Onde o crime não compensa
Park Way, Candangolândia, Jardim Botânico e Lago Norte são algumas das regiões onde o número de delitos registrados é menor. Para especialistas, questão da segurança depende de estrutura, planejamento urbanístico e envolvimento da comunidade
O Lago Norte é outra das regiões com reduzido número de crimes. De dia, a quantidade de pessoas na rua é considerável para uma área residencial. Parques e praças, como a praça das Garças, atraem constantemente pessoas que usufruem desses lugares. Por lá, foram 1.115 crimes nos últimos dois anos. Um passeio pelo Jardim Botânico, outro bairro com baixo índice de insegurança, mostra cenário bem diferente. Fora a pequena região de comércio, a paisagem é composta dos muros e guaritas dos condomínios fechados. A região predominantemente residencial somou 252 crimes de 2013 a 2014. Nesse período, houve queda de 28,6% das ocorrências.
O que faz um lugar seguro, afinal? É a soma de fatores um tanto complexos. Essas características constroem uma rede de causas e consequências que vai muito além do policiamento das ruas. A estrutura de uma cidade influencia na qualidade de vida, mas também no índice de crimes. Tudo começa no planejamento, segundo especialistas em segurança pública e urbanismo. Políticas sociais também fazem parte da construção de uma cidade segura. E educação é um elemento imprescindível.
A relação entre concentração de renda e segurança, por exemplo, não é tão direta quanto se imagina. Outros elementos entram na equação. “É interessante ver como o desenho de uma cidade aumenta ou reduz o número de crimes. A facilidade de fuga é um fator importante”, explica o cientista político e pesquisador da UnB Antônio Flávio Testa. Espaços abertos, com opções de rotas, são favoráveis aos crimes. Penínsulas, como o Lago Norte, com poucas saídas, são desfavoráveis. Pouco comércio também diminui drasticamente o número de crimes. Para delitos como furtos e roubos, há predileção entre os criminosos por pequenas lojas, como farmácias e padarias. Essa é uma das explicações para a diferença no número de ocorrências do Lago Norte e Lago Sul, por exemplo.
Em análise similar, o administrador regional do Lago Sul, Aldenir Paraguassu, responsável também pela região do Jardim Botânico, relaciona o movimento de uma cidade viva com a diminuição dos crimes: “A efervescência urbana é igual a maior segurança”. Outra questão de planejamento que afeta o índice de crimes é a diminuição dos muros. Apesar de parecer contraditório, estatísticas mostram que a estratégia é mais eficiente do que cercar as residências. “Um vizinho atento, que note movimentação estranha e seja capaz de avisar a polícia inibe a ação criminosa muito mais do que uma residência toda fechada e escondida”, diz o chefe da Diretoria de Avaliação, Fiscalização e Análise da Secretaria de Segurança Pública do DF, major Célio Roberto Dias Dutra.
Essa constatação reforça a ideia de que a relação mais próxima entre vizinhos, e entre os cidadãos e sua cidade, de maneira geral, contribui com a segurança. É o caso da Candangolândia, cidade com baixa concentração de renda – média de 1,6 salário mínimo por habitante – se comparada com as demais no topo do ranking dos menores números de crimes. Os laços dos moradores com a região é uma das causas do bom resultado, de acordo com o administrador do local, Roosevelt Vilela. São muitos os que moram por lá há três, quatro, cinco décadas. As pessoas se conhecem pelo nome, conversam nas ruas e nos comércios, criando uma relação de respeito e, também, de certo controle.
O combate ao crime começa na atenção a crianças e jovens, segundo Dutra, porque é nessa fase vulnerável que se entra para o ciclo da criminalidade. A vida atribulada de uma mãe solteira e com poucos recursos é apontada pelo major e pesquisador como uma das maiores causas do problema. Sem ter tempo para se dedicar aos filhos e sem dinheiro para lhes oferecer atividades construtivas, eles passam muito tempo sozinhos na rua, onde encontram todo tipo de oportunidade, inclusive para praticar crimes. O apoio do Estado e da sociedade a essas mulheres e famílias é essencial para o combate ao crime.
Geralmente quem comete crimes começa praticando pequenos delitos, muitas vezes incentivado pelo consumo de drogas. E uma vez dentro, é difícil sair, como explica o professor Antônio Testa, que trabalhou com a conscientização de jovens sobre os riscos das drogas. Para ele, não há melhora da segurança sem políticas públicas vinculadas à educação. São necessárias mudanças profundas e concretas para que as perspectivas de um futuro em que o crime pare de crescer se tornem realidade. Ele acredita que é preciso uma definição política das responsabilidades de Estado e sociedade. No curto prazo, Testa sugere uma discussão aberta do GDF com a sociedade civil organizada – federações, organizações, escolas – e famílias sobre a melhor maneira de cuidar e oferecer oportunidades para jovens e adolescentes.
A lentidão da Justiça para penalizar os praticantes de pequenos delitos é outro complicador, nas palavras do major Dutra. É comum para a polícia assistir a um criminoso ser preso por mais de um delito enquanto aguarda a definição de sua pena. E a tendência normal da prática de crimes é que a natureza do delito se torne cada vez mais grave, levando ao ciclo de liberdade e prática de crimes intercalados por tempo de prisão sem reabilitação.
Ainda em relação ao sistema de justiça e sua relação com índices de crimes, Roberto Dutra aponta a despenalização do consumo de drogas como um dos maiores causadores do aumento da criminalidade. “Há um sentimento de impunidade que deixa o criminoso confortável”, explica. Para além do papel do Estado, no entanto, especialistas lembram que há responsabilidades individuais na construção de uma sociedade mais segura. A terceirização impessoal de todo o esforço para a administração pública é um equívoco, segundo Antonio Testa. “Movimento individual é essencial para a transformação”, diz.