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Gastrô | Tendência »

Endereço gourmet

Projetos voltados para cozinhar e receber bem fora de restaurantes ganham a capital. A promessa é de experiências gastronômicas diferentes, com qualidade de ingredientes, ambientes agradáveis e boa conversa

Jéssica Germano - Redação Publicação:16/06/2015 16:18Atualização:23/06/2015 16:57
Esdras Nogueira e sua mulher, Mariana, são os idealizadores do
Como Lá em Casa: a ideia é proporcionar encontro de pessoas diferentes
com boa culinária (Vinícius Santa Rosa)
Esdras Nogueira e sua mulher, Mariana, são os idealizadores do Como Lá em Casa: a ideia é proporcionar encontro de pessoas diferentes com boa culinária
O encanto pelos sabores e pitadas de tempero sempre existiu enquanto estavam separados. Após o início de namoro e o casamento, há quatro anos, a paixão e as aventuras na cozinha apenas se “exponencializaram”, como define Mariana Cardoso. Daí para a casa ficar cheia de amigos, famintos e dispostos a experimentar as criações que ela e o marido, o músico Esdras Nogueira, arriscavam foi fácil. “A Mariana trabalha com tradução, eu estou sempre viajando com o Móveis (Coloniais de Acaju, banda da qual faz parte), então montar um restaurante seria inviável”, conta o saxofonista do grupo brasiliense, deixando claro o espaço que a comida ocupa na vida dos dois.

Apaixonados por novas receitas e sempre ligados ao que está acontecendo ao redor do mundo no que se refere à culinária – seja por meios virtuais, seja com viagens in loco –, o casal só pôs em prática a ideia, que já era tendência lá fora. “Eu, que sou rata de blog de comida, já tinha visto isso em Nova York e na Europa”, conta Mariana, referindo-se aos idos de 2011. Assim nasceu o Coma Lá em Casa, projeto em que até 20 pessoas “se convidam” para o endereço do casal e têm uma experiência gastronômica fora de um ambiente comercial, com bebida harmonizada, ao som de vinil e “sem frescuras”, nas palavras de Esdras. O vinho escolhido, por exemplo, é sempre recolocado em uma garrafa de vidro sem rótulos, bem ao estilo “da casa”. A ideia é libertar a noite de pompas desnecessárias e focar realmente nos sabores percebidos. “Quando se vai à casa de um amigo, não se pergunta qual vinho ele comprou”, pontua a tradutora, garantindo, entretanto, que as uvas são sempre reveladas e os títulos, de boa qualidade.

Bolo de salsinha com fresh cream,  por Ésdras Nogueira e Mariana, do projeto Como Lá em Casa (Vinícius Santa Rosa)
Bolo de salsinha com fresh cream,
por Ésdras Nogueira e Mariana,
do projeto Como Lá em Casa
Com um terraço aberto e uma cozinha gourmet devidamente equipada, as refeições, que costumam acontecer em etapas (mas já vieram em formato de brunch e festival de comidinhas para comer com a mão), ganham o céu como cenário, no início da Asa Norte. O cardápio varia de acordo com a edição e pode ou não ter um tema central. A regra é fugir do lugar-comum. “Não queríamos que fosse como ir a um restaurante”, explica Mariana, que pensa e executa, com Esdras, todo o menu servido, em média de R$ 120, com quatro ou cinco apresentações.

A proposta de comer uma comida benfeita, a um bom custo-benefício, junto a pessoas desconhecidas em uma única mesa, tem dado certo. Após três edições no apartamento atual (as cinco primeiras aconteceram na casa anterior do casal), o sucesso de adesão aparece no esgotamento de convites em menos de 24 horas após o anúncio do jantar – feito sempre na fanpage do blog homônimo ao projeto, que nasceu para divulgar as receitas dos encontros. “As pessoas estão buscando experiências diferentes”, observa Mariana, arriscando uma das razões para a tendência ter chegado bem à capital. “É o saber que se vai comer bem, em uma situação em que não há só a parte da comida, mas também um lado social diferente”, aposta. “No mínimo, tem uma predisposição a estar aberto para novas coisas e a conversar com novas pessoas.”

Desde setembro do ano passado, em outros endereços da cidade, noites aleatórias de quinta-feira ganharam ambientação, música e experiências sensoriais em torno da mesa. Na proposta apresentada pelo Gastrô à Trois, o detalhe fica na surpresa para o público, que geralmente descobre os detalhes apenas no decorrer dos jantares. “Tem esse clima de suspense em tudo no projeto: o lugar, o cardápio, a decoração”, avisa Roberta Azevedo, produtora e uma das idealizadoras que, ao lado de mais dois amigos (por isso a referência ao numeral três no nome), e após morar 10 anos em São Paulo quis trazer algo diferente para a capital do país. “Brasília é uma cidade onde a gastronomia é forte”, observa. “E as pessoas estão querendo coisas novas.”

Com um espaço especialmente criado a cada edição pelo arquiteto Ricardo Innecco e o cardápio assinado por Ana Victoria Neddermeyer, os encontros mudam de lugar a cada edição e sempre se voltam para intervenções artísticas. “Não é a comida pela comida”, ressalta Roberta. “Na hora em que servirmos, o que aquilo vai despertar na pessoa?”, indaga sobre as sensações que buscam causar.

Na primeira edição, realizada em uma mansão desocupada do Lago Sul, um candelabro feito a partir de tubos de PVC iluminava a mesa, enquanto, na segunda, ele apareceu como instalação em que biscoitinhos eram servidos durante o coquetel de abertura. Em outra ocasião, os presentes foram vendados e convidados a descrever os sabores que experimentavam às cegas. “Nossos garçons não usam bandejas, mas peças de materiais diferentes: azulejos, pedra”, conta a produtora. Para a chefe, esse conceito aparece em todo o projeto. “Tudo que despertar uma coisa inusitada é interessante para nós.”

Cocada com caramelo  de canela: doce apresentação  do Gastrô à Trois (Raimundo Sampaio)
Cocada com caramelo
de canela: doce apresentação
do Gastrô à Trois
Feitos para, no máximo, 40 pessoas, os jantares acontecem em uma ou duas mesas de grupos grandes. A partir das confirmações via e-mail, a produção fica por conta de entender um pouco o perfil da cada participante e, assim, sugerir uma interação melhor entre eles. “É uma mesa onde as pessoas partilham experiências”, define Ana Victoria, que, além do Gastrô à Trois, divide com Roberta a sociedade do bufê L’épice.

Apesar de não se prender a temas, as criações da cozinha também aparecem sincronizadas com o resto da noite. Em um dos eventos, realizado no mezanino da Torre de TV, onde o espaço é comandado por uma cooperativa de pequenos produtores, a chef explorou legumes e verduras de agricultores locais. Na parte das sobremesas, um vasinho de barro servia um pavê de creme inglês e biscoito, finalizado com farofa de Oreo e hortelã, que lembravam terra e planta.

“Vimos que o Gastrô tinha uma demanda muito forte”, relata a cozinheira do projeto. Para Roberta, a repercussão positiva foi uma surpresa para todos. “No primeiro, em dois dias os convites se esgotaram e a cada edição terminamos com fila de espera.” O inusitado, nesse caso, é a grande aposta dos três amigos. “Quem paga R$ 200 pela surpresa já está aberto ao diferente”, acredita Ana Victoria.

Acostumado com a casa sempre cheia de amigos e a ter de responder às expectativas glutonas naturais geradas por quem visita o endereço de um cozinheiro, Marcos Lelis já tinha o hábito de, uma vez por mês, fazer uma noitada de hambúrgueres artesanais para convidados. Na ocasião, cerca de 30 conhecidos pagavam uma taxa simbólica para comer o ícone do fast food americano à vontade no salão de festas do seu prédio.

Com o nascimento da filha Mariah, há quatro anos, o professor de cozinha brasileira do Iesb, sentiu a necessidade de realocar a ideia e, por que não, transformá-la em algo comercial. “A coisa foi tomando uma forma muito legal”, lembra. Na mesma época, o cozinheiro e amigo Carlos Soares tinha acabado de retornar de sua temporada paulista no aclamado Mocotó, de Rodrigo Oliveira. “Ele voltou com a cabeça fervendo, querendo fazer e montar alguma coisa. Tínhamos algumas referências de grupos que se encontravam para comer.”

Grupo que organiza o evento gastronômico Pretexto: prontos 
para muitas surpresas a cada edição (Raimundo Sampaio)
Grupo que organiza o evento gastronômico Pretexto: prontos
para muitas surpresas a cada edição
Aproveitar o sucesso da noite do hambúrguer e moldá-la em algo profissional tomou um curso natural. Em junho do ano passado, surgiu a primeira reunião do projeto: os próprios amigos que frequentavam os encontros na casa de Lelis – cada um de uma área profissional diferente – tomaram a frente do Pretexto – Comida e Afeto. O nome faz referência ao conceito que os nove idealizadores queriam implementar em Brasília. “A comida, quando não é fonte de combustível, é uma grande desculpa”, diz o professor e também personal chef. “Ela tem esse papel de socialização, de juntar as pessoas, como um grande pretexto.”
Inspirados por iniciativas como o Gastronômade e o Fechado para Jantar, já em efervescência em São Paulo e com propostas parecidas de ocupar novas paisagens com a gastronomia, o grupo teve sua primeira edição oficial no fim de abril, com 30 participantes.

Realizado na Bota, espaço gourmet à beira do lago Paranoá, o Pretexto lançou-se com as premissas que pretende sustentar nos encontros a cada 45 dias ou, no máximo, dois meses. “É interessante que seja sempre em lugares diferentes; que tenha sempre uma manifestação artística, um menu degustação temático e surpresa. São mais ou menos sete, oito etapas, com harmonização de bebidas, mas fugindo do convencional”, detalha o professor do Iesb.
Ao todo, os dois cozinheiros amigos, mais dois arquitetos, uma redatora, uma social media, dois fotógrafos e uma editora de vídeos – que registram toda a noite – cuidam dos detalhes para que o evento resulte, realmente, em novas sensações à mesa. “Queremos quebrar a coisa do restaurante”, avisa Raquel Cantareli, mulher de Lelis e responsável pela comunicação.

Salão pronto para receber  os convidados do Pretexto:  não basta comida,  é preciso afeto (Rafael Facundo/ Divulgação )
Salão pronto para receber
os convidados do Pretexto:
não basta comida,
é preciso afeto
A intenção aparece nas combinações de bebidas pouco óbvias. De chá preto a Jack Daniels com coca-cola, as escolhas do primeiro jantar convidaram a sair um pouco da caixa. Na parte das artes, uma exposição de fotos de Rafael Facundo (um dos fotógrafos do projeto), feitas em uma feira em Salvador, davam indícios do tema que ilustraria toda a noite: cultura nordestina contemporânea. No menu, as receitas, que pretendem sempre buscar o ineditismo, seguiram o mesmo caminho, como o prato principal de nhoque de batata-doce com crouton de queijo coalho, charque e molho de tucupi.

“Faz parte do conceito, e é uma coisa da qual não queremos abrir mão, essa questão, não só da comida, mas também do afeto, de conviver com as pessoas que vão”, destaca Ane Molina, que cuida das redes sociais. Por isso, o número máximo de 40 participantes por edição. A próxima, marcada para julho, ainda não tem lugar definido, mas deve seguir a filosofia inicial. “Queremos pegar espaços que estão abandonados e incentivar a retomada deles”, adianta Raquel.

O Teatro Dulcina e a Concha Acústica já surgem como cenários almejados. Para Ane, o desafio agora é receber bem a fome dos brasilienses por boas novas. “Que cresça, mas que mantenha a pessoalidade do começo”, espera.
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