Brasília vai parar?
Crescimento da frota de carros e graves problemas de transporte público impõem a mobilidade urbana como um dos principais desafios do novo governo
Para garantir um futuro melhor, a capital federal precisa enfrentar desafios, alguns bem peculiares. Entre eles, a baixa densidade urbana de boa parte do Distrito Federal, que implica um custo maior para criar e administrar serviços de transporte. Os espaços largos, que marcam a identidade da cidade, também trazem a necessidade de projetos bem pensados, que ajudem os brasilienses a percorrer distâncias mais longas. A precária qualidade do transporte público em comparação com o resto do país é outro ponto crítico. Hoje, passageiros, fornecedores do serviço de transporte e governo estão insatisfeitos.
A rejeição por parte da população ao novo sistema de integração do Expresso DF Sul é um exemplo desse descompasso. A mudança na oferta de ônibus pegou de surpresa os passageiros, que, em muitos casos, não viram benefícios no novo formato. Foram às ruas manifestar a desaprovação. O governo teve de voltar atrás. Seja a causa das dificuldades a falta de informação sobre o novo funcionamento, seja a ausência de sincronização entre os serviços do BRT e outras linhas, a solução, segundo estudiosos, não está em novos canteiros de obras, mas na administração eficiente.
Se um cidadão, por exemplo, tem recursos para ir ao local de trabalho e voltar para casa, mas não lhe sobram meios de desfrutar dos espaços de lazer, considera-se que sua mobilidade está prejudicada. Meios de transporte de massa ou meios não motorizados são privilegiados dentro desse conceito. Basta imaginar o espaço que um carro ocupa não apenas quando está em deslocamento, mas também quando permanece estacionado.
Para transportar mil pessoas, são necessários quatro ônibus, que carregam, em média, 250 pessoas. Se cada veículo individual levar duas pessoas, serão 500 carros nas ruas para transportar o mesmo número de passageiros que iriam num ônibus. Além disso, enquanto não está sendo usado, o carro ocupa um espaço inativo. O ônibus continua a circular, oferecendo espaço para novos passageiros ao longo do dia. Abrir mão da liberdade de ter o próprio carro pode parecer uma opção radical. Mas, a partir das políticas públicas certas, não precisa significar uma queda drástica no conforto.
Curitiba, por exemplo, tem a maior frota de carros per capita de todas as capitais. Em Brasília, o índice de veículos para cada 100 habitantes é de 50. Na capital paranaense, são mais de 60 por 100 habitantes. Mesmo assim, 45% dos deslocamentos por lá são feitos por transporte coletivo – bem mais confortáveis do que no DF. “Ter o carro para comodidade própria não é condenável, o problema é o excesso de dependência causado por um transporte público ineficiente, desconfortável e pouco confiável”, diz Paulo Cesar Marques.
Mas a oferta de meios alternativos confortáveis e eficientes pode não ser o único elemento que separa uma cidade da conquista da melhor mobilidade urbana. Há motivos culturais. Por mais que a consciência da importância de modos sustentáveis de transporte esteja em ascensão, a posse do carro como elemento de status permanece forte.
Quem opta por fugir à regra descobre as vantagens da escolha. Sérgio Rafaelli, gerente geral de um hotel no Setor Hoteleiro Sul, nunca teve carro. Aprendeu as vantagens de não ter um veículo ainda jovem, por ter crescido em diferentes países. Morador da Asa Sul, ele vai ao trabalho de ônibus ou metrô. Detalhista, cronometra o tempo gasto no percurso. São de 17 a 20 minutos de ônibus. De carona ou táxi, é o dobro.
Quando o fotógrafo Matheus Silva decidiu usar o metrô e a bicicleta como principais meios de transporte para ir de Taguatinga, onde mora, até o trabalho, na Asa Norte, escolheu não vender o carro. O intuito era manter aberta a opção de usá-lo quando realmente precisasse. Pedalando diariamente, pretendia manter um estilo de vida mais saudável. O que ele não imaginava é que a bicicleta mudaria a maneira de interagir com a cidade. Fez grandes amigos graças ao novo hábito. Pessoas o abordavam no metrô para compartilhar experiências ciclísticas. Passou a voltar do trabalho com colegas por caminhos mais longos e panorâmicos. Dias de semana tornaram-se também de lazer.
Os riscos, no entanto, continuam altos. Faltam ciclovias adequadas. As construídas no Plano Piloto são voltadas para quem passeia, não para quem usa a bicicleta como transporte. Não foram desenhadas para levar de um ponto a outro, dando preferência ao serpenteio de locais turísticos. Assim, ele tem de usar a via W3 para chegar ao trabalho e depende não só de sua habilidade e atenção, mas do cuidado de motoristas para evitar acidentes. “Como não sou apenas ciclista, mas também dirijo carro às vezes, entendo os dois lados. Vejo que é difícil para o motorista entender a posição de fragilidade do ciclista”, diz.
É o compasso entre as mudanças proporcionadas por pessoas como Matheus e Sérgio e políticas públicas eficientes que fará o futuro da mobilidade em Brasília diferente. A cobrança da população por medidas mais duradouras é essencial. O novo governo promete empenho. Segundo o coordenador técnico da transição, Carlos Tomé, que ajudou a elaborar a parte que trata de mobilidade no plano de governo, as prioridades estão divididas em três frentes: as de curto, médio e longo prazos. Se no curto prazo está a gestão no nível micro da prestação de serviços, o médio prazo inclui ações de construção de corredores para transporte de massa, por exemplo.
Em relação ao incentivo à mudança de valores dos cidadãos, um exemplo importante é a cidade de Amsterdã, capital da Holanda. O governo municipal deu prioridade a valorizar o uso de bicicletas e veículos automotores elétricos, como explicou a porta-voz da prefeitura, Charlene Verweij. Hoje, faz parte da identidade da metrópole manter uma atitude sustentável em relação à mobilidade. A mudança na qualidade do transporte está incluída numa visão estratégica mais ampla sobre a cidade – que inclui as possibilidades que cada espaço pode proporcionar. “Deixar de usar o carro e optar por uma bicicleta significa humanizar a relação entre você e a cidade”, diz o ciclista Matheus Silva.