No campo ou na cidade?
Conheça histórias de quem decidiu morar longe do centro. Há mais vantagens do que desvantagens nessa escolha
O lar é o autorretrato de seu morador. Decorados com “a cara do dono”, móveis, janelas, paredes e jardins podem ser considerados extensões de seu proprietário. O Rancho São Jorge é um desses casos: traz, no nome, o homem por trás dele, Jorge Souza. Situado na Rota do Cavalo (polo turístico rural em Sobradinho, com haras, restaurantes, centros de treinamento e hotéis-fazenda), o haras tem, hoje, 30 cavalos e algumas dezenas de carneiros, galinhas e cães da raça border collie. O sítio foi criado há 15 anos, quando foi comprado o pedaço de terra que fica a cerca de 20 km do centro de Brasília.
Mesmo no início, o negócio não foi amador. Rancheiro de vocação, Jorge já ganhava a vida com cavalos em 1990, ou desde que ele consegue se recordar. “Uns 25 anos, mais ou menos”, conta o goiano que viu, ainda pequeno, a capital federal ganhar forma de cidade. “Já competi em provas disputadas, fui campeão nacional de tambor e baliza e, por causa disso, pude visitar todo o país”, conta o rancheiro, que passou para as filhas, Thaiza e Lorena Rocha, a paixão pela vaquejada.
Amazona desde os 10 anos de idade, a primogênita ficou mais do que satisfeita quando soube que viveria mais perto de seus cavalos. “Já tive uma época de farras, e hoje saio bem menos. Mas, mesmo com a vida social mais agitada, não tinha entraves. Quando não tinha carteira de motorista, minha mãe me levava e buscava onde fosse.”
Não demorou para que Lorena se encantasse, como a irmã, pelo campo: “Acordar sem barulho de carro, dormir sem ouvir buzina e sentir o ar puro são algumas das vantagens que eu percebi que tinha aqui. No haras tem bastante gente e meu pai está sempre rodeado de amigos. Não dá para dizer que falta diversão”, avalia a jovem.
Ainda que as duas assegurem que a vida no sítio é divertida e que é possível conciliar tudo com a cidade, há quem questione. Dificuldades existem, elas admitem. Porém, não se sobrepõem aos benefícios. “Eu faço todas as minhas coisas no Plano Piloto. Estudo na Asa Sul, frequento academia na Asa Norte e vou para o estágio à noite. Se morasse por lá, gastaria menos tempo, mas a qualidade de vida também seria diferente”, pondera Lorena. Thaiza, que vive a mesma rotina, confirma: “Amo o lugar onde vivo e não tenho nenhuma vontade de morar no Plano.”
Na outra ponta do DF, nas proximidades de Águas Lindas de Goiás, Hélio Carolino de Oliveira cuida de sua segunda casa, uma chácara. Bancário aposentado, Hélio passa a semana dividindo seu tempo entre um apartamento na Asa Norte e seu refúgio em território goiano. É neste último que passa pelo menos metade dos dias da semana, retornando ao Plano Piloto sempre que as pendências da vida urbana chamam.
Entre os sítios de Jorge e Hélio, estão os refúgios de dois artistas plásticos da cidade. Um é o do professor da Universidade de Brasília (UnB) Luiz Gallina Neto, xilogravurista, pintor e marceneiro, que mora em uma chácara de cerrado no Lago Sul, a cerca de 15 km do Plano Piloto. É nesse terreno de 50 mil m2 que o paulistano se refugia, há quase 30 anos, dos transtornos da cidade. Em paz, combina diversas técnicas de pintura e colagem para criar suas peças, originais pela bagagem psicanalítica, histórica e onírica. Este último elemento, o sonho, é um dos guias mais fortes do seu trabalho e, por que não dizer também, da vida pessoal.
Os sonhos, além de inspirarem a produção artística, parecem também influenciar algumas decisões fora dessa esfera. “Eu tenho, literalmente, sonhado com a superquadra 308 Sul”, conta Gallina, admitindo que está pensando em se mudar do recanto. Ele diz que gostaria de retornar à 308, onde residiu ao chegar a Brasília ainda adolescente. Ela é, de forma concreta, o mais próximo do ideal que Lucio Costa teve de um setor residencial, contendo, hoje, todos os espaços públicos imaginados pelo urbanista em seu projeto original.
O mestre Gallina diz que a mudança não atrapalharia a criação artística. Apesar de estar rodeado pelo que o cerrado oferece de mais belo – árvores contorcidas, folhas amarronzadas com flores de cores vibrantes, carcarás e cobras –, não é exatamente isso que o inspira. “Não é o meio que determina a minha produção. Pode influenciar, mas não determina. Talvez eu não pinte tanto as formas naturais, por exemplo, por já estar inserido entre elas.”
Caso realmente decida se mudar do seu recanto, Gallina se indispõe com uma parte fundamental da vida urbana: proximidade das residências. A síntese disso tudo, o artista resume, são os condomínios. “Essa será uma parte difícil da adaptação, mas eu farei uma tentativa”, garante ele, cogitando viver em um apartamento da UnB; na Colina, por exemplo. “Preciso ponderar bastante. É muito bom morar em uma chácara, mas é uma propriedade grande e distante. E esse é o preço que pago se quiser morar assim”, explica o professor, tendo para si uma coisa bem certa. “Não venderei a propriedade.”
Outro artista plástico, Diego Xavier, morador de um refúgio no Park Way, concorda que, de tempos para cá, o custo de ir e vir tem se tornado um problema, assim como pensar na logística da região. “Como conseguir alguém para ajudar na faxina, por exemplo, já que não tem linha de ônibus por aqui?”, questiona. Nada disso, entretanto, pesa mais do que a satisfação de estar em casa. “Tenho uma vista maravilhosa do cerrado, o canto dos pássaros e a tranquilidade”, conta ele, que teve espaço suficiente para montar, inclusive, um ateliê de arte.
Dono de uma horta, um milharal, um pomar e do labrador Boris, o reino do artista é bastante colorido. Há quadros distribuídos por quase todas as paredes e móveis antigos e usados, adaptados para combinar com o estilo do dono. Partes da mobília foram simplesmente inventadas. “Crio móveis com caixotes, faço invenções com tintas e colagens nesses objetos e tudo que me der vontade”, conta.
De acordo com a arquiteta Ana Cristina Tavares, sócia do escritório KTA, é esse o segredo de um refúgio: sentir-se bem no próprio espaço. “Quem não gosta da cidade, de alguma forma, tenta sair dela com alternativas. A casa pode fazer isso, pois tem função de acolhimento”, conta a especialista, dizendo que qualquer residência, esteja na cidade ou não, pode ser um refúgio.
Ana Cristina diz que, para isso, as pessoas podem apostar em quaisquer elementos que mexam com a sensação. Então, dicas e soluções para aproveitar melhor o espaço são válidas, especialmente se combinadas com detalhes simples, como um vaso de plantas, iluminação bem tratada e cores que mexem com os sentidos. “Um lar precisa ser aconchegante. Pequenos elementos, como música e perfume de aromatizadores de ambientes, trazem boas sensações e podem ajudar a construir um refúgio em qualquer lugar.”