Brasilienses de força
Algumas décadas depois de admitidas, as primeiras mulheres nas áreas militar e policial no Distrito Federal conquistam cargos de liderança
Apesar das biografias diversas, há uma característica comum entre elas. Ao serem convidadas a falar sobre si mesmas, acabam trazendo o foco para o trabalho. Nas narrativas de suas vidas, não faltam exemplos que mostram o amor pela profissão e a diferença que fizeram em distintos campos de atuação. No entanto, apesar de todo o empenho e compromisso, todas reconhecem o caminho mais difícil que mulheres ainda enfrentam no mercado de trabalho. Em algumas atividades ainda mais que em outras. “O fato de haver diferença entre os gêneros deve ser usado em benefício de qualquer profissão. Um ambiente só com homens, só com mulheres, ou seja, os extremos, é ruim ”, diz a major Fabiana Santos.
Apesar de hoje ter certeza de que não faria outra coisa da vida, a major do Corpo de Bombeiros entrou na carreira por acaso. Vinda de Natal em 1995, aos 19 anos, de origem simples, chegou empenhada em passar o mais rápido possível num concurso que pudesse lhe garantir fonte de renda estável. As inscrições estavam abertas para soldado. Sem questionar muito a decisão, inscreveu-se. No processo de pedido de isenção da taxa de inscrição, acabou aconselhada a também se candidatar para o concurso de oficial da corporação. Passou nos dois. No de oficial, em segundo lugar. “Nunca imaginei que fosse possível chegar aonde cheguei. Mas aceitei cada passo desse caminho. Fazia o meu melhor, mesmo sentindo medo”, conta.
Ao iniciar os treinamentos e o trabalho, descobriu a paixão pelo dever dos bombeiros em servir e ajudar. A rotina atribulada e emocionante foi outra boa surpresa. Também se encaixou muito bem no perfil militar da instituição, que, para ela, traz uma ordem que a ajudou muito em diferentes aspectos da vida. Fabiana formou-se numa das primeiras turmas em que mulheres eram aceitas. Na época ainda havia número máximo de vagas para elas. Hoje, não há restrições à participação de mulheres. Ao longo de 20 anos, ela percebeu uma mudança positiva na postura dos homens em relação à presença das mulheres. Eles demonstram respeito com as colegas, tratando de forma igual quando devem e de forma desigual quando precisam.
Não que o caminho de aceitação de uma mulher no papel de liderança não tenha sido árduo para Fabiana. Foi bastante. Desde que entrou na corporação, por ser oficial, cargo de comando, ela teve de demonstrar capacidade e força. Ela lembra das muitas vezes que precisou se impor, mesmo quando duvidava de suas habilidades. “Nós, mulheres, não podemos errar. O compromisso tem de ser muito maior em razão do nível de cobrança. E há um peso a carregarmos por conta dessa responsabilidade”, diz.
Por isso mesmo, a dedicação à carreira tem sido prioridade em sua vida. Filha e neta de advogados, Maria Elizabeth esteve sempre envolta no universo jurídico. Incentivada pela família, apaixonou-se pela área. A carreira no direito foi marcada por êxitos sucessivos na academia e em provas e concursos. Formou-se em 1982. Em 1985, foi aprovada em primeiro lugar no concurso público para procuradora federal. Ela tem mestrado em ciências jurídico-políticas pela Universidade Católica Portuguesa (Lisboa-Portugal), doutorado em direito constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
“Percebi que a presença de mulheres é bem maior em carreiras com forma de ingresso meritória, como concurso público, do que naquelas por indicação, o que diz muito sobre as barreiras ainda colocadas para mulheres no mercado de trabalho”, compara. Com discurso firme, ela exalta o trabalho que faz atualmente no STM e a conduta positiva dos colegas ministros em relação à sua presença.
Dona de uma visão que costuma divergir da maioria dos ministros, muito por conta da sua história e origem, segundo ela, cada um dos pontos de vista que traz são sempre respeitados e ouvidos, mesmo que vencidos.
Saber ouvir e administrar as diferentes opiniões dos profissionais que lidera, aproveitando-se de todos os talentos e competências à sua volta. Esse é um dos maiores desafios da tenente-coronel Priscila Riederer Rocha. Formada na primeira turma da academia de oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal iniciada em 1991, ela está atualmente à frente do Colégio Militar Tiradentes, administrado pela corporação. Em 2010, aceitou assumir a criação da escola de ensino fundamental e médio, que abriu as portas em 2012 com 83 alunos e hoje já conta com mais de 380 estudantes.
Carioca, filha de militar, Priscila mudou-se para Brasília em 1989. Dois anos depois, foi aprovada no concurso de oficial da Polícia Militar. Ao longo dos anos, presenciou as transformações da instituição para se adaptar à presença feminina. Em algumas situações foram medidas práticas, como a instalação de banheiros para elas nas dependências da academia de polícia. Noutras, envolveu a mudança de paradigma e comportamento nos diferentes níveis da corporação. “O fato de eu ter sido indicada para cargos de grande responsabilidade demonstrou a confiança da PM em suas policiais. Isso foi grande incentivo ao longo da minha carreira.”
A importância da conquistar a confiança e a facilidade com que ela pode ser perdida sempre pautaram o trabalho da delegada Mabel de Faria, a segunda a dirigir o Departamento de Polícia Especializada da Polícia Civil do DF (DPE). Há pouco mais de três meses no cargo, ela reconhece a importância que o trabalho em equipe tem na sua profissão. Delegada desde 1999, membro da Polícia Civil desde 1986, Mabel acredita que seu maior trunfo foi trabalhar para um chefe que aceitou, sem sombra de preconceito, a presença de mulheres na força policial.
Saber usar as habilidades tipicamente femininas, como a sensibilidade, para criar um ambiente de empatia e respeito numa delegacia foi outra vantagem que soube aproveitar. Mas há momentos em que a demonstração de força moral e coragem são essenciais para o cargo que ocupa. “Houve um episódio em que eu estava liderando uma equipe pequena numa diligência fora de Brasília quando fomos ameaçados. Parecia inevitável a troca de tiros, que nos colocaria a todos em risco de morte. Consegui conversar com o líder do grupo que ia nos atacar e evitar o confronto. É esse tipo de atitude que invoca respeito e admiração dos colegas, sejam homens, sejam mulheres”, diz.
A maior demonstração de mudança não apenas no ambiente de trabalho, mas na sociedade, Mabel encontra na figura do marido. Escrivão da Polícia Civil, ele surpreende a mulher pela maneira madura com que convive com o fato de ser casado com alguém em uma posição de comando, acima da sua própria. Ela enxerga na dinânica familiar saudável uma quebra de paradigma importante que vem em benefício da melhora do espaço da mulher no mercado de trabalho.