O velho e o palhaço
Não sei quem são os personagens desta história, muito menos suas motivações. Por princípio, o fato me pareceu grotesco e sem a menor justificativa. Por que raios um senhor de 60 anos deveria apanhar? O que teria levado o homem vestido de palhaço a uma atitude como essa? Apenas pela notícia não foi possível entender as razões que levaram ao absurdo da cena. Mas a situação narrada pareceu-me uma metáfora do Brasil de hoje.
Cerca de uma semana antes de ouvir a notícia no rádio, testemunhei outra cena de agressão verbal em um dos mais chiques shoppings do DF. Enquanto saboreava um pão de queijo em uma lanchonete, foi impossível deixar de ouvir uma série de impropérios despejados sofregamente por uma senhora a respeito de um dos candidatos à presidência da República e de todos aqueles que o apoiam ou votaram por sua continuidade nas últimas eleições.
Independentemente de qualquer posicionamento político, chamou-me a atenção a virulência dos ataques à interlocutora do diálogo e o nível rudimentar de argumentação para alguém supostamente escolarizada.
As duas cenas ilustram bem o atual nível de intolerância de uma parcela de brasilienses e brasileiros em relação à vida urbana, à política, ao país e aos próprios concidadãos. Indignações à parte, é preocupante que a insatisfação com os outros ou com as instituições legitime o uso da violência gratuita. Parece que a intolerância voltou a ser um valor enaltecido por aqueles que acreditam no velho lema “olho por olho, dente por dente”.
Um dos grandes desafios da democracia é justamente a convivência com a diferença. Palavras como tolerância e respeito não se constituem letra morta em dicionários, devem fazer parte da vida cotidiana. Ajudam a garantir o funcionamento coletivo da sociedade. E se o homem vestido de palhaço atirasse nas pessoas na rua? E se a senhora indignada resolvesse sair da agressão verbal e partir para a agressão física? E se todo mundo quiser resolver no tapa todas as insatisfações que temos?
A frustração com a vida pessoal ou a vida do país não pode se resumir a uma fúria intempestiva, em atitudes repletas de preconceito, racismo, ou em violência. Podemos estar cansados de certas situações que se repetem e incomodam. Podemos nos sentir como palhaços que não são levados em conta na hora das decisões da vida pública. Podemos nos considerar até impotentes ou perdidos em meio às pressões diárias e à falta de civilidade de vizinhos, parentes ou amigos.
Mas não sejamos como o velho e o palhaço em uma triste cena de rua. O velho, que se defendeu no conflito, aparentemente não sabia por que apanhava. O palhaço, em sua ira, era apenas a sombra trágica do que poderia ser.