Era uma casa muito engraçada
Conheça ambientes que têm teto, paredes, chão e banheiro idênticos às residências convencionais, porém são construídos com material 100% sustentável e pouco impacto no meio ambiente
Eduardo Rocha, diretor do Instituto de Permacultura: Organização, Ecovilas e Meio Ambiente (Ipoema), explica que grande parte das técnicas usadas pela permacultura – como chama o método de planejamento e execução de ocupações humanas sustentáveis – utiliza o barro cru e algum tipo de “malha” que faça a sustentação e fixação do barro (essa malha é como um alicerce ou um suporte que pode ser de qualquer material desde ferro à madeira velha).
A técnica é bem parecida com outra, chamada adobe, comum no México e no sudoeste dos Estados Unidos, mas implica o uso dessa massa para a formação de blocos, como tijolos. Se o processo inicialmente pode levar a imaginar que essas estruturas não têm a resistência necessária para a sustentação de uma casa inteira, a história diz o contrário. O equipamento tem uma vida útil longa, mesmo em climas chuvosos. Para se ter uma ideia, o adobe é um dos materiais de construção mais antigos da história e foi usado em civilizações no Egito e na Mesopotâmia. A estrutura mais antiga do mundo em adobe é a pequena cidade iraniana de Bam, considerada Patrimônio Mundial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Eduardo explica que a opção é mais ecológica porque o barro não passa pelo processo de queima industrial ,como acontece em uma olaria comum. “Queimam madeira, normalmente, de desmatamento, a mão de obra é semiescrava, sem contar a poluição atmosférica, os custos de transporte. Com a permacultura, usamos o barro do próprio local e o tempo de confecção é basicamente o mesmo de uma casa normal.” Eduardo conta que ele mesmo mora em uma casa construída com uma técnica similar a essa, conhecida como superadobe. A diferença é que os tijolos são modulados em um saco de areia que, empilhados, formam as paredes. Essa estratégia foi desenvolvida pelo iraniano Nader Khalili, em 1984 (lleia mais ao lado).
Quando morou no exterior, Robson teve a oportunidade de entrar em diversas casas construídas com o material. O contêiner marítimo usado para o transporte de cargas entre continentes tem uma vida útil de aproximadamente dez anos. Depois disso é descartado. “Ao comprar o contêiner você aproveita de maneira útil algo que apenas ia se acumular.”
O revestimento das paredes para esconder a carcaça de ferro é uma opção. Porém, Robson gosta do aspecto industrial que o esqueleto dos contêineres reserva ao ambiente e escolheu deixar expostas as identificações das caixas. “É inusitado pensar que estou morando em um contêiner que viajou o mundo. Sabe-se lá por quantos portos ele parou e andou. Gosto dessa sensação.” Sem o revestimento, no entanto, o ambiente pode ficar um pouco mais quente que o desejado. A situação pode ser contornada com enormes janelas para a circulação de ar, varandas e telhas ecológicas que cobrem toda a superfície da casa. “Por isso eu deixei um espaço entre o telhado e o teto que esfria a estrutura”, conta.
Uma matéria-prima para quem busca opções sustentáveis, mas torce o nariz para paredes de barro ou de metal, é o bambu. Esqueça o visual rústico e praiano de tubos da planta amarrados com cipó e, acredite: o vegetal pode ser usado de maneira idêntica à madeira. O trabalho do professor Jaime Almeida, diretor do Centro de Pesquisa e Aplicação de Bambu da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (CPAB/UnB), consiste na industrialização do bambu. “Transformamos o bambu cilíndrico em peças retangulares ou quadradas. Desenvolvemos um processo industrial que veio da China, chamado de bambu laminado colado. Transformamos o bambu em ripa, as ripas são coladas umas às outras e, então, resulta em uma peça igualzinha à madeira.”
Mas se a resistência para usar outro tipo de material na composição das paredes for muita, a engenheira civil Elisandra Medeiros tem ainda outra opção. Sua tese de doutorado defendida na UnB confirmou a possibilidade de usar os resíduos resultantes do tratamento de água, do preparo de arroz e até da própria indústria de tijolos para compor uma “argila” que, após um processo de aquecimento, pode ser usada como blocos estruturais e revestimentos para paredes e edifícios. “Já morava em Brasília há algum tempo e busquei na região a utilização de resíduos locais para que fosse possível viabilizar o reaproveitamento por empresas daqui.” A escolha foi por três tipos mais viáveis: cinza de casca de arroz, cinzas de lenha e o lodo originado do tratamento de água. Segundo ela, mesmo que haja um uso reaproveitável desses compostos, a maior parte do material vai para o lixo.
O desafio seguinte foi descobrir se os compostos, juntos, seriam capazes de reproduzir a baixa absorção e a resistência exigidas para a produção de tijolos e revestimentos. “Incorporei os resíduos junto à argila em diversas proporções para verificar qual teria o melhor resultado e três opções chegaram a uma qualidade desejável. É preciso ter cuidado porque, quando é colocado muito resíduo, o material perde a qualidade.” Ela chegou a uma proporção de 25% de resíduo adicionado à mistura de argila. Ainda que comprovadamente viável, a proposta da engenheira ainda não é adotada por indústrias da construção civil. Mas, como se sabe, quando a necessidade bate à porta, a oportunidade pode sorrir da janela.