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Até que a morte os separe

No reino animal, o romance vai além dos instintos. Fiéis na saúde e na doença, os cães amam seus companheiros, sentem ciúmes e cuidam um do outro

Paloma Oliveto - Publicação:25/06/2015 17:13Atualização:25/06/2015 18:21
Anita não aceita nenhum minuto longe de Enzo: também tem ciúmes se alguém brincar com ele (Raimundo Sampaio/Encontro/D.A Press)
Anita não aceita nenhum minuto longe de Enzo: também tem ciúmes se alguém brincar com ele
De todos os casais de namorados que o cinema já imortalizou, poucos são tão apaixonantes quanto uma charmosa cocker spaniel e um vira-lata descolado. A cena em que os personagens Dama e Vagabundo compartilham um prato de espaguete tornou-se um ícone e já foi copiada por muita gente. Na vida real, o amor romântico, como idealizado por humanos, não existe no mundo animal. Mas nem por isso eles deixam de expressar o afeto que têm uns pelos outros. Seja dormindo juntinho, seja rosnando para os “concorrentes”, seja permitindo que o companheiro pegue seus brinquedos ou petiscos, os pets fazem declarações diárias para aqueles que escolhem como “fuça-metade”.

O amor por Johnnie, um golden retriever de 2 anos, transformou a vida de Aya, de 3 anos e da mesma raça. Antes dele, a cachorrinha não queria comer, recusava-se a interagir com a tutora — chegava a ficar virada para a parede — e estava sempre triste pelos cantos. A educadora Denise Turati já não sabia o que fazer para levantar o ânimo de Aya. “O comportamento dela estava destoando muito da normalidade”, diz, lembrando que, por natureza, o golden retriever é um animal muito sociável e, principalmente quando filhote, bastante ativo.

Depois de constatado que não havia nada de errado com a saúde da cadela, um veterinário alertou que o problema poderia estar com a rotina de Denise. Por algum tempo, ela conseguiu trocar seus horários e fazer mais companhia a Aya, mas logo a rotina profissional exigiu que a educadora voltasse a passar a maior parte do dia fora. A recomendação era de que providenciasse companhia em tempo integral para Aya.

Ter um segundo cachorro não estava nos planos, mas, pelo bem da companheira de quatro patas, Denise resolveu testar qual seria a reação dela com um novo amigo em casa. “Foi apaixonante. O Johnnie mudou a Aya. Deu mais alegria e conforto a ela”, relata. Desde o início, tornaram-se inseparáveis. Nos primeiros dias, ela mostrou a casa para Johnnie, como que avisando quem mandava ali. Limites estabelecidos, Aya entregou-se às brincadeiras. “Eles são encantadores. Foi paixão à primeira vista: cheiravam-se o tempo todo, deitavam juntos”, derrete-se.

Com o tempo, nada mudou. Continuam unha e carne. “São extremamente unidos. Dormem juntos e onde um vai o outro segue”, relata Denise. A união não é só nos bons momentos. “Quando um está doente, é impressionante a reação do outro”, diz a educadora. Certa vez, Johnnie teve uma reação alérgica no ouvido e a companheira não saiu do lado dele um segundo sequer. Quando o golden começava a se coçar, Aya tentava desviar sua atenção com brincadeiras. Ela também já adoeceu e teve Johnnie como fiel enfermeiro, sempre ao seu lado. “A capacidade de doação deles é impressionante”, observa Denise.

Na casa da veterinária Daniela Costa Damasceno, a história foi parecida. Em 2012, Enzo perdeu a companheira de toda a vida, uma fox paulistinha que já estava com 17 anos. O golden, então com 6 anos, ficou muito triste e, como sempre se deu muito bem com outros cães, sua tutora tratou de providenciar uma nova companhia. Não poderia dar mais certo. Anita chegou bebezinha e levou animação para a casa. Enzo voltou a ser filhote: rolava no chão e puxava a amiga pelo rabo.

O casal de golden retriever Johnnie e Aya (Raimundo Sampaio/Encontro/D.A Press)
O casal de golden retriever Johnnie e Aya
O casal tornou-se inseparável. Às vezes, Daniela procura passear com um e depois com o outro, para que Anita não fique tão dependente de Enzo. Enquanto o macho fica mais tranquilo sem a companheira, ela não aceita bem a separação, mesmo que por alguns minutos. “Ela tem ciúme dele até conosco. Se mexemos com ele, a Anita dá uma mordidinha nele para chamar a atenção”, conta a veterinária. Quando tem “concorrente” por perto, a golden também trata de mostrar que Enzo já “tem dona”. A cachorrinha não gosta de nadar, mas, quando o “marido” entra na piscina, fica rodeando pela borda, para vigiar. “Ela está sempre de olho nele”, diverte-se Daniela.

Os dois dormem juntinhos e têm uma cama extra-grande só para eles. Mas gostam mesmo é de deitar no chão, ao pé da cama de Daniela — um ao lado do outro. A veterinária explica que, entre os animais, o “romance” tem conotação muito diferente. “É um amor diferente. Entre eles, a cruza, por exemplo, não tem nada a ver com amor, é só um instinto. Eles têm um amor puro e inocente, de respeito e fidelidade”, afirma.

Estudioso do comportamento dos pets e autor do livro A Vida Emocional dos Animais (Editora Cultrix), o biólogo americano Marc Bekoff explicou, em sua coluna no site Psychology Today, que o amor entre cães se traduz em companherismo e lealdade. Um caso que ele estudou foi o de Tika e Kobuk, que moravam com uma amiga de Bekoff. Unidos a vida toda, tornaram-se ainda mais cúmplices quando, na velhice, Tika desenvolveu um câncer e teve uma perna amputada. “Ela tinha problemas para andar e, quando estava se recuperando da cirurgia, Kobuk não saía do seu lado. Depois de duas semanas da operação, ele acordou Anne (amiga de Bekoff) no meio da noite e correu para o lado de Tika. Anne viu que a barriga dela estava muito inchada e correu com ela para uma clínica, onde a cadela passou por uma cirurgia. Se Kobuk não a tivesse acordado, Tika estaria morta”, relatou. Quando se restabeleceu, a cachorra aprendeu a andar com três patas, sempre acompanhada por Kobuk. “Kobuk e Tika, como um verdadeiro casal de idosos, estavam sempre lá, um pelo outro.”

Gaia e Kinder já foram adotados em dupla:os shih-tzus eram grudados mesmo quando viviam com mais quatro cães (Raimundo Sampaio/Encontro/D.A Press)
Gaia e Kinder já foram adotados em dupla:
os shih-tzus eram grudados mesmo quando
viviam com mais quatro cães
Com menos de 1 ano de idade, os shih-tzus Gaia e Kinder já são “carne e osso”. Até os 6 meses, eles moravam com seis cães da mesma raça, brincavam com todos, mas sempre preferiram a companhia um do outro. Há três meses, a ex-tutora teve um problema pessoal e não pôde continuar com a turma toda. Mas a condição para doar Gaia e Kinder era de que continuassem juntos. Quem os adotou foi o dog walker Edson da Silva Moura, que já conhecia o casal desde que eles chegaram a Brasília, pois trabalha na creche canina onde os shih-tzus costumavam ficar durante o dia. “Os dois são muito unidos. Onde um está, o outro está atrás”, conta Edson. No day care, que continuam frequentando eventualmente, Gaia e Kinder — principalmente ele — brincam com todos os cachorros. Mas, da mesma forma que faziam com os “irmãos” shih-tzu, dão prioridade um ao outro.

Edson afirma que, quando soube que os dois seriam doados, chegou a pensar em adotar apenas um cachorro. “Mas, com a união deles, não teria como. É uma amizade muito grande, eles iriam sofrer. Até comer juntos eles comem. Não se separam nem para tomar banho”, justifica. A mãe do dog walker de vez em quando pede para levar Gaia para a casa dela. Em vão. “Não vou separá-los de jeito nenhum”, garante.

O golden Valentin  e a labradora Tila são inseparáveis: ele a trata como uma rainha, diz a dona (Raimundo Sampaio/Encontro/D.A Press)
O golden Valentin e a labradora Tila são
inseparáveis: ele a trata como uma
rainha, diz a dona
Também inseparáveis, a labradora Tila, de 4 anos, e o golden Valentim, de 2, vivem rodeados de outros animais, na casa da empresária Bruna Borges. Mas, assim como Gaia e Kinder, preferem a companhia um do outro. “Valentim tem uma admiração muito grande pela Tila. Para ele, ela é uma rainha”, brinca. Quem manda na relação é ela. “O Valentim tem a Tila como guia. Gruda nela e faz tudo o que ela quer”, diverte-se Bruna.

A chin japonês Meli, de 1 ano e 3 meses, presenteia Titã, de 2 anos, com seus brinquedos. “Ele tira o que quer dela”, conta a arquiteta Fernanda Viscard. Quando Meli chegou, não despertou grandes emoções da parte dele. “Não chegou a ser rejeição, mas também não foi amor à primeira vista”, recorda. Com o tempo, porém, os dois foram se aproximando para nunca mais desgrudar.

Ciumenta, Meli não gosta que mexam com Titã. “Se colocamos remédio nele, ela quer que coloque nela também”, exemplifica a tutora dos chins. Nem na hora do sono eles se separam: Titã serve de travesseiro para a companheira, que dorme com a cabecinha em cima dele. Meli também gosta de sentar no amigo, que não se incomoda com o curioso hábito, mesmo ela sendo maior que ele. “O amor não vê tamanho”, brinca Fernanda.
No início, não foi amor à primeira vista: hoje Titã e Meli, da raça chin japonês, trocam brinquedos e cuidam um do outro (Raimundo Sampaio/Encontro/D.A Press)
No início, não foi amor à primeira vista: hoje Titã e Meli, da
raça chin japonês, trocam brinquedos
e cuidam um do outro
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