logo depois do Natal para as sagradas férias em Aracaju. Neste ano, no entanto, há consenso entre os membros de que o descanso poderá vir somente depois de formalizar um dos maiores desafios de toda a linhagem Rollemberg: a posse do oitavo filho de dona Teresa e sr. Armando – Rodrigo tem a missão de não borrar a impressionante história escrita até aqui.