Um filho de Brasília
Criado no Plano Piloto, torcedor do Botafogo, Rodrigo Rollemberg assume o governo escorado por 812 mil votos, com a maciça confiança de formadores de opinião e com importantes desafios pela frente
O menino revoltado sobe com os irmãos para o apartamento. Na sala de casa, o jeito é reclamar com Lucio Costa, sentado à mesa de jantar conversando com dona Teresa e dr. Armando Rollemberg, o deputado federal que escolheu Brasília para criar os 13 filhos. O arquiteto, autor do projeto urbanístico de Brasília, era como um integrante da família. E, de fato, era. A filha de Lucio, também arquiteta, Maria Elisa Costa, pertencia ao clã. Era casada com Eduardo Sobral, irmão de Teresa e tio de Rodrigo, e frequentava as reuniões daquele povo alegre, unido e festeiro, que hoje soma 110 membros.
Eleito com 812 mil votos, o socialista vai governar ao lado de dois campeões nas urnas. José Antônio Reguffe (PDT), com 826 mil eleitores, venceu em todas as seções eleitorais da capital. Ganhou do Lago Sul, com a maior renda per capita, ao Itapoã, a área mais carente. Ao lado deles, está o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que defende uma revolução na educação e carrega a experiência de um governo aplaudido pela população, porém reprovado nas urnas. “No primeiro encontro que tivemos depois das eleições, conversamos mais sobre os meus erros do que os acertos. Rodrigo ouviu muito”, conta Cristovam.
Ao ex-governador, Rollemberg prometeu prioridade na educação. O senador do PDT defende que sejam escolhidas três cidades, como meta, para criar escolas com padrão de excelência: tempo integral, professores bem remunerados e atividades extracurriculares, com aumento do espaço físico para os alunos. “Ninguém estranha quando se fala em desapropriar terras para construir viadutos, por que não fazer a mesma coisa para melhorar as escolas?”, aponta Cristovam.
Com Reguffe, Rollemberg tem outros dois compromissos. O primeiro está relacionado à máquina pública. O novo governador terá de cortar 60% dos cargos comissionados de livre provimento, aqueles destinados a servidores de confiança contratados sem concurso público. Passarão pela tesoura cerca de 5 mil cargos. Com parte dessa economia, será possível colocar em prática outra ideia de Reguffe: a Secretaria de Fazenda abrirá mão de cobrar 17% do ICMS sobre os remédios. O imposto será devolvido, por meio do programa Nota Legal, no ano seguinte, em dinheiro ou liberado como crédito para ser abatido no IPTU e IPVA. “Não é justo cobrar imposto de remédio. Tributo alto se aplica em bebidas e cigarros”, defende Reguffe.
Projeto do deputado Alírio Neto (PEN), aprovado pela Câmara Legislativa depois das eleições, obriga o GDF a submeter aos deputados qualquer alteração na máquina pública. A medida mais importante em discussão no governo de transição, a reforma administrativa e o enxugamento dos cargos, ficaria, assim, subordinada à aprovação dos distritais. Para entrar em vigor, o projeto depende unicamente da sanção por parte do governador, Agnelo Queiroz (PT).
Na Câmara Legislativa, Rollemberg pode ter problemas. Pela primeira vez, o partido de um governador não elegeu nenhum representante na Casa. A coligação emplacou quatro deputados: Joe Valle (PDT), Celina Leão (PDT), Professor Reginaldo Veras (PDT) e Sandra Faraj (Sd), mas nenhum deles mantém relação próxima com o novo governador.
No primeiro turno das eleições, Rollemberg fez campanha com o PSB, PDT, Solidariedade e PSD. Já na segunda etapa, na disputa com o médico Jofran Frejat (PR), outros partidos aderiram à candidatura, entre os quais o PSDB, que tinha Luiz Pitiman como candidato ao Palácio do Buriti, e o PRB, que elegeu o deputado distrital Júlio César, o recordista da eleição, com 29.384 votos.
Já o PT, do governador Agnelo Queiroz, decidiu que a bancada petista estará na oposição. Um dos mais incisivos no discurso é o deputado Chico Vigilante (PT), reeleito com 17.049 votos. “Estarei na oposição para cobrar todos os compromissos assumidos por Rollemberg na campanha”, diz o petista.
No Distrito Federal, o PT sofreu, em outubro, a pior derrota eleitoral de sua história. Agnelo sequer chegou ao segundo turno e o deputado Geraldo Magela (PT) ficou em terceiro lugar na disputa ao Senado. Também a presidente Dilma Rousseff perdeu em Brasília. Na primeira fase da campanha, ela ficou atrás de Aécio Neves (PSDB) e de Marina Silva (PSB). “A presidente Dilma teve 23% dos votos em 5 de outubro. Depois, ampliamos para 39%, quase o dobro”, afirma Wilmar Lacerda, coordenador da campanha de Dilma no DF. O tucano ficou com 61%.
Ao desocupar o Palácio do Buriti, Agnelo também deve partir para a oposição. Nos primeiros meses, como Filippelli, o petista deve viajar e, depois, fiscalizar as ações do sucessor. “Rodrigo fez compromissos fora da realidade, como um número absurdo de creches”, diz Agnelo. “Vamos cobrar”, garante.
O segundo mais bem colocado foi Rogério Rosso, que conquistou 93.653 votos. Presidente regional do PSD, ele tem motivos para avaliar que optou pela melhor estratégia eleitoral. O partido emplacou o vice-governador, Renato Santana, e um senador. Filiado ao PSD, Hélio José, suplente de Rollemberg, assumirá o mandato em 1º de janeiro de 2015.
Enquanto Rollemberg viveu a vida toda no Plano Piloto, seu parceiro de chapa, eleito vice-governador, conhece bem a rotina de quem pega ônibus e tem de se virar com um orçamento familiar apertado. Morador do P Norte, em Ceilândia, o servidor público de carreira que deverá assumir o comando do Distrito Federal nas ausências de Rollemberg é um neófito. Nunca concorreu a cargos públicos e chegou ao segundo posto mais importante da burocracia pública em razão de uma costura política.
Já na transição, começaram os sustos. A expectativa é de que 2015 seja um ano difícil do ponto de vista das finanças públicas. A equipe de Rollemberg acredita que encontrará o caixa com um rombo de R$ 2,3 bilhões. A meta é economizar para cumprir todos os acordos trabalhistas fechados por Agnelo.
Crítico do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico (PPCub) em discussão na Câmara Legislativa, Rollemberg tem também o grande desafio de compatibilizar o desenvolvimento econômico, que cria empregos, renda e amplia a arrecadação tributária, com a preservação de Brasília, a cidade que viu crescer. Uma das conselheiras e fiscais constantes será Maria Elisa Costa, guardiã do legado de Lucio Costa. “É muito importante que ela sempre seja ouvida porque, assim como nós, ela é apaixonada por Brasília e sabe a dimensão do que a cidade representa”, afirma Rollemberg.
5 perguntas para Rodrigo Rollemberg
Que mudança o morador do Distrito Federal vai sentir no dia a dia no fim do próximo ano, após 12 meses de sua gestão?
Espero que tenha uma qualidade de vida melhor, com os serviços públicos funcionando melhor e com o fim da burocracia e da corrupção. Não haverá milagres em 12 meses, tantos são os problemas estruturais e conjunturais que teremos de enfrentar, mas o importante é avançar a cada dia.
Alguma área será prioritária?
A prioridade é a educação, embora a maioria da população, quando perguntada, opte pela saúde, pela segurança ou pelo transporte. Todas essas áreas são importantíssimas, mas prioridade é uma, não várias. Só com um sistema educacional de qualidade, que comece nos primeiros anos de vida com a educação infantil, em tempo integral, com escolas técnicas profissionalizantes, com a possibilidade de acesso aos cursos superiores, é que o Distrito Federal e o Brasil terão um desenvolvimento sustentável que signifique melhoria na vida de toda a população.
Como compatibilizar o desenvolvimento econômico do Distrito Federal e a preservação do conjunto urbanístico tombado?
Não são incompatíveis, ao contrário do que alguns pensam. O desenvolvimento econômico sustentável pode ser atingido sem ameaçar o nosso patrimônio histórico e cultural, basta que haja planejamento e bom senso.
Moradores do DF não têm mais a segurança de andar pelas ruas e deixar os filhos brincarem livremente como há pouco tempo. Qual solução será adotada para conter a criminalidade?
É o Pacto pela Vida, implantado com grande sucesso em Pernambuco pelo governador Eduardo Campos e que será aperfeiçoado e adaptado a nossa realidade. O sistema baseia-se na prevenção, na inteligência e no combate rigoroso ao crime.
Qual o plano para reduzir os engarrafamentos e a falta de vagas para carros em todo o DF?
Vamos planejar com muito cuidado as medidas necessárias para dar mais mobilidade aos brasilienses. É uma questão complexa que não se resolve com uma ou duas medidas. É um conjunto de ações que passam pela melhoria do transporte público, por obras viárias, descentralização dos postos de trabalho, incentivo ao uso de bicicletas, modernização da sinalização de tráfego, desincentivo ao uso do automóvel, enfim, ações integradas que convergem para o objetivo.
O senhor fala em mudar as práticas políticas para acabar com barganha e corrupção. Mas muitos que estão no Poder Legislativo pensam diferente e querem se dar bem às custas dos cofres públicos. Quem vai dar apoio ao Executivo para aprovar medidas impactantes?
A população vai dar apoio, com toda a certeza, e temos de acreditar que os deputados e senadores refletirão os anseios populares por eficiência e eficácia nos serviços públicos, transparência e ética. Os que quiserem se dar bem às custas dos cofres públicos vão se dar muito mal.
O PSD emplacou duas lideranças importantes: o vice-governador Renato Santana e o segundo deputado federal mais bem votado, Rogério Rosso