Esdras Nogueira e sua mulher, Mariana, são os idealizadores do
Como Lá em Casa: a ideia é proporcionar encontro de pessoas diferentes
com boa culinária
O encanto pelos sabores e pitadas de tempero sempre existiu enquanto estavam separados. Após o início de namoro e o casamento, há quatro anos, a paixão e as aventuras na cozinha apenas se “exponencializaram”, como define Mariana Cardoso. Daí para a casa ficar cheia de amigos, famintos e dispostos a experimentar as criações que ela e o marido, o músico Esdras Nogueira, arriscavam foi fácil. “A Mariana trabalha com tradução, eu estou sempre viajando com o Móveis (Coloniais de Acaju, banda da qual faz parte), então montar um restaurante seria inviável”, conta o saxofonista do grupo brasiliense, deixando claro o espaço que a comida ocupa na vida dos dois.
Apaixonados por novas receitas e sempre ligados ao que está acontecendo ao redor do mundo no que se refere à culinária – seja por meios virtuais, seja com viagens in loco –, o casal só pôs em prática a ideia, que já era tendência lá fora. “Eu, que sou rata de blog de comida, já tinha visto isso em Nova York e na Europa”, conta Mariana, referindo-se aos idos de 2011. Assim nasceu o Coma Lá em Casa, projeto em que até 20 pessoas “se convidam” para o endereço do casal e têm uma experiência gastronômica fora de um ambiente comercial, com bebida harmonizada, ao som de vinil e “sem frescuras”, nas palavras de Esdras. O vinho escolhido, por exemplo, é sempre recolocado em uma garrafa de vidro sem rótulos, bem ao estilo “da casa”. A ideia é libertar a noite de pompas desnecessárias e focar realmente nos sabores percebidos. “Quando se vai à casa de um amigo, não se pergunta qual vinho ele comprou”, pontua a tradutora, garantindo, entretanto, que as uvas são sempre reveladas e os títulos, de boa qualidade.
Bolo de salsinha com fresh cream,
por Ésdras Nogueira e Mariana,
do projeto Como Lá em Casa
Com um terraço aberto e uma cozinha gourmet devidamente equipada, as refeições, que costumam acontecer em etapas (mas já vieram em formato de brunch e festival de comidinhas para comer com a mão), ganham o céu como cenário, no início da Asa Norte. O cardápio varia de acordo com a edição e pode ou não ter um tema central. A regra é fugir do lugar-comum. “Não queríamos que fosse como ir a um restaurante”, explica Mariana, que pensa e executa, com Esdras, todo o menu servido, em média de R$ 120, com quatro ou cinco apresentações.
A proposta de comer uma comida benfeita, a um bom custo-benefício, junto a pessoas desconhecidas em uma única mesa, tem dado certo. Após três edições no apartamento atual (as cinco primeiras aconteceram na casa anterior do casal), o sucesso de adesão aparece no esgotamento de convites em menos de 24 horas após o anúncio do jantar – feito sempre na fanpage do blog homônimo ao projeto, que nasceu para divulgar as receitas dos encontros. “As pessoas estão buscando experiências diferentes”, observa Mariana, arriscando uma das razões para a tendência ter chegado bem à capital. “É o saber que se vai comer bem, em uma situação em que não há só a parte da comida, mas também um lado social diferente”, aposta. “No mínimo, tem uma predisposição a estar aberto para novas coisas e a conversar com novas pessoas.”
Desde setembro do ano passado, em outros endereços da cidade, noites aleatórias de quinta-feira ganharam ambientação, música e experiências sensoriais em torno da mesa. Na proposta apresentada pelo Gastrô à Trois, o detalhe fica na surpresa para o público, que geralmente descobre os detalhes apenas no decorrer dos jantares. “Tem esse clima de suspense em tudo no projeto: o lugar, o cardápio, a decoração”, avisa Roberta Azevedo, produtora e uma das idealizadoras que, ao lado de mais dois amigos (por isso a referência ao numeral três no nome), e após morar 10 anos em São Paulo quis trazer algo diferente para a capital do país. “Brasília é uma cidade onde a gastronomia é forte”, observa. “E as pessoas estão querendo coisas novas.”
Com um espaço especialmente criado a cada edição pelo arquiteto Ricardo Innecco e o cardápio assinado por Ana Victoria Neddermeyer, os encontros mudam de lugar a cada edição e sempre se voltam para intervenções artísticas. “Não é a comida pela comida”, ressalta Roberta. “Na hora em que servirmos, o que aquilo vai despertar na pessoa?”, indaga sobre as sensações que buscam causar.
Na primeira edição, realizada em uma mansão desocupada do Lago Sul, um candelabro feito a partir de tubos de PVC iluminava a mesa, enquanto, na segunda, ele apareceu como instalação em que biscoitinhos eram servidos durante o coquetel de abertura. Em outra ocasião, os presentes foram vendados e convidados a descrever os sabores que experimentavam às cegas. “Nossos garçons não usam bandejas, mas peças de materiais diferentes: azulejos, pedra”, conta a produtora. Para a chefe, esse conceito aparece em todo o projeto. “Tudo que despertar uma coisa inusitada é interessante para nós.”
Cocada com caramelo
de canela: doce apresentação
do Gastrô à Trois
Feitos para, no máximo, 40 pessoas, os jantares acontecem em uma ou duas mesas de grupos grandes. A partir das confirmações via e-mail, a produção fica por conta de entender um pouco o perfil da cada participante e, assim, sugerir uma interação melhor entre eles. “É uma mesa onde as pessoas partilham experiências”, define Ana Victoria, que, além do Gastrô à Trois, divide com Roberta a sociedade do bufê L’épice.
Apesar de não se prender a temas, as criações da cozinha também aparecem sincronizadas com o resto da noite. Em um dos eventos, realizado no mezanino da Torre de TV, onde o espaço é comandado por uma cooperativa de pequenos produtores, a chef explorou legumes e verduras de agricultores locais. Na parte das sobremesas, um vasinho de barro servia um pavê de creme inglês e biscoito, finalizado com farofa de Oreo e hortelã, que lembravam terra e planta.
“Vimos que o Gastrô tinha uma demanda muito forte”, relata a cozinheira do projeto. Para Roberta, a repercussão positiva foi uma surpresa para todos. “No primeiro, em dois dias os convites se esgotaram e a cada edição terminamos com fila de espera.” O inusitado, nesse caso, é a grande aposta dos três amigos. “Quem paga R$ 200 pela surpresa já está aberto ao diferente”, acredita Ana Victoria.
Acostumado com a casa sempre cheia de amigos e a ter de responder às expectativas glutonas naturais geradas por quem visita o endereço de um cozinheiro, Marcos Lelis já tinha o hábito de, uma vez por mês, fazer uma noitada de hambúrgueres artesanais para convidados. Na ocasião, cerca de 30 conhecidos pagavam uma taxa simbólica para comer o ícone do fast food americano à vontade no salão de festas do seu prédio.
Com o nascimento da filha Mariah, há quatro anos, o professor de cozinha brasileira do Iesb, sentiu a necessidade de realocar a ideia e, por que não, transformá-la em algo comercial. “A coisa foi tomando uma forma muito legal”, lembra. Na mesma época, o cozinheiro e amigo Carlos Soares tinha acabado de retornar de sua temporada paulista no aclamado Mocotó, de Rodrigo Oliveira. “Ele voltou com a cabeça fervendo, querendo fazer e montar alguma coisa. Tínhamos algumas referências de grupos que se encontravam para comer.”
Grupo que organiza o evento gastronômico Pretexto: prontos
para muitas surpresas a cada edição
Aproveitar o sucesso da noite do hambúrguer e moldá-la em algo profissional tomou um curso natural. Em junho do ano passado, surgiu a primeira reunião do projeto: os próprios amigos que frequentavam os encontros na casa de Lelis – cada um de uma área profissional diferente – tomaram a frente do Pretexto – Comida e Afeto. O nome faz referência ao conceito que os nove idealizadores queriam implementar em Brasília. “A comida, quando não é fonte de combustível, é uma grande desculpa”, diz o professor e também personal chef. “Ela tem esse papel de socialização, de juntar as pessoas, como um grande pretexto.”
Inspirados por iniciativas como o Gastronômade e o Fechado para Jantar, já em efervescência em São Paulo e com propostas parecidas de ocupar novas paisagens com a gastronomia, o grupo teve sua primeira edição oficial no fim de abril, com 30 participantes.
Realizado na Bota, espaço gourmet à beira do lago Paranoá, o Pretexto lançou-se com as premissas que pretende sustentar nos encontros a cada 45 dias ou, no máximo, dois meses. “É interessante que seja sempre em lugares diferentes; que tenha sempre uma manifestação artística, um menu degustação temático e surpresa. São mais ou menos sete, oito etapas, com harmonização de bebidas, mas fugindo do convencional”, detalha o professor do Iesb.
Ao todo, os dois cozinheiros amigos, mais dois arquitetos, uma redatora, uma social media, dois fotógrafos e uma editora de vídeos – que registram toda a noite – cuidam dos detalhes para que o evento resulte, realmente, em novas sensações à mesa. “Queremos quebrar a coisa do restaurante”, avisa Raquel Cantareli, mulher de Lelis e responsável pela comunicação.